Acórdão nº 1715/16.7PCCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I 1.

Nos autos de processo de inquérito/instrução supra identificados, em que se investigam factos suscetíveis de integrarem a prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 202º, al. a) e 204º, nº1, al. a), do Código Penal, findo o inquérito, pelo Ministério Público foi proferido o despacho de fls. 79 a 81, no qual determinou o seu arquivamento com o fundamento de não existirem indícios suficientes da sua imputação aos denunciados.

2.

Inconformado com o arquivamento, requereu o assistente …, melhor id. nos autos, a abertura de instrução ao abrigo do artigo 287º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, imputando aos arguidos … e …, a prática, em coautoria, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204º, n.º 1 do Código Penal, em conjugação com o art.º 202º do citado diploma.

3.

Por despacho de fls. 126 a 129, datado de 16.05.2018 e pelos fundamentos que do mesmo constam, não foi admitida a abertura de instrução requerida pelo assistente.

4. Deste despacho de não abertura de instrução recorre agora o assistente, que formula as seguintes conclusões: a) Vem o presente recurso interposto da douta decisão que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal, por considerar, em suma, que o mesmo carece de “falta de indicação de factos [que] pode gerar a inexistência do processo e consequente inadmissibilidade do requerimento por falta de objecto”; b) A decisão de que se recorre padece, salvo o devido e merecido respeito, de falta de fundamento legal que possa de alguma sustentar que o RAI não está devidamente instruído de acordo com as exigências elencadas no artigo 283º, nº3 do CPP.

c) Entende o aqui Recorrente que a decisão em apreço (do Tribunal a quo) só é perceptível à luz de um qualquer lapso de apreciação – próprio da natureza humana – que certamente toldou a análise crítica do Mmo. Juiz. Estamos, pois, perante uma clara e notória falta de correspondência entre a apreciação casuística-legal e o teor do RAI.

d) Assim, passamos a transcrever alguns artigos constantes do aludido requerimento e que se afiguram com relevância para a matéria de que aqui se trata: “1.º e) O queixoso (ora requerente) participou criminalmente contra incertos, pelo facto de no dia 25 de dezembro de 2016 (e não no dia 26.12.2016 como decorre de fls. 2 do Inquérito) ter tido conhecimento de que estavam a cortar os seus eucaliptos e a carregá-los (pelo menos parte dos eucaliptos) para uma galera, mais propriamente a galera com a matrícula ….” - veja-se que no art. 1º o Recorrente localiza a ação no tempo e no espaço e inicia a descrição do tipo objectivo; “2.º Os eucaliptos são propriedade do ofendido dado que se encontravam plantados no seu prédio rústico, composto por eucaliptal, com o registo predial nº … da 1ª Conservatória do Registo Predial de (...)” - o Recorrente mantém a narração dos factos, localizando-os (tipo objectivo); (...) “4.º Foi, assim, com total surpresa que o ofendido teve conhecimento desta situação uma vez que não tinha vendido os seus eucaliptos a ninguém - nem tão pouco concedido qualquer autorização para que procedessem ao seu corte.” - o Recorrente mantém a narração dos factos (tipo objectivo); “5.º (…) ...

na noite do próprio dia (25.12.2016) – logo que chegou a - deslocou-se ao seu terreno e constatou que junto ao seu prédio se encontrava uma galera, ainda sem carga (vg. eucaliptos), de matrícula … (tudo cfr. registos fotográficos constantes de fls. 20 a 25 dos autos).” - o Recorrente mantém a narração dos factos (tipo objectivo) iniciando a identificação das circunstâncias de modo e tempo, tal como os indícios da autoria dos mesmos; “6.º No dia seguinte (26.12.2016), por volta das 08h00m, o ofendido deslocou-se novamente ao local e, quando lá chegou, constatou que o reboque (galera de matrícula …) já estava meio carregado com eucaliptos (cfr. fotos de fls. 20 a 22 dos autos) e andava lá um trator florestal (e não um “camião” conforme consta do Inquérito) a carregar as árvores para a galera.” - o Recorrente mantém a narração dos factos (tipo objectivo) iniciando a identificação das circunstâncias de modo e tempo, tal como os indícios da autoria dos mesmos; 16.º (...) o/um do(s) indivíduo(s) em causa tem a alcunha de “paga pouco” e que trabalha(va) para a “…” - tudo isto foi relatado pela patrulha da G.N.R. ao ofendido e aos elementos da P.S.P., estando ainda presente, naquele momento, o Sr…, (…) - o Recorrente mantém a narração dos factos (tipo objectivo) iniciando a identificação das circunstâncias de modo e tempo, tal como os indícios da autoria dos mesmos; (…) “21.º (..) no dia 19 de dezembro de 2016 estiveram no seu terreno uma carrinha de marca Toyota, modelo “pickup” de cor azul, com a matrícula … e, também, uma carrinha de marca Toyota, modelo Starlet de cor azul, com a matrícula …, E, 22.º Ainda, que o trator (camião) que posteriormente levou a galera (carregada com os eucaliptos) - pelo menos no dia 03 de janeiro de 2017 – é da marca Scania e tem a matrícula … (crf. Fls 18 dos autos) – propriedade da firma “…”.

