Acórdão nº 328/18.3T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução22 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 328/18.3T8STB.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local de Competência Cível de Setúbal – J2 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: Na presente acção de processo comum proposta por (…) contra (…), a Autora não se conformou com a sentença proferida, interpondo o competente recurso.

* A Autora peticionou o pagamento da quantia de € 7.968,79, onde € 4.534,79 correspondem ao montante pago pela Autora à Autoridade Tributária e Aduaneira, € 204,00 ao pagamento da taxa de justiça relativa à impugnação judicial que a Ré iria interpor em nome da Autora, € 1.230,00 a honorários suportados com a constituição de novo mandatário e € 2.000 a danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

* Para tanto e em síntese, a Autora alegou que requereu os serviços da Ré, no âmbito da atividade que aquela desenvolve, em particular, para legalizar um imóvel de que era possuidora e que a mesma violou culposamente os seus deveres profissionais, ao não prestar as informações e ao não ter dado entrada da impugnação judicial a que se havia comprometido.

Mais adianta que, em virtude dessa conduta, sofreu prejuízos patrimoniais, tendo liquidado junto da Autoridade Tributária imposto a que não estava obrigada.

* Regularmente citada, a Ré não apresentou contestação nem constituiu mandatário, considerando-se confessados os factos articulados pela Autora.

* Proferida sentença, o Tribunal condenou a Ré (…) a pagar à Autora (…) a quantia de € 4.081,31, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa civil, computados desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais contra si peticionado.

* A recorrente não se conformou com a referida decisão e na peça de recurso apresentou as seguintes conclusões: «1) Ao considerar que é a própria lei que estabelece que, para efeitos de aplicação do CIS a aquisição por usucapião é tida como uma transmissão gratuita, sendo de aplicar ao caso em apreço a isenção prevista no artigo 6º do CIS, e tendo em conta que é entendimento sedimentado – e fixado – na jurisprudência, que a aquisição, por via da usucapião, pese embora sujeita a tributação em sede de imposto do selo, se encontra isenta do mesmo, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse fixado a probabilidade de sucesso da impugnação judicial em 100%.

2) Em sede de atribuição de indemnização por perda de chance, a determinação da probabilidade de sucesso deve ser feita com base no "juízo dentro do juízo" levado a cabo pelo Tribunal que a aprecia.

3) Tendo atribuído uma probabilidade de sucesso de apenas 90%, limitando-se a referir de forma genérica a existência da possibilidade de improcedência do processo, por considerar existir a probabilidade de 10% de vir a existir algum novo entendimento defendido por um Tribunal, sem invocar nenhum fundamento legal que permitisse sustentar tal novo entendimento, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 483º do Código Civil.

4) Tendo o Tribunal chegado à conclusão que existe uma probabilidade de vencimento de 90%, encontra-se plenamente verificado o pressuposto para atribuição de indemnização por perda de chance, não sendo de aplicar essa percentagem de 90% no cálculo da indemnização, uma vez que foi unicamente a actuação da Ré que fez a Autora perder, desde logo, toda a possibilidade de ganho.

5) Impunha-se que o Tribunal a quo tivesse atribuído a totalidade da quantia peticionada de € 4.534,79, sendo esse o ganho que a recorrente se viu impedida de obter por força da conduta omissiva da recorrida, tal como resulta da matéria de facto dada como provada. Ao não o fazer, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 483º, 562º, 564º e 798º do Código Civil.

6) Em sede de indemnização por danos não patrimoniais, o dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é "exorbitante ou excepcional", mas também aquele que "sai da mediania que ultrapassa as fronteiras da banalidade", um dano que, segundo as regras da experiência e do bom senso, "se torna inexigível em termos de resignação”.

7) Ficando provado que, por força do procedimento da Ré, a Autora ficou muito preocupada e nervosa e andou muitos dias sem conseguir dormir bem. Que a Autora teve de se deslocar às finanças várias vezes, sem possuir informação ou documentos e foi confrontada com informações contraditórias e com a ameaça de uma eminente execução fiscal, o que lhe causou desgaste físico e psicológico. E que a Autora andou vários meses nervosa e irritada, o que se reflectiu no âmbito das suas relações familiares, nomeadamente no relacionamento com o seu marido e com os seus dois filhos, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse considerado como verificados os pressupostos da indemnização por danos não patrimoniais, uma vez que tais danos ultrapassam claramente as fronteiras da banalidade, segundo as regras da experiência e bom senso, não sendo exigível a resignação da Autora, pelo que se impunha a condenação da Ré na quantia peticionada a título de danos não patrimoniais.

