Acórdão nº 522/15.9 T9PTG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução26 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

I- Relatório AA foi absolvido da prática de um crime de publicidade e calúnia agravada, p. e p. pelo artigo 183.º, n.º 2, por referência aos artigos 180º, nº 1, 184º e 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal.

Foi igualmente absolvido do pedido de indemnização civil deduzido por BB.

Inconformado recorre o assistente, suscitando, em síntese, a seguinte questão: - impugnação da matéria de facto.

* O MP e o arguido responderam ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência.

Nesta Relação a Exª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no mesmo sentido.

* II- Fundamentação A) Factos Provados “1- Desde 18.09.2003 até à actualidade, o assistente BB exerce funções de médico, inerentes à categoria profissional de chefe de serviço da carreira médica de clínica geral do quadro pessoal do Centro de Saúde de Castelo de Vide da sub-região de saúde de Portalegre.

2- Em dia não concretamente apurado do mês de Maio de 2015, o arguido escreveu uma publicação na sua página pessoal do Facebook com o seguinte teor: “É lamentável que em Póvoa e Meadas mais uma vez, e agora na saúde, um Sr. Doutor, profissional de saúde, se recusa a atender utentes que ali chegam, nem sequer quer saber do estado, se é criança se é idoso ou qual a gravidade da situação, trata-se de um tal Doutor B, que assim lhe chamam, que desta vez não atendeu uma criança, a minha filha. Felizmente nada de grave aconteceu, ainda que continua doente. Com esta situação só quero alertar, que algo tem de ser feito em relação à saúde em Póvoa e Meadas, pois nem todos os utentes têm possibilidades de se deslocar em caso de urgência ou outro tipo de doença que quer cuidados médicos. Os habitantes de Póvoa e Meadas não ficam doentes porque querem e tem o direito de ser tratados de igual forma por profissionais de saúde, mas que estejam na profissão certa.” 3- O arguido ao nomear na publicação acima aludida “um tal de Doutor B” pretendeu referir-se ao assistente BB.

4- O arguido ao referir-se a “ um Sr. Doutor, profissional de saúde se recusa a atender utentes que ali chegam, nem sequer quer saber do estado, se é criança se é idoso ou qual a gravidade da situação, trata-se de um tal Doutor B, que assim lhe chamam, que desta vez não atendeu uma criança, a minha filha” pretendeu reportar-se à situação ocorrida no dia 13.05.2015, aquando da deslocação à extensão do centro de saúde de Póvoa e Meadas da sua filha menor, com sinais de febre e amigdalite, a qual não recebeu assistência médica por parte do assistente.

5- A publicação aludida em 2. era acessível a todos quantos acedessem à página pessoal do arguido do Facebook, uma vez que o seu acesso era público.

6- A publicação aludida em 2. obteve 20 gostos e 18 comentários.

7- O arguido sabia que o assistente BB, visado na sua publicação, é funcionário público e exerce funções de médico no Centro de Saúde de Castelo de Vide e na extensão do mesmo na freguesia de Póvoa e Meadas e que o episódio por si relatado em 2. se encontrava relacionado com o exercício das suas funções de médico.

Mais se provou que: 8- No dia 13.05.2015, a filha menor do arguido, na sequência da falta de atendimento na extensão do centro de saúde de Póvoa e Meadas, deslocou-se com a sua mãe ao lar de 3.ª idade, onde esta última trabalha, e foi assistida pelo médico Dr. J, tendo este prescrito à criança brufen, 20 mg/ml e klacid pediátrico 50 mg/ml (antibiótico indicado para infecções da garganta, nomeadamente amigdalite).

9- O arguido concluiu o 9.º ano de escolaridade.

10- É operário fabril e aufere o salário mensal de € 660 (seiscentos e sessenta euros).

11- Vive com a mulher, que exerce funções de auxiliar de 3.ª idade, pelas quais recebe salário mensal de € 580 (quinhentos e oitenta euros), e com os dois filhos menores, de 9 e 7 anos de idade.

12- Reside em casa própria, pela qual paga a prestação mensal de € 280 (duzentos e oitenta euros) ao Banco.

13- Não regista antecedentes criminais averbados ao seu certificado de registo criminal.

14- O assistente é licenciado em Medicina.

15- Pelo exercício das funções descritas em 1. o assistente recebe € 3.200,00 mensais.

16- Vive em casa própria, com a sua esposa, médica na área da saúde pública, que aufere retribuição mensal de € 2.500,00.

17- Tem 2 filhos maiores, respectivamente com 33 e 25 anos de idade, estando este último na dependência económica do assistente”.

* B) Factos não provados “A- Com a publicação referida em 2. o arguido sabia que fazia impender sobre o assistente suspeições desprimorosas para com aquele, colocando em causa a sua honorabilidade enquanto médico e enquanto cidadão.

B- Ao escrever a publicação descrita em 2., agiu o arguido com o propósito concretizado de humilhar e ofender a honra e consideração pessoal e profissional de BB., apesar de saber que o mesmo não se recusou a tratar da sua filha menor, de saber que os factos não ocorreram da forma como descreveu na publicação, bem como sabia que o médico não se recusa a atender pacientes da forma como lhe imputou.

