Acórdão nº 981/14.7TAFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 02 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelALBERTO BORGES
Data da Resolução02 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. 981/14.7TAFAR.E1 Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Central Criminal de Faro, J5) correu termos o Processo Comum Coletivo n.º 981/14.7TAFAR, no qual foi julgado o arguido BB – (…) - pela prática de um crime de prevaricação, em coautoria, previsto e punido pelo artigo 11 da Lei n.º 34/87, de 16 de julho (factos descritos na acusação que constitui folhas 923 e seguintes, para a qual remete integralmente o despacho de pronúncia de folhas 1040 e seguintes).

A final veio a ser condenado, pela prática, como coautor material de um crime de prevaricação, previsto e punido pelo artigo 11 da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, na pena de 3 (três) anos de prisão (não se aplicando a pena acessória de perda de mandato a que alude o artigo 29 do mesmo diploma legal), suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos (artigo 50 n.ºs 1 e 5 do Código Penal, na redação em vigor na data da prática dos factos).

--- 2. Inconformado com tal acórdão, recorreu o arguido do mesmo, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1 - As decisões foram da Junta de Freguesia, embora, como sucede na generalidade destes órgãos, seja o presidente quem faz quase todo o trabalho; embora a iniciativa e o contacto sejam do presidente, são feitos em nome da Junta de Freguesia.

2 - A decisão de contratar foi tomada pela Junta de Freguesia e refletida em ata, e em convites da Junta de Freguesia, pelo que é uma decisão a Junta e não do seu presidente.

3 - Quanto aos princípios da transparência, igualdade e concorrência, o tribunal efetua manifestamente uma errada interpretação da finalidade e natureza do ajuste direto.

4 - A escolha do ajuste direto pelo arguido está de acordo com a lei, a decisão de contratar uma ou mais entidades é uma decisão discricionária da entidade adjudicante.

5 - É constitucionalmente inadmissível a interpretação do art.º 112 do CCP no sentido em que viola a lei a consulta a apenas uma entidade, por violação do princípio da separação de poderes e da subordinação dos tribunais à lei (art.º 203 da CRP).

6 - Não se verifica uma decisão contra direito de um processo por parte do agente.

7 - O tribunal concluiu que o valor da obra era de 117.079,00 euros e a Junta de Freguesia pagou pela obra 97.875,85 euros, não existiu prejuízo para a Junta de Freguesia nem esta foi prejudicada, não existiu benefício económico para o empreiteiro.

8 - Concedendo a lei a possibilidade do arguido escolher o CC, não tendo qualquer outro elemento que permita concluir que esta escolha prejudicou a Junta de Freguesia, não pode o tribunal concluir que esta é a prova do benefício ilegítimo do CC.

9 - Ao considerar que tal constitui o elemento do crime, a atividade jurisdicional modifica o sentido normativo fixado na lei e, portanto, constitui uma violação do princípio da separação de poderes e da subordinação dos tribunais à lei (art.º 203 da CRP).

10 - Não devendo ser dados como provados os pontos 28 e 29 dos factos provados, pelos argumentos supra expostos.

11 - Deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, absolvido o arguido do crime de peculato.

--- 3. Respondeu o Ministério Público ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos: 1 - Por acórdão de 14/12/2017, proferido a fls. 1311 a 1348 dos autos à margem supra referenciados, foi decidido, pelo Tribunal Coletivo, condenar o arguido BB, pela prática de um crime de prevaricação (p. e p. pelo artigo 11 da Lei n.º 34/87, de 16.07), na pena de 3 anos de prisão, suspensa na execução por idêntico período.

2 - A matéria de facto dada como assente pelo tribunal a quo - nomeadamente, os pontos 1 a 29 - integra, relativamente à conduta do arguido ora recorrente, os elementos objetivos e subjetivos do mesmo crime de prevaricação.

3 - Nomeadamente, decorre da mesma matéria de facto dada como provada que o arguido ora recorrente era, à data, o Presidente da Junta de Freguesia de … e que interveio, nessa mesma qualidade, num processo relacionado com a instrução e adjudicação de uma empreitada de obras públicas.

4 - Decorrendo igualmente da mesma matéria de facto que o ora recorrente conduziu o procedimento tendente à adjudicação da obra em questão - de alteração do edifício do mercado e da Junta de Freguesia de … - sem respeitar as normas legais disciplinadoras dos procedimentos do ajuste direto, nomeadamente, os artigos 16, 17, 18, 19 al.ª a), 40 n.º 1 al.ª a), 112 e 115 do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12.07.

5 – E que conduziu o mesmo procedimento em clara violação das regras da transparência, da igualdade e da concorrência, previstas no artigo 1 n.º 4 do Código dos Contratos Públicos.

6 – Além de que o arguido agiu com o claro propósito de beneficiar CC, sendo evidente que todo o processo foi conduzido pelo ora recorrente BB no sentido de atribuir a adjudicação da mesma obra àquele construtor civil em particular.

7 – Pelo que o douto acórdão objeto do presente recurso não merece qualquer censura quando condenou o ora recorrente pela prática de um crime de prevaricação, p. e p. pelo artigo 11 da Lei n.º 34/87, de 16.07.

8 - Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido BB, confirmando-se o douto acórdão recorrido nos seus precisos termos.

--- 4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (fol.ªs 1387 e 1388).

  1. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP).

    --- 6. No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos: 1. O arguido BB exerceu, no período compreendido entre 2009 e 2013, o mandato, para que fora eleito, de Presidente da Junta de Freguesia de ….

  2. O arguido CC era, à data dos mesmos factos, empresário em nome individual de construção civil.

  3. No dia 10 de dezembro de 2010 a Junta de Freguesia de … efetuou uma candidatura junto do PRODER para financiamento da “alteração do edifício do mercado e Junta de Freguesia de …”.

  4. No dia 11 de julho de 2012 foi aprovado, pelo PRODER, o financiamento de € 104.739,95 para a referida obra.

  5. Era ao Presidente da Junta de Freguesia que competia conduzir o processo de adjudicação, submetendo, a final, a escolha da melhor proposta (de entre os candidatos convidados) e a adjudicação da obra a deliberação da Junta de Freguesia.

  6. Facto que era do conhecimento do arguido BB e de CC.

  7. O arguido BB, ao tomar conhecimento de que havia sido aprovado o aludido financiamento, estabeleceu com CC um plano de modo a que, aproveitando-se das funções que o BB exercia na Junta de Freguesia, conseguissem fazer com que a obra fosse adjudicada a CC.

  8. Plano esse que consistia em o CC, na sequência de convite que lhe seria endereçado pelo Presidente da Junta de Freguesia para indicar uma proposta para realização da obra, apresentaria um orçamento com um valor próximo do preço máximo da obra estabelecido pela Junta de Freguesia (na circunstância € 100.000,00). O CC contactaria duas empresas (que sabia não estarem interessadas naquela obra) de modo a que apresentassem orçamentos com condições menos vantajosas para a Junta de Freguesia que as suas. Posteriormente daria conta desses contactos ao arguido BB, que simularia o envio de convites para a empreitada às empresas contactadas por CC.

  9. Em execução do plano supra referido, no dia 10 de setembro de 2012, em reunião do executivo da Junta de Freguesia de…, o arguido BB, na qualidade de presidente da mesma Junta, “explicou o interesse urgente na concretização da abertura de concurso para as obras” de alterações do mercado e Junta de Freguesia, “dado o facto da Freguesia ter a candidatura aprovada no âmbito do PRODER, já ter sido obtido um adiantamento dos apoios aprovados e os projetos de engenharia, especialidades, já se encontrarem aprovados pelo Município”, tendo a proposta de abertura de concurso sido aprovada pelo executivo da Junta de Freguesia.

  10. Entretanto, conforme havia combinado com o arguido BB, CC contactou os empreiteiros, por si escolhidos, DD, gerente da sociedade sob a denominação EE, Ld.ª (que detém uma empresa de construção civil), e FF, sócios e gerentes da sociedade sob a denominação GG, Ld.ª (sociedade que também detém uma empresa de construção civil), que não estavam interessados em que a mencionada obra lhes fosse adjudicada, a quem solicitou que elaborassem orçamentos relativos à mesma, dirigidos ao presidente da Junta de Freguesia de …, referindo-lhes que os orçamentos eram só para cumprir...

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