8) Ao ter considerado que os danos não patrimoniais invocados e provados, não são suscetíveis de merecerem atendimento, por entender que os mesmos não excedem os incómodos normais de uma situação como a dos autos, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 483º, 496º, 562º, 564º e 798º do Código Civil; 9) As relações entre cliente e Advogado configuram um contrato de prestação de serviços, mais concretamente de mandato, celebrado ao abrigo do princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405º do Código Civil, e que é regulado pelas disposições legais previstas nos artigos 1156º a 1184º do Código Civil.

10) De acordo com a alínea e) do artigo 1161º do Código Civil, o mandatário está obrigado a entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se não o despendeu normalmente no cumprimento do contrato.

11) Tendo resultado provado que a Autora transferiu para uma conta da ré, a pedido desta, a quantia de € 204,00 para pagamento de uma taxa de justiça que se destinava a ser paga para dar entrada de uma impugnação judicial, e que a Ré não liquidou a taxa de justiça nem deu entrada da competente impugnação judicial, está a Ré obrigada a restituir tal quantia à Autora, por força da sua responsabilidade contratual, e ao abrigo do referido artigo 1161º CC.

12) As acções baseadas nas regras do instituto do enriquecimento sem causa têm natureza subsidiária, só podendo a elas recorrer-se quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reacção.

13) Ao considerar improcedente o pedido de restituição da Autora dos € 204,00, por entender que o referido montante deveria ter sido reclamado não em sede de responsabilidade civil mas antes em sede de um eventual enriquecimento sem causa, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 406º, nº 1, 474º, 762º, nº 1 e nº 2, 798º e alínea e) do artigo 1161º todos do Código Civil.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências».

* A parte contrária não contra-alegou. * Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.

* II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).

Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de existência de erro na apreciação do direito, por não ter sido arbitrada a quantia solicitada a título de indemnizatório.

* III – Matéria de facto: 3.1 – Factos provados: 1) A Ré é advogada, titular da cédula profissional nº (…), com escritório na Rua (…), 14-RC, Sala 3, (…), com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados.

2) A Autora procurou a Ré para que esta lhe prestasse serviços, enquanto advogada, nomeadamente, para que procedesse ao processo de legalização da fração autónoma identificada pela letra B, sita na Rua (…), nº 13, 1º andar, freguesia e concelho de (…), descrita na Conservatória de Registo Predial de Palmela com o número de registo (…), e inscrito na matriz predial urbana sob o nº (…).

3) A Ré aceitou a prestação de serviços referida em 2, garantindo que tudo seria devidamente tratado e que a Autora iria adquirir a propriedade da fracção autónoma, devidamente legalizada e registada em seu nome, sem que isso importasse qualquer pagamento de imposto e apenas o pagamento de honorários e custos com escritura (emolumentos) e registo.

4) A Ré decidiu que a melhor forma de resolver a questão seria invocar a aquisição da fracção por usucapião, através de uma escritura pública de justificação notarial.

5) A Ré preparou todos os elementos necessários e agendou dia e hora para a realização da escritura, a qual teve lugar a 14 de Agosto de 2015, no extinto Cartório Notarial de Palmela, podendo ler-se o seguinte: " (…) ficou adjudicada a referida fracção ao avô da justificante (…) que (…) doa verbalmente a mencionada fracção à justificante, sua neta".

6) Em seguida, a Ré promoveu os respectivos averbamentos e registos definitivos da fracção em nome da Autora.

7) Em 17 de Agosto de 2015, a Ré deu os seus serviços por findos, garantindo que estava definitivamente resolvido, e remeteu à Autora uma nota de honorários, na quantia de € 1.200,00, sendo que a Autora pagou tal valor e, ainda, a quantia de € 560,00 relativa ao valor das taxas e emolumentos.

8) Em 21 de Outubro de 2015, a Autora foi notificada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, para proceder ao pagamento de uma nota de liquidação em sede de imposto do selo, devido pela "adjudicação" da fracção referida em 2, no montante de € 4.534,79.

9) Após ter recebido tal nota de liquidação, a Autora contactou a Ré, questionando-a acerca do motivo de tal...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT