Acórdão nº 216/17.0T8MNC-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Janeiro de 2019
Magistrado Responsável | MARIA CRISTINA CERDEIRA |
Data da Resolução | 17 de Janeiro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO Na acção especial de prestação de contas movida por A. D.
contra F. D.
, o Autor juntou, com a petição inicial, os documentos 6 a 13 redigidos na língua francesa, para prova dos factos alegados nos artºs 5º, 7º e 8º daquele articulando, protestando juntar a respectiva tradução certificada.
O Réu, na sua contestação, veio impugnar a genuinidade e força probatória dos documentos 6 a 13 juntos com a petição inicial, alegando, em síntese, que: - tais documentos estão escritos em língua estrangeira, carecendo de ser apresentada a respectiva tradução nos termos do disposto no artº. 134º do Novo Código de Processo Civil (doravante NCPC); - o documento 6 não reveste a forma de escritura pública ou equivalente, conforme imposto pelo artº. 2063º do Código Civil, tratando-se de um mero documento particular, dactilografado e no qual está aposta uma assinatura, alegadamente, da suposta repudiante da herança de A. P., sua mãe M. D.; - a assinatura aposta nesse mesmo documento 6 não é da autoria de M. D., nem foi feita pelo seu punho; - o documento 7 com o título Certificat d’Heritier não contém a legalização prevista como requisito essencial pelo artº. 440º do NCPC, sendo falso o seu conteúdo, pois há mais seis irmãos além do Autor e do Réu e nenhum destes teria renunciado à herança em causa.
Em 14/09/2017 veio o A. A. D. requerer a intervenção principal provocada de seus irmãos M. A.
, M. P.
, O. P.
, J. A., J. P.
e D. P.
, como seus associados (refª. 26758677), a qual foi admitida por despacho proferido em 23/10/2017 (refª. 41643618).
Por requerimento apresentado também em 14/09/2017, com a refª. 26759017, veio o A. responder à impugnação da genuinidade e força probatória dos documentos juntos com a petição inicial, requerendo, entre outras diligências, que seja o Tribunal de 1ª instância a solicitar: - à Justice de Paix du District de Morges, do cantão de Vaud, na Suíça, a emissão de certidão do documento 6 junto com a petição inicial, bem como do documento junto a fls. 38vº e 39 destes autos, que constitui o elenco de renúncias e aceitações da herança do falecido A. P. e no qual se comprova que apenas o A. aceitou a herança, documentos esses que constam do processo de sucessão nº. 102169 de 2008, que ali correu termos, e ao consulado português competente, a legalização dessas mesmas certidões; - ao consulado português competente, a legalização do documento 7 junto com a petição inicial, que é um certificado emitido pela Justice de Paix du District de Morges no processo já referido, cujo original está em poder do A. e que juntou digitalmente aos autos, prontificando-se a entregá-lo em suporte físico naquele Tribunal para tal efeito.
Justifica esta sua pretensão com o facto de não ter capacidade económica para suportar os custos com o pedido e emissão das certidões dos documentos e sua legalização no consulado português, alegando ter-lhe sido concedido o benefício do apoio judiciário devido às suas dificuldades económicas.
As traduções dos aludidos documentos 6 a 13, constantes de fls. 19vº a 23, e do documento junto a fls. 38vº e 39, todos redigidos em francês, foram juntas aos autos em 10/05/2018 (refª. 1937272) e em 11/10/2018 (refª. 2101335).
Em 4/10/2018, o Tribunal “a quo” pronunciou-se sobre o aludido requerimento apresentado pelo A., proferindo o seguinte despacho que passamos a transcrever, na parte que ora interessa (cfr. fls. 40): «Requerimentos datados de 14.09.2017 e 03.10.2018: (…) Já no que concerne ao pedido de certidão gratuita e respectiva legalização junto de tribunal estrangeiro, este tribunal não tem jurisdição para o efeito, ou seja, para determinar a tal tribunal o envio de tais elementos gratuitamente.
