Acórdão nº 476/16.4 GFSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA FILOMENA SOARES
Data da Resolução05 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora: I No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 476/16.4 GFSTB, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Central Criminal de Setúbal, J3, mediante acusação do Ministério Público, sem precedência de contestação, foi submetido a julgamento o arguido AA, [filho de ---, natural da freguesia e concelho de Alcochete, nascido em 28.05.1965, divorciado, operador de máquinas e residente ---], e por acórdão proferido e depositado em 13.07.2017 foi decidido: “(…) Absolver o arguido AA da prática de dois crimes de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º, n.º 1 al. b), n.º 2 e n.º 4 do Código Penal.

Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º, n.º 1 al. a), e n.º 2 do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.

Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º, n.º 1 al. d) e n.º 2 do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, nos termos do art. 77º do Cód. Penal, decidem Condenar o arguido AA na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Nos termos dos arts 50º, n.ºs 1, 2, 53º e 54º, nºs 1 e 2 do Cód. Penal decidem suspender a pena na sua execução pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, sujeita a regime de prova, devendo o condenado comparecer a todas as convocatórias que lhe sejam efetuadas pelo serviços de reinserção social e cumprir escrupulosamente todas as orientações que vierem a ser definidas no plano individual de reinserção social, designadamente: À obrigação de submissão a tratamento à sua situação de dependência do consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

* Nos termos do disposto nas disposições conjugadas dos arts. 21º, nº 2 da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro e 82º-A do Cód. Processo Penal condenam o arguido AA A pagar à menor BB, na pessoa do/a representante legal, a indemnização de 500, 00 € (quinhentos euros).

* Mais o condenam nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 3 UC.

* (…)”.

Inconformado com esta decisão, dela recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação de recurso as seguintes conclusões: “ DA PROIBIÇÃO DA PROVA: NULIDADE INSANÁVEL do depoimento da menor BB por não ter sido advertida de que, por ser afim do arguido à data da prática dos factos, podia recusar-se a depor, nos termos do artigo 134º nº 1 a) do C.P.P.

1) Conforme consta da Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 4-07-2017, não foi concedida à menor BB, enteada do arguido à data da prática dos factos, a faculdade de se recusar a depor nos termos do artº 134º nº1 a) do C.P.P.

2) Direito este que foi concedido à testemunha CC, ex-sogra do arguido.

3) Foi arguida a nulidade do depoimento da menor BB, em virtude de não ter sido a mesma informada de que tinha o direito de se recusar a depor, tal como ocorreu com a testemunha CC, ex-sogra do arguido.

4) Entendeu o Tribunal "a quo" que carece de fundamento a invocada nulidade, sendo que o Arguido / Recorrente discorda deste entendimento.

5) Antes de mais, a menor só tomou conhecimento de que a mãe e o padrasto se encontram divorciados durante a sua inquirição em julgamento e a instâncias da Defensora Oficiosa do arguido.

6) A questão que se impõe é saber se o direito de se recusar a depor, estabelecido no artigo 134º do C.P.P., cessou com o divórcio da mãe da testemunha com o arguido, seu padrasto, ou se, ao invés, deve o mesmo manter-se, por à data da prática dos factos existir, sem qualquer dúvida, uma relação de afinidade entre a testemunha e o arguido.

7) Entende o Recorrente que se mantêm o direito de recusa em depor porque, antes de mais, se mantêm todos os fundamentos e princípios inerentes a este direito e porque, a não ser assim, tal conduzirá a uma total descoordenação e incoerência legal processual.

8) A última alteração legislativa efectuada ao artigo 134º do C.P.P. ocorreu a 29 de Agosto de 2007 através da Lei 48/2007, sendo que, no que toca ao nº1 al. a), o legislador manteve a mesma redacção, protegendo relações familiares que se tinham por permanentes, estáveis e que não se extinguiam.

9) A alteração legislativa efectuada ao artigo 1585º do Código Civil, mediante a qual fundamenta o Tribunal "a quo" a inexistência de nulidade, ocorreu a 31 de Outubro de 2008, através da Lei 61/2008.

10) O direito de recusar a depor radica em diversos fundamentos tais como o conflito de consciência e a protecção das relações familiares, sendo, enquanto prova proibida, protegida constitucionalmente.

11) Com o reconhecimento do direito de recusar a depor o legislador pretendeu evitar que a testemunha se veja perante o conflito de dever responder com verdade, incriminando o seu familiar, ou de mentir podendo, por isso, ser punida por falso depoimento.

12) Considera ainda o legislador, que este direito de recusa em depor não é outorgado apenas por causa do conflito de consciência da própria testemunha mas também para protecção da família do acusado, visando, deste modo, proteger a estabilidade do núcleo familiar.