C- O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e mesmo assim não se coibiu de escrever a publicação que escreveu.

D- Ao tomar conhecimento da publicação descrita em 2. o assistente sentiu a sua honra e dignidade pessoal e profissional ofendidas.

E- A imputação ao assistente de factos relacionados com uma suposta recusa de atendimento de uma utente/doente, o que não sucedeu, tal como publicado pelo arguido na sua página pessoal do Facebook, tornou-se notícia na freguesia de Póvoa e Meadas, o que provocou desconfiança por parte de alguns dos seus habitantes no que concerne às qualidades profissionais do assistente.

F- Que nos dias após a publicação mencionada em 2. o episódio relatado pelo arguido foi alvo de conversas na povoação de Póvoa e Meadas e em consequência disso o assistente sofreu olhares de condenação por parte de alguns dos seus utentes e habitantes daquela freguesia.

G- Em consequência de F., o assistente sentiu-se triste e incomodado”.

* C) Motivação da matéria de facto “O Tribunal formou a sua convicção, positiva e negativa, sobre a matéria de facto na análise crítica, ponderada e global da prova produzida em audiência de julgamento, bem assim dos documentos juntos aos autos e examinados em sede de audiência, tudo devidamente apreciado com base nas regras da experiência comum e da normalidade da vida (cfr. artigo 127.º do Cód. Proc. Penal).

O facto descrito em 1. resultou provado da declaração da ULSNA e cópia do apêndice n.º 141/2003 do Diário da República e, bem assim os factos consignados em 5. e 6. dos documentos juntos aos autos de fls. 2 e 8.

Reputaram-se igualmente como provados os factos acima vertidos em 2., 3., 4., 7. e 8. com base nas declarações do arguido, que prestou depoimento de forma séria, sincera, circunstanciada e, destarte, credível, confirmando a factualidade descrita.

Com efeito, o arguido afirmou em sede de julgamento que a publicação constante da acusação foi da sua autoria, tendo, ademais pormenorizado as circunstâncias e motivações que o levaram a escrever tal texto.

Neste conspecto, o arguido começou por explicar que a sua filha I., à data dos factos com 6 anos de idade, padece de um historial severo de amigdalites, para tanto afirmando que sofre de forma frequente de infecções de garganta, tendo ademais explicado que no ano de 2014 chegou a sofrer de um internamento em consequência de tais infecções.

Assim, o arguido relatou que na noite de 12 de Maio de 2015 a sua filha I. ficou doente, mostrando sinais de infecção na garganta, sendo tal quadro acompanhado de febre alta. Nessa sequência, na manhã seguinte a sua esposa dirigiu-se à extensão do centro de saúde de Póvoa e Meadas com a criança, para que esta recebesse assistência médica, sendo que o assistente Dr. BB, médico que nesse dia estaria a dar consultas na aludida entidade de saúde “se recusou simplesmente a ver a criança, dizendo que não a atendia no Centro de Saúde”. Tal recusa de assistência provocou grande mal-estar na sua esposa, uma vez que a mesma carecia de meio de transporte próprio que lhe permitisse transportar a criança até ao centro de saúde de Castelo de Vide ou até ao serviço de urgência de Portalegre. Mais referiu o arguido que a sua esposa lhe terá comunicado tais factos por via de telefone, o que lhe terá causado elevada revolta e angústia, tendo ademais explicado que a sua esposa, que trabalha num lar de 3.ª idade na freguesia de Póvoa e Meadas, pediu ao Presidente de tal instituição que a filha de ambos fosse vista pelo médico que presta serviços aos utentes em tal lar, solicitação que foi atendida, tendo sido prescrito à criança antibiótico, por conta da amigdalite de que esta padecia (o que se mostra em consonância com a receita junta aos autos).

Acresce que, o arguido negou de forma peremptória que a publicação por si feita na sua página de Facebook tivesse como intenção ofender o assistente, na sua honra e consideração, para tanto afirmando que o aludido texto se tratou de um mero desabafo na qualidade de pai, para tanto explicando que apenas queria chamar à atenção relativamente à escassez de meios na rede de cuidados de saúde existentes em Póvoa e Meadas, considerando que nessa freguesia apenas existe uma extensão do centro de saúde, onde somente são dadas consultas médicas três vezes por semana da parte da manhã, o que causa grande transtorno à população aí residente, que nem sempre tem possibilidades, em caso de doença aguda, de se deslocar ao centro de saúde de Castelo de Vide ou ao Hospital de Portalegre, à semelhança do episódio ocorrido com a sua filha menor.

Em abono da credibilidade que foi conferida às declarações do arguido ressalta, em primeira linha, que as mesmas surgiram confirmadas, no essencial, pelo depoimento da testemunha MR (arrolada pela acusação e pelo assistente), enfermeira que se encontrava de serviço no dia em que a filha do arguido se deslocou à extensão do centro de saúde de Póvoa e...

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