Acórdão nº 251/15.3GESTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução12 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório 1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal coletivo que correm termos no Juízo Central Criminal de Setúbal (Juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, foi julgado RR, divorciado, nascido em 11 de Agosto de 1975 a quem o MP imputara a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de: - Dois crimes de importunação sexual agravados, previstos e punidos pelos artigos 170º e 177º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal.

- Um crime de violação agravada, previsto e punido pelo art. 164º, nº 1, al. a), e art. 177º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal.

  1. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento, o tribunal coletivo decidiu julgar improcedente a acusação, e em consequência, ABSOLVER o arguido RR da prática, em autoria material, e concurso efetivo de: - Dois crimes de importunação sexual agravados, previstos e punidos pelos artigos 170º e 177º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal.

    - Um crime de violação agravada, previsto e punido pelo art. 164º, nº 1, al. a), e art. 177º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal.

  2. – Inconformado, o MP vem recorrer daquela decisão extraindo da sua motivação as seguintes conclusões que se transcrevem: «CONCLUSÕES: 1ª Vinha o arguido RR acusado da prática, em autoria material, na forma consumada, de dois crimes de importunação sexual agravados e um crime de violação agravada, p. e p. pelos artºs 170,º 170 nº 1, alínea a), e 164º, nº 1, alínea a) e 177º, nº1, alínea a), todos do Código Penal.

    1. Na data designada para a leitura do acórdão, em 11 de Maio de 2018, a Exmª juiz Presidente comunicou a alteração substancial dos factos, no que concerne ao elemento subjectivo, da consciência da ilicitude e do conhecimento da proibição.

    2. Provou-se em audiência de julgamento que que o arguido, através da força, introduziu o seu pénis na boca do ofendido, seu filho, o quis e conseguiu, para satisfazer os seus instintos libidinosos, bem como sabia que atuava com violência sobre o menor Iúri, forçando-a a manter consigo um ato de coito oral, que o menor não queria, não se abstendo, ainda assim, de o praticar.

    3. O que vale por dizer que agiu com dolo, na vertente intelectual e volitiva, e tinha a consciência da ilicitude material.

    4. Entendendo assim o Exmº Colectivo, que a falta de alegação daquele elemento na acusação redunda na imputação de factos que não integram a prática de crime e que, ao acrescentá-lo, produz uma alteração substancial do que nela vem descrito. E, dada a palavra à defesa, esta opôs-se ao prosseguimento da audiência pelos novos factos.

    5. Todavia, o único facto acrescentado pelo Acórdão foi precisamente o do conhecimento da proibição, pelo que, no contexto do que vimos dizendo e do próprio Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/15, não transforma os factos que já vinham descritos na acusação de atípicos para típicos, de não puníveis para puníveis.

    6. Salvo o devido respeito parece ter de concluir-se que o próprio Acórdão n.º 1/2015, não abrange o conhecimento das proibições como alegação acusatória essencial, quando refere … “Na generalidade dos casos, porém, o sentido ou significado da ilicitude do facto promana da realização pelo agente da factualidade típica, agindo com o dolo requerido pelo tipo. Na verdade, em crimes como o de homicídio, ofensa à integridade física, furto, injúria ou violação, pôr a questão de saber se o agente, que atuou conscientemente, representando todas as circunstâncias do facto, e querendo, mesmo assim, a sua realização, atuou ou não com conhecimento da proibição legal, se sabia que matar, agredir fisicamente uma pessoa, subtrair coisa alheia para dela se apropriar, ofender a honra de alguém, era proibido legalmente, seria o mesmo que questionar se ele efetivamente vivia neste mundo ou se não seria uma extraterrestre acabado de aterrar neste planeta, como no filme de Steven Spielberg”.

      1. Assim, alegando a acusação o dolo, nos seus elementos intelectual e volitivo, que o arguido agiu livre e conscientemente, ou seja, conhecendo todas as circunstâncias do facto e não estando obstaculizado a agir de outro modo, descreve todos os elementos típicos subjetivos do crime, tal como exigido pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência em referência.

      2. Se a acusação não alega que o arguido sabia que a sua conduta é proibida por lei, é porque estamos perante uma delinquência axiologicamente significativa e desconforme aos costumes sociais mais abrangentes, caso em que, em conformidade com a referida jurisprudência, a sua alegação é despicienda.

      3. Ou, não sendo despicienda, pelo menos não configura uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, já que o comum dos cidadãos não ignora que é proibido matar, bater, injuriar, violar, etc.

    7. Salvo o devido respeito, expressões do género “o arguido agiu conhecendo o carácter proibido da sua conduta”, destinadas à uniformização do léxico judiciário, não podem transformar-se em fórmulas sacramentais, indo para além da materialidade do objeto da prova que se faz em julgamento.

