Acórdão nº 208/17.0PBEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução12 de Julho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No processo comum coletivo n.º 208/17.0PBEVR, da Comarca de Évora, foi proferido acórdão a condenar o arguido AA como autor de um crime tentado de homicídio qualificado, dos artigos 131.º e 132.º, n.º1 e 2, als. a) e e), 22.º, 23.º e 73.º, do CP, na pena de 8 (oito) anos de prisão, e a absolvê-lo de um crime de ofensa à integridade física qualificada, dos arts. 143.º, n.º1, 145.º, n.º1, al. a) e n.º2, e 132.º, n.º1, al. a), do CP.

Inconformado, recorreu o arguido, concluindo: “1º O ora recorrente, encontra-se condenado pelo tribunal recorrido, como autor material na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº 1 e 2, alíneas a) e e), 22º, 23º e 73º, todos do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão.

  1. Tal condenação não é sustentada por toda a prova existente nos autos, bem como aquela que foi produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

  2. Antes, toda a prova a que o tribunal teve acesso para fundamentar a douta decisão, permite concluir pela existência de factos tendentes à prática pelo arguido de um crime de ofensa à integridade física qualificada, por ser a ofendida sua mãe.

  3. A qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido, apenas permite concluir pela existência de um crime de ofensa à integridade física qualificada, nunca, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada.

  4. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4-Fev-2015/proc. 42/13.6GCMBR.C1 (INÁCIO MONTEIRO), acessível, nomeadamente, em www.dgsi.pt/trc: “há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade”. “Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada”.

  5. O tribunal recorrido violou o previsto no Art.º 410º nº 2 c) do CPP, ao dar como provados os seguintes factos:- facto 9 “o arguido AA pegou num cinto de nylon, de cor encarnada, colocou o mesmo à volta do pescoço de sua mãe, MM e, fazendo força, apertou-o, impedindo esta de respirar” - E, facto 13 “lesões adequadas a provocar a sua morte”. Em violação pelas regras da experiência comum.

  6. Tal conclusão não se encontra estribada em qualquer prova, pelo que deve ser dado como não provado.

  7. O hematoma vermelho com forma regular e circular na zona do pescoço é consequência directa e necessária do facto 8: “o arguido AA colocou as mãos no pescoço de sua mãe, MM, e, fazendo força, bateu com a cabeça da mesma, por diversas vezes, na cama de ferro, onde tinha estado a dormir”.

  8. Pelo facto de o cinto haver sido encontrado na mesa de cabeceira do arguido, não pode o tribunal recorrido, sem prova que o sustente, concluir que este o tenha colocado à volta do pescoço da mãe.

  9. Até porque, se o cinto tivesse sido colocado e apertado com força à volta do pescoço de MM, não existiria qualquer dúvida de que os vestígios hemáticos lhe pertenciam, certeza que não foi atingida pela perícia efectuada.

  10. Em face da análise aos vestígios hemáticos, a fls. 234 dos autos, a que alude o douto acórdão recorrido, no seu parágrafo quinto “Motivação da decisão de facto”, relativamente ao facto 9, dado como provado, não poderia concluir, com a necessária certeza, que tais vestígios pertenciam à ofendida.

  11. No douto acórdão, a decisão é contra a lógica normal da vida, já que as provas apontam em sentido contrário ao que foi extraído.

  12. Perante factos incertos, a dúvida não pode desfavorecer o arguido, pelo que o tribunal a quo, deveria ter tomado decisão a favor deste.

  13. Neste sentido Ac. STJ de 4-12-2008: “VII. O princípio in dubio pro reo estabelece que, perante a persistência de uma dúvida razoável, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido.

    Não tendo o tribunal a quo, manifestado sequer a sua dúvida, ocorreu a violação do disposto no artigo 32º CRP.” Ac. STJ de 12.03.2009, “III- O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito.

    (…) V- Não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.” 15º Mostra-se amplamente violado, no douto acórdão recorrido, o princípio in dúbio pro reo.

