Acórdão nº 357/15.9 GTABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA FILOMENA SOARES
Data da Resolução06 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª subsecção) do Tribunal da Relação de Évora: I [i] No âmbito do processo nº 357/15.9 GTABF, que correu termos nos Serviços do Ministério Público do Departamento de Investigação e Acção Penal de Faro, 1ª Secção, procedeu-se a inquérito, findo o qual a Digna Magistrada do Ministério Público deduziu acusação, imputando ao arguido AP (devidamente identificado nos autos a fls. 28) a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal.

[ii] Inconformado com tal decisão, o arguido requereu a abertura de instrução.

[iii] Finda a instrução, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Instrução Criminal de Faro, Juiz 1, o Mmº Juiz de Instrução proferiu decisão instrutória de não pronúncia, não imputando, consequentemente, ao arguido a prática do mencionado crime de condução de veículo em estado de embriaguez, outrossim, determinando a remessa de certidão de todo o processado à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) para instauração de procedimento contraordenacional contra o arguido.

[iv] Inconformada com esta decisão de não pronúncia, dela recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, extraindo da respectiva motivação de recurso as seguintes conclusões: “A – Vem o presente recurso interposto da douto despacho de não pronúncia proferido nos autos, em 09.02.2017, em que decidiu não pronunciar o arguido AP pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 69.º, n.º 1, al. a), e 292.º, n.º 1, do Código Penal.

B – Entende o Ministério Público, que o Tribunal a quo, em face do teor do exame de sangue para quantificação da taxa de álcool, não devia ter dado como suficientemente indiciado que acusou, após realização de contraprova de que não prescindiu, mediante análise hematológica, a taxa de álcool no sangue não exatamente apurada, mas não inferior a 1,13 e não superior a 1,47 g/l, e como não suficientemente indiciado que a taxa de álcool com que o arguido conduzia era de 1,30 g/l sangue e agiu de forma voluntária (ciente e querendo conduzir com uma TAS igual ou superior a 1,20g/l).

C – Com efeito, do exame pericial a fls. 8 consta, por um lado, como resultado de quantificação de etanol no sangue o valor de 1,30 g/l e, por outro, a menção “+/- 0,17 g/l”. Assim, resulta que ao referido valor (1,30 g/l) corresponde uma incerteza estimada de +/- 0,17 g/l, ou seja, o valor de alcoolemia pode variar entre 1,13 g/l e 1,47 g/l,.

D - Mas, mostrando-se certo que a incerteza estimada é comummente aceite em qualquer exame pericial (atente-se, por exemplo, aos testes de paternidade), não menos verdade será a conclusão de que a probabilidade do resultado do teste de alcoolemia se refletir nos valores das extremidades é muito menor do que a que ocorre no centro do gráfico de distribuição “gaussiana”, representado, no caso em concreto, por 1,30 g/l.

E - Deste modo, pese embora exista a probabilidade (mínima) da TAS ser inferior a 1,20 g/l, é muito mais provável que esse valor seja igual ou superior a 1,20 g/l (limite a partir do qual é considerado crime), sendo 1,30 g/l o valor médio e o resultado efetivamente obtido naquele tipo de exame.

F - Por essas razões, e porque apresenta um grau de probabilidade mais alto e representa um valor médio e, por isso, mais correto, sendo efetivamente o resultado do exame, tem-se que considerar a TAS de 1,30 g/l como a taxa que o arguido acusava no momento da condução.

G - No demais, uma conclusão diferente da sustentada conduziria a resultados contraditórios, Isto porque a prova resultante de um exame ao sangue apresentaria uma “margem de erro” bastante superior à que advém dos exames realizados em aparelhos quantitativos de ar expirado, com as inerentes limitações destes últimos, resultantes da calibração dos referidos aparelhos.

H – Por outro aldo, a prova pericial ou científica, no caso, o exame de sangue para quantificação da taxa de álcool, rege-se em termos probatórios pelo artigo 163.º, do Código de Processo Penal.

I - Então, a natureza pericial da prova constituída pelo exame de sangue para quantificação da taxa de álcool junto a fls. 8 dos autos, cujo valor é definido pelo art.º 163.º, do Código de Processo Penal, sendo mais provável e mais correto que a TAS seja de 1,30 g/l do qualquer outra taxa, e ademais atentas as regras da experiência comum, estatuídas pelo artigo 127.º, designadamente do que resulta do anterior exame de pesquisa de álcool, através do aparelho “Drager”, que acusou, após a dedução da EMA, a TAS de 1,349 g/l, permite-nos concluir que resulta dos autos suficientemente indiciado que o arguido conduziu um veículo automóvel com uma TAS de 1,30 g/l.

J - Igualmente não deverá impor, a nosso ver, a aplicação analógica do regime de dedução da EMA no caso de medição da alcoolémia no ar expirado, estabelecido no artigo 170.º, n.º, 1 al. b), do Código da Estrada, ao exame de sangue para quantificação da taxa de álcool, uma vez que não podemos considerar que estamos verdadeiramente perante uma lacuna da lei.

L - A Lei n.º 72/2013, de 03/09, que alteou o artigo 170.º, n.º 1, do Código da Estrada, veio estabelecer expressamente que há lugar à após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição ao valor expresso no alcoolímetro.

M - Contudo, o Legislador nada veio prever quanto à dedução da “margem de erro” no caso em que era realizado exame de sangue para quantificação da taxa de álcool por cromatografia gasosa.

N - Assim, não tendo o Legislador expressamente regulado sobre a dedução da “margem de erro” na situação de análise ao sangue aquando da alteração introduzida pela Lei n.º 72/2013, de 03/09, temos que presumir que não foi vontade do Legislador que houvesse dedução dessa margem neste tipo de exame.

O - Aqui chegados, pois que não foi essa intenção do Legislador, não podemos entender que estamos perante uma verdadeira lacuna da lei que permita o recurso à analogia.

P - Por fim, considerando que é mais provável e mais correto que a TAS seja de 1,30 g/l pois que foi esse o resultado do exame pericial, atento que o anterior exame de pesquisa de álcool, através do aparelho “Drager”, acusou, após a dedução da EMA, a TAS de 1,349 g/l, e uma vez que estamos perante uma prova pericial, e pese embora a incerteza do resultado do exame representado por um desvio padrão de 1,13 g/l a 1,47 g/l., também entendemos que, in casu, não há lugar à aplicação do princípio in dubiu pro reo.

Q - Face ao exposto, entendemos, assim, que não deverá haver lugar à dedução do erro máximo admissível/valor de estimativa de incerteza quando a TAS é obtida por processo científico/análise de sangue.

R - Termos em que, concluímos que resulta dos autos suficientemente indiciado que o arguido conduziu um veículo automóvel com uma TAS de 1,30 g/l.

S - Deste modo e em consequência, deverá a matéria de facto dada como indiciada e não indiciada em sede de Despacho de Não Pronúncia ser alterada/modificada em conformidade e o arguido AP ser pronunciado pelos factos constantes e nos exatos termos da acusação proferida nos autos a fls. 37 e 38.

T - Pelo exposto, ao ter decidido pela dedução da margem de erro ao valor expresso no...

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