    8. Há-de o arguido ficar impune com base no raciocínio de que não lhe está imputado um facto essencial para a sua defesa, quando é evidente que o conhecimento da proibição decorre da natureza do acto criminoso? 13ª Se não se suscitar qualquer questão de diminuição da imputabilidade ou outra causa que possa excluir a ilicitude, que prova mais terá o Ministério Público de fazer nesse julgamento aditando-se aquela imputação? 14ª Salvo o devido respeito parece ter de concluir-se que o teor do acórdão n.º 1/2015, não abrange a proibição em crimes como o roubo, a ofensa à integridade física ou a violação, bem como a consciência da ilicitude, como causa excluidora da culpa.

      1. Há, pois, que concluir-se pela verificação “in casu” de uma alteração não substancial de factos, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 358º do CPP, devendo dar-se a palavra à defesa para indicar, querendo, prazo ou novos elementos de prova, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos.

      2. Não tendo actuado desse modo, violou o Exmº Colectivo as normas previstas nos artºs 358º e 359º do CPP.

      Nestes termos, dando provimento ao recurso e alterando o douto acórdão recorrido, substituindo-o por outro que: - Considere estarmos perante uma alteração não substancial dos factos, dando-se cumprimento ao disposto no artº 358º do CPP».

  3. – O arguido não apresentou resposta ao recurso.

  4. - Nesta Relação, a senhora Procuradora-Geral Adjunto emitiu parecer em que manifesta a sua adesão aos fundamentos de facto e de direito do recurso, do que resultará pugnar pela sua procedência, ainda que, certamente por lapso, refira emitir parecer no sentido da improcedência do recurso.

  5. – Notificado, o arguido nada disse.

  6. A sentença recorrida (transcrição parcial) « A) FACTUALIDADE PROVADA: Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: « A- FACTOS PROVADOS Da prova produzida e com interesse para a boa decisão da causa resultaram provados os seguintes factos: - IL é filho de RR e de CC e nasceu em 17 de Novembro de 1998.

    - O jovem IL residiu com os pais e duas irmãs, em endereço não concretamente apurado em Palmela, após o que mudaram para Azeitão e aí passaram a residir na Praceta da Amizade, onde o menor permaneceu até 03/02/2014, data que foi institucionalizado; - Em data não concretamente apurada, o IL, ainda com 14 anos de idade, estava na sala sentado no sofá a ver televisão, sendo que ali também se encontrava o arguido, não estando mais ninguém presente; - A certa altura o arguido começou a acariciar o filho na zona genital, e após o arguido retirou o pénis para fora, agarrou na cabeça do jovem com força e conduziu-a na direcção do seu pénis que introduziu na boca do filho, friccionando o mesmo, contra a vontade do jovem, até que IL se conseguiu libertar e fugiu da sala; - IL só mais tarde veio a revelar o que o arguido lhe fazia; - Ao actuar da forma descrita, o arguido quis e logrou satisfazer os seus instintos libidinosos, actuando por gestos sobre o menor, seu filho, bem sabendo que o constrangia a um toque de natureza sexual que o mesmo não queria, importunando-o, ofendendo assim a sua liberdade sexual e os seus sentimentos de pudor e vergonha, o que quis e logrou conseguir, bem como sabia o arguido que actuava com violência sobre o menor IL, forçando-a a manter consigo um acto sexual de coito oral, que o menor não queria, e apesar de o menor oferecer resistência, quis, ainda assim, o arguido actuar.

    * Factos apurados quanto à situação pessoal e condição socioeconómica do arguido: O processo de crescimento e desenvolvimento de RR decorreu até aos 20 anos de idade na zona de Quinta do Anjo, uma localidade de características rurais; O arguido é o mais velho de três irmãos, sendo oriundo de uma família de baixa condição social e financeira, sendo o pai, motorista de profissão, o único elemento laboralmente activo; O consumo regular e excessivo de álcool por parte da progenitora terá contribuído para a perturbação do ambiente familiar, sendo usual as discussões entre os pais, por vezes com violência, que geravam no arguido, sentimentos de ansiedade; Quando mais tarde (10-11 anos) ganhou consciência da problemática aditiva da progenitora, RR refere ter passado a sentir-se envergonhado; Apesar da referida problemática, a mãe terá sido capaz de cuidar adequadamente dos filhos; O arguido considera o pai uma pessoa recta e frontal, com quem continua a manter uma boa relação; A relação com a progenitora terá ficado mais conturbada após problemas familiares que envolveram o próprio e um irmão, contexto em sentiu que a mãe lhe foi desleal, tendo cessado temporariamente a comunicação com aquela figura; RR teve na infância problemas de raquitismo que condicionaram o seu desenvolvimento físico, bem como dois traumatismos cranianos que não terão tido aparentemente qualquer sequela no seu...

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