  14. No douto acórdão recorrido, é dado como provado: “em consequência directa e necessária da descrita conduta de AA, MM sofreu de traumatismo crânio-encefálico com perda de consciência, de hematoma frontal lateral direito, de traumatismo da face, de traumatismo maxilo-facial, com fractura do dente 21 e fractura cominutiva do ângulo e ramo mandibular esquerdos, de limitação de abertura da boca a cerca de 2,5 centímetros, de edema exuberante da hemiface esquerda, de traumatismo de pescoço, traumatismo do cotovelo esquerdo, com luxação posterior e fractura da tacícula radial (marginal), de cicatriz linear na região ântero-auricular esquerda, heterocrómica, oblíqua para baixo e para a frente, com 2 centímetros de comprimento, de cicatriz linear no pavilhão auricular esquerdo, hipercrómica, com 0,2 centímetros, de cicatriz na região zigomática esquerda, com 0,5 centímetros de diâmetro, de assimetria facial por tumefacção de consistência dura do ramo horizontal esquerdo da mandíbula, de limitação de abertura máxima da boca de 4 centímetros, de dores físicas, de ansiedade, de vertigens postural, de alterações da memória recente, de stress pós-traumático, de receio e de mal-estar psicológico, lesões adequadas a provocar a sua morte”.

  15. Porém, tal conclusão demonstra erro notório na apreciação da prova, ao considerar provado que tais lesões são adequadas a provocar a morte da ofendida.

  16. Do relatório da perícia de avaliação do dano corporal, fls. 185 do apenso, contraria essa possibilidade, na medida em que refere que as consequências permanentes descritas e que resultam do evento, não atingem um grau de gravidade tal, pelo que não se verifica qualquer dos efeitos previstos nas alíneas do artigo 144º do Código Penal vigente.

  17. As lesões não têm a gravidade correspondente ao crime de ofensa à integridade física grave, não se vislumbrando nenhuma fundamentação para a condenação do arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada.

  18. “Efectivamente, na Lei nº 43/86, de 26-09 - Lei de autorização legislativa de que emergiu o CPP1987 - artigo 2º, nº 2, alínea 31), foi indicada a necessidade de “definição, em matéria do valor probatório das perícias, de uma regra pela qual se presume subtraído à livre convicção do magistrado o juízo técnico, científico e artístico inerente às perícias, com obrigação de fundamentação de eventual divergência”.

    Assim, veio o n.º 1 do artigo 163.º do Código de Processo Penal a estabelecer, que «o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador». E o n.º 2 estabelece que «sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência».

    Para Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 1999, II, pág. 178, «a presunção que o art. 163º, nº 1, consagra não é uma verdadeira presunção, no sentido de ilação, o que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido; o que a lei verdadeiramente dispõe é que salvo com fundamento numa crítica material da mesma natureza, isto é, científica, técnica ou artística, o relatório pericial se impõe ao julgador. Não é necessária uma contraprova, basta a valoração diversa dos argumentos invocados pelos peritos e que são fundamento do juízo pericial»” (acórdão STJ 1-Out-2008/proc. 08P2035 (RAÚL BORGES)), acessível, nomeadamente, em www.dgsi.pt/stj.

  19. O tribunal recorrido não fundamenta a divergência em relação às conclusões do relatório da perícia médico-legal, violando grosseiramente o previsto no artigo 163º, nº 1 e 2 do C. P. P..

  20. Pelo que o tribunal recorrido, não podia dar como provado o facto 13, considerando que inexistem os danos adequados a provocar a morte da lesada, porque a perícia médico-legal afasta essa possibilidade.

  21. O silêncio não pode desfavorecer o arguido, e porque este em nenhum momento prestou declarações, o facto 19 considerado provado pelo tribunal a quo, não o poderia ter sido.

  22. Tal decisão, viola a proibição de valoração de prova, mormente atento o previsto no art 343º/1, do CPP.

  23. Não se mostra aceitável, nomeadamente com recurso às regras da experiência comum, na perspectiva do homem médio pressuposto pelo direito, que o arguido haja configurado a possibilidade de tirar a vida à ofendida.

  24. A condenação do arguido, somente pode ser estribada à luz do previsto no artigo 145º, nº 1, a) do C. P..

  25. Consta no douto acórdão recorrido: “os actos materiais praticados pelo arguido em relação à ofendida MM, sua mãe, consubstanciam assim actos de execução de um crime de homicídio, por serem, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, de...

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