Acórdão nº 452/04.0TBALR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução11 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO AA, Lda.

instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB, S.A.

, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe o montante titulado pelo cheque n.º 5780015593, no valor de € 30.086,20, e ainda na quantia de € 2.500,00, a título de danos não patrimoniais.

Alegou[1] que é legítima portadora de um cheque sacado sobre uma conta do BB titulada pela sociedade CC, Lda., no valor de € 30.086,20, datado de 09.06.2003, cheque esse que foi preenchido, assinado e entregue à autora por DD, na qualidade de único sócio e gerente daquela sociedade.

Apresentado a pagamento dentro do prazo legal, o banco recusou o pagamento do cheque por alegado extravio, após solicitação nesse sentido de EE, o qual, aquando da solicitação de revogação do cheque, não era gerente da sociedade CC, nem o foi posteriormente.

Mais alegou que o aludido cheque serviu para pagamento de fornecimentos pela autora à CC de diversos produtos alimentares, nas quantidades e ao preço constantes das faturas descriminadas na petição inicial, tendo a referida sociedade sempre reconhecido dever à autora o valor constante do cheque e, ademais, a conta sacada tinha fundos disponíveis em montante necessário ao pagamento do cheque aquando da sua apresentação.

Conclui afirmando que o banco praticou um facto ilícito, por violação de normas legais destinadas a tutelar direitos de terceiros, causando à autora danos patrimoniais e não patrimoniais de que se quer ver ressarcida.

O réu BB, S.A. contestou, contrapondo que por escritura pública de 29 de Maio de 2003, DD cedeu a EE a única quota correspondente ao capital social da sociedade Port Partner e renunciou à gerência desta sociedade, tendo sido nomeado gerente o dito EE, o qual se dirigiu ao banco réu em 2 de Junho de 2003, tendo preenchido uma ficha de substituição da ficha de abertura da conta em causa, da qual passou a constar unicamente a sua assinatura como forma de obrigar a sociedade, sendo que nesse mesmo dia o mesmo solicitou a revogação por justa causa, por extravio, de diversos cheques referentes à sobredita conta, entre os quais o cheque entregue à autora, o que originou que o pagamento de tal cheque tivesse sido recusado.

Mais alegou que o pagamento de tal cheque sempre seria recusado porque, por um lado, a assinatura aposta no local destinado ao sacador não correspondia à do gerente dessa sociedade nem à da pessoa autorizada a movimentar a conta e, por outro lado, a conta do sacador do cheque não se encontrava suficientemente provisionada para permitir ao réu o seu pagamento.

Por fim, requereu a intervenção acessória provocada de CC, Lda., a qual foi admitida. O incidente de intervenção de terceiros viria, porém, a ser declarado findo em resultado da sucessiva frustração das tentativas de citação da chamada.

Foi realizada audiência prévia, tendo no seu âmbito sido proferido despacho a convidar a autora a apresentar nova petição inicial aperfeiçoada tendo em consideração, nomeadamente, a prolação do acórdão uniformizador de jurisprudência nº 3/2016, de 10 de Novembro[2].

A autora aceitou o convite e apresentou nova petição alegando em conformidade com o acima sumariamente exposto, tendo a ré contestado nos termos também resumidamente descritos.

Foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Procedeu-se ao julgamento e foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o réu do pedido.

Inconformada, a autora apelou do assim decidido, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões (transcrição): «1 - O interposto da douta sentença que julgou totalmente improcedente a ação intentada e, consequentemente, absolveu o Réu BB, S.A., da totalidade do peticionado.

2 - O Tribunal a quo deveria ter julgado procedente o pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, tendo praticado um facto ilícito, além de que foi afetada negativamente nomeadamente na sua imagem, bom nome, honra e vida comercial e profissional, com toda a prova produzida, quer documental, quer em audiência de discussão e julgamento, e entendendo-se ainda que era ao Réu que competia a prova da inexistência de “plafond”, a qual não foi de todo conseguida.

3 - Igualmente quanto à condenação em custas, entende a Recorrente que as custas deveriam ser repartidas e não apenas a cargo do Autor, no caso de condenação.

4 - A Apelante discorda da improcedência da ação, pelo facto do Tribunal “a quo” ter considerado provado o facto dado como provado em 16., e que acaba por levar à consequência que existe falta de provisão para o pagamento do cheque, e que é um dos elementos essenciais a considerar para a prova da responsabilidade civil extra contratual.