Adianta-se que o pedido de "legalização" de documentos não se trata de um acto que esteja abrangido pelo benefício do apoio judiciário, motivo pelo qual indefiro o requerido (pontos 4 a 10).
Notifique.
(…)» Inconformado com tal decisão, o Autor dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: 1ª - O A. não se conforma com a parte do despacho de 04/10/2018 (refª 43015857) onde se recusa o requerimento probatório, que pede ao tribunal que solicite certidões, ao tribunal Suíço, de dois documentos e que determine a sua legalização consular, conforme é exigido pelo artigo 440º do C.P.C (pontos 6 e 10 do requerimento do A. de 14/09/2017 (Ref.ª 26759017 e 1641832) e de igual modo, não se conforma com o indeferimento do pedido de que seja o tribunal a solicitar, ao consulado português competente, a legalização do documento nº 7 junto à P.I.
-
- O despacho recorrido fundamenta o indeferimento em duas razões: a) - quanto ao pedido de documentos/certidões ao tribunal Suíço, refere não ter jurisdição para ordenar tal "envio" gratuitamente; e b) - quanto ao pedido de legalização, justifica que não é acto que esteja abrangido pelo apoio judiciário.
-
- Quanto ao primeiro fundamento, não está verdadeiramente em causa obtê-los gratuitamente, mas antes que o A. não poderá suportar os custos, se os pedir a título pessoal.
-
- Ora, efetivamente, o tribunal recorrido pode pedir tais documentos ao abrigo da Convenção de Haia de 1970, de 18 de março (sobre obtenção de provas no estrangeiro em matéria civil e comercial; ratificada pelo Decreto nº 764/74 de 30 de Dezembro); ao que acresce que, nos termos de tal convenção, a regra até é de que tal pedido não está sujeito a custas ou outras taxas.
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- Pelo que o despacho recorrido viola o disposto nesta convenção, nos artigos 411º e 436º, entre outros, do C.P.C, e na parte final do nº 1 do artigo 20º da Constituição.
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- Mesmo que não existisse a referida Convenção de Haia, o tribunal recorrido sempre teria possibilidade de pedir tais certidões, nos termos gerais da lei processual, através de carta rogatória.
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- Quanto ao fundamento para indeferir a legalização dos documentos, nos termos do artigo 440º do C.P.C, o mesmo implica uma violação direta do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 16º da Lei nº 34/2004, bem como da parte final do nº 1 do artigo 20º da Constituição.
-
- No caso concreto da alínea a) do nº 1 do artigo 16º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho; entendemos que os encargos, a que se refere este preceito, englobam também os encargos relativos à obtenção de certidões (que no caso em concreto poderão nem ter custos para o tribunal, em virtude do disposto na Convenção de Haia) e relativos à legalização de documentos estrangeiros, sendo que tal interpretação é imposta pelo preceito constitucional já referido (artigo 20º nº 1 in fine da Constituição).
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- Aliás, uma interpretação da alínea a) do nº 1 do artigo 16º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, que exclua dos encargos aí previstos as despesas com a obtenção de certidões em tribunal estrangeiro e com a legalização consular de documentos estrangeiros, nos termos do artigo 440º do C.P.C., resulta em inconstitucionalidade de tal preceito, por violação do artigo 20º nº 1 da Constituição.
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- Assim, o peticionado nos pontos 6 e 10 do requerimento do A. de 14/09/2017 (Ref.ª 26759017 e 1641832) deverá ser deferido; devendo o tribunal recorrido fazer tal solicitação nos termos da Convenção de Haia de 1970 sobre obtenção de provas no estrangeiro em matéria civil e comercial.
-
- Do mesmo modo, deverá ser deferida a legalização consular dos documentos, pedida nos pontos 6, 8 e 10 do referido requerimento do A.
Termina entendendo que deve ser revogado o despacho recorrido e deferida a pretensão do A., determinando-se que o tribunal recorrido proceda às diligências consequentes.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido por despacho certificado a fls. 7.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do NCPC, aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.
Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pelo Autor...
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