13) Ou seja, procura-se não apenas proteger a família concreta do arguido, mas também a família no seu conjunto, a família enquanto instituição nuclear da sociedade.

14) O direito de recusa é, assim, um reflexo da obrigação que incumbe ao Estado de proteger a família.

15) Ao não conceder à testemunha, afim do arguido, o direito de recusar a depor, dúvidas não subsistem de que estamos perante uma verdadeira proibição de prova, nos termos do artigo 126º nº3 do C.P.P.

16) Dúvidas não existem de que a menor BB era afim do arguido, mais concretamente enteada, à data da prática dos factos.

17) Apesar do divórcio entre a mãe da testemunha e o arguido, entende o Recorrente que a testemunha mantêm o direito de recusar a depor, e também assim o entendeu o Tribunal "a quo", uma vez que, a seguir ao depoimento da menor BB, e perante a ex-sogra do arguido, facultou a esta o direito de se recusar a depor.

18) Para situações idênticas, o Tribunal "a quo" procedeu de formas totalmente distintas, o que não se compreende.

19) Não foi por lapso que o Tribunal "a quo" conferiu à testemunha CC, ex-sogra do arguido, a faculdade de recusar-se a depor, ao invés, o lapso ocorreu sim, com a testemunha BB, desde logo porque foi a primeira a depor.

20) A entender-se que a testemunha afim pode ter o direito de recusar a depor ou não, consoante o momento em que é chamada a prestar depoimento, poderá levar a que a mesma testemunha possa ter o direito de recusar a depor num determinado momento e noutro não.

21) O artigo 134º nº1 a) se refere, desde logo, a parentes que, de uma forma natural, em princípio nunca o deixarão de ser; sendo que, o mesmo ocorria com as relações de afinidade, que apenas passaram a cessar em virtude da alteração legislativa ocorrida através da Lei 61/2008 de 31-10.

22) Com a alteração legislativa operada, em caso de dissolução do casamento por divórcio, deixou de haver qualquer impedimento ao casamento entre ex-afins, isto é de um ex-cônjuge com o pai do outro, ou do padrasto com a enteada, ou da madrasta com o enteado, ou à união de facto juridicamente relevante entre ex-afins, impedimentos que se mantêm se a dissolução do casamento ocorrer por morte, sem que se encontre qualquer justificação válida para esta dualidade de regimes.

23) Dúvidas não existem de que, se o casamento tivesse cessado por morte da mãe da menor BB, esta manteria o direito de se recusar depor.

24) É contra esta incongruência que se insurge o Recorrente, uma vez que, não pode o processo penal e a defesa do arguido, estar ao dispor do Tribunal considerar nuns casos que se mantêm o direito de recusar a depor e noutros não, como ocorreu com o depoimento da ex-sogra do arguido, assim como à mudança das regras do processo, consoante tenha existido ou não uma dissolução do casamento que, terá efeitos diferentes se for por morte ou não.

25) In extremis, o entendimento do Tribunal "a quo" conduziria a que uma testemunha afim do arguido que tivesse praticado o crime de homicídio contra a mãe/pai da testemunha, manteria o direito de recusar a depor, mas ao invés, se tivesse praticado qualquer outro crime que não conduzisse à morte da mãe/pai da testemunha, mas que por divórcio tivesse cessado a relação de afinidade, deixaria de ter a faculdade de recusar depor.

26) Assim, como, poderia a testemunha afim ter direito a recusar a depor numa fase de inquérito e não numa fase de julgamento.

27) Esta instabilidade processual torna duvidosas as regras a aplicar e por isso são violadoras dos direitos de defesa do arguido.

28) Embora não estejamos perante uma situação de aplicação da lei processual penal no tempo o certo é que é princípio fundamental do processo penal a estabilidade e harmonia dos vários actos do processo.

29) Estabelece ainda o artigo 4º do C.P.P. sob a epígrafe Integração de Lacunas que "Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal" 30) Os princípios que fundamentam o direito de recusar a depor a quem tem relação de afinidade com o arguido mantêm-se sempre os mesmos quer a testemunha ainda seja afim do arguido ou não, e independentemente da forma como cessou a afinidade.

31) O conflito de consciência e a protecção constitucional da família existem e mantêm-se iguais em todas as fases processuais e ainda que as relações familiares de afinidade cessem, em virtude de um divórcio, ou não cessem, em virtude do falecimento de um dos cônjuges.

32) Este pensamento do legislador que confere estabilidade ao processo reflecte-se de forma manifesta na alínea b) do nº1 do 134º do C.P.P. quando, in fine, refere a expressão "relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a...

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