23.º Face ao todo o exposto, resulta claro que o comportamento daquele(s) que cortaram os eucaliptos do ofendido e deles se apropriaram não foi precedido de consentimento ou autorização do proprietário,” - o Recorrente continua a narrar dos factos (tipo objectivo) e fornecer mais elementos da identificação das circunstâncias de modo e tempo, tal como os indícios da autoria dos mesmos.; “24.º Pelo que quem executou ou mandou executar os ditos trabalhos bem sabia, nem podia desconhecer, que estava(m) a entrar em propriedade privada apropriando-se de coisa alheia, 25.º E que tal comportamento tem um enquadramento jurídico-penal indiscutível, dado que as pessoas visadas (sejam elas mandantes ou mandados), agiram de forma dolosa, livre e consciente, sabendo que a(s) sua(s) conduta(s) era(m) punida(s) por lei, cometendo crime de furto (de eucaliptos) qualificado, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 204º, nº 1, do Código Penal conjugado com a al. a) do artigo 202º do mesmo diploma legal,” - o Recorrente enuncia e descreve o tipo subjetivo e objectivo do crime em apreço.

“26.º Causando danos na propriedade do ofendido no valor seguramente superior a €8.000,00 (oito mil euros) – valor inicialmente mencionados pelo ofendido - , pois, de acordo com os valores de mercado e a área de plantação do terreno aqui em causa (que neste caso corresponde a 4.850 m2), e se considerarmos um preço de venda na ordem de €30,00/tonelada, e atendendo que, em média, bastam 2,5 árvores para atingir uma tonelada, com um espaçamento de 2 metros entre árvores um hectare tem plantados, em média, 2.500 eucaliptos, logo, cada hectare pode render até 30 mil euros por corte, pelo que ½ hectare (5.000 m2 – área aproximada do prédio do ofendido tal como resulta da caderneta predial junta aos autos a fls. 19) pode render até €15.000,00 dependendo da idade dos eucaliptos (cuja idade óptima para efeitos de produção de pasta de papel – vg. de acordo com a (...) , mais conhecida pela sua anterior denominação de “ (...) ” – é precisamente os 10 anos de idade).” - tipo objectivo de crime.

f) Ora, depois de fazer toda a análise crítica e enquadramento da matéria vertida nos autos, nomeadamente – e ao que aqui importa - na fase de Inquérito, e demonstrando as razões da sua discordância sobre o despacho de arquivamento, o Assistente/Recorrente retoma a factualidade identificativa do tipo objectivo de crime e sua autoria: “39.º Em função de todo o exposto, parece-nos evidente que resultam indícios suficientes de que ao arguido … - quem supostamente cortou os eucaliptos do ofendido- possa vir a ser aplicada em julgamento uma pena, 40.º Como, ainda, a testemunha …, legal representante da “…”– empresa que se terá apropriado dos eucaliptos do ofendido, transportando-os e vendendo-os como se de seus se tratassem - deveria igualmente ter sido constituído arguido em função da apropriação ilegítima dos eucaliptos, 41.º Pelos documentos juntos aos autos, resulta claro que o dono dos veículos que transportaram os eucaliptos é a “…” cujo representante legal é a testemunha … que de forma lesta apontou o arguido como autor da prática criminosa aqui relatada,” (...) “44.º Não obstante a suposta leveza com que se apontou o dedo ao arguido, parece-nos óbvio que além deste a “…”, na pessoa do seu legal representante, é co-autor material do crime de furto aqui em apreço, pelo que, 45.º Por assim ser, parece-nos óbvio que o Sr. … deverá constar como autor material da prática do crime aqui em causa, 46.º Pelo facto de o mesmo não poder deixar de ignorar que a sua conduta era proibida por lei, dolosamente empreendida, de forma ardilosa mas consciente e premeditada,” (...) “50.º Quer dizer, quanto à verificação, no caso, da prática do crime de furto, resulta claro que o mesmo ocorreu,” (...) “52.º Pois não restam dúvidas de que o seu autor foi, pelo menos, o representante legal da “…”,” (...) “55.º Resulta, assim, de todo o exposto, que está suficientemente indiciado que o arguido … e a testemunha … (id a fls 44-46 dos autos) cometeram, em co-autoria, o crime de que aqui se cura e, portanto, deverão os mesmos ser acusados da prática de tal facto, (...) 59.º Bem assim, do arguido … que, em co-autoria, praticaram o crime de furto qualificado, devendo ser pronunciados pelos mesmos.

- o Recorrente enuncia e descreve o tipo subjetivo e objectivo do crime em apreço, bem como a sua autoria, culminado com o seguinte pedido: g) “Termos em que deve o presente requerimento ser admitido e, em consequência, o Sr. … e o arguido … pronunciados pela prática, em co-autoria, do crime de furto (de eucaliptos) qualificado, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 204º, nº 1, do Código Penal conjugado com a al. a) do artigo 202º do mesmo diploma legal. “ h) Ora, em função da transcrição aqui trazida de parte do RAI, resulta claro que o Assistente (ora Recorrente) não se limita a descrever as razões de...

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