5 - A entrega de cheque para levantamento em conta e posterior depósito em conta de terceiro - neste caso para a Recorrente - foi ordenado ao banco Réu – ora Recorrido-, que não efetuou tal pagamento justificando-se com base numa revogação comprovadamente ilícita, e que apesar de apresentar a explicação de extraviado, vem dizer que ainda assim a conta não apresentava saldo suficiente para a satisfazer.

6 - No contexto, factual - de insuficiência de depósito suficiente ao pagamento do cheque - e jurídico - de necessária relação de provisão à execução do pagamento, poderia efetivamente a CC, Lda. ter um plafond de crédito, com valor suficiente que pudesse cobrir o montante do cheque de 30.086,20€.

7 - Cumpre assinalar, neste ponto, que estamos perante dois atos jurídicos conexos mas distintos: um primeiro ato bancário, que são os pagamentos de cheques bancários, com justificação no contrato de abertura de conta; um segundo ato bancário, que é a possível existência do plafond de crédito, com fundamento num contrato de abertura de crédito.

8 - Os atos podem apresentar conexão entre si, mas são juridicamente diferentes, desde logo por buscarem a sua causa em contratos diferenciados.

9 - Feita a diferenciação entre os dois atos bancários e os negócios jurídicos que são a sua fonte, a questão a tratar consiste, agora, em saber se o Réu/Recorrido e a CC, Lda. celebraram: abertura de crédito simples, abertura de crédito em conta corrente, abertura de crédito garantida, caucionada ou coberta, antecipação bancária, abertura de crédito a descoberto, ou se não chegaram a celebrar nada que pudesse conferir a esta um plafond suficiente para poder cumprir o último requisito que segundo a douta sentença recorrida não se encontra cumprido, baseando-se no douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2016, a saber quanto ao conceito de provisão e ao entender que mesmo que o cheque apresentado a pagamento viesse devolvido com a indicação “revogado por falta de provisão”, não existia provisão suficiente no Banco Réu para efetuar o seu pagamento.

10 - Se o valor do plafond - que poderia existir ao tempo – fosse suficiente para cobrir o valor do cheque, já não se poderia falar em falta de provisão, apesar da insuficiência de saldo em conta, sendo dois conceitos que não se podem de todo confundir.

11 - Assim, parece-nos que apesar da prova impender praticamente toda sobre a Autora/Recorrente, na verdade existe prova que não é de todo viável impender sobre esta, mas antes sobre o Réu/Recorrido, que apesar de dever prestar os esclarecimentos que lhe são exigidos, essa cooperação tem de ser inequívoca por ter informação que está apenas na posse do Réu Banco e que até poderá manipular. E é precisamente o caso de saber se existe um “plafond”, ou seja um crédito – qualquer que seja a forma assumida – e que em nosso entender terá sempre de ser feita por documento idóneo e escrito.

12 - Ora, estamos a falar de factos que remontam a 2013 e que pelo menos deveria ter sido junto um “print” ou qualquer outro documento do próprio sistema informático a corroborar o que a testemunha diz ter visualizado, tal como o Réu juntou os respetivos extratos bancários aos autos.

13 - Não basta uma mera declaração escrita pelo mandatário do Réu, ou uma simples visita ao sistema informático, não se sabendo se este sistema ainda mantém toda a informação guardada, ou se a própria testemunha não visualizou outros elementos subjacentes a um eventual contrato de crédito, à parte da conta bancária, como atrás se referiu, por serem duas realidades distintas.

14 - Aliás, o Réu nunca iria admitir a existência de um “plafond”, sabendo de antemão que a Autora não tinha forma de poder contrapor ou provar o contrário, precisamente por se tratar de documentação que se encontra em exclusivo na posse do Réu, não existindo outra forma de conseguir tal informação.

15 - E por isso mesmo, parece-nos que a prova teria de ser inegavelmente escrita, vindo sem dúvidas do dito “sistema informático” do Réu, nem que fosse por “omissão” por comparação aos tais outros clientes do Réu (aquém terá sido concedido “plafond”) e nunca poderia ser suficiente para prova 14 anos mais tarde, o Réu por mera declaração nos autos, por mandatário, e não por documento assinado e carimbado pelo próprio Banco Réu, com o depoimento de um funcionário que terá simplesmente visualizado um sistema informático após esse período de tempo.

16- Assim, parece-nos por conseguinte que não podia ter sido dado como provado o facto 16., pois a prova não pode ser considerada suficiente, da forma como foi apresentada, faltando a certeza que neste caso é exigida da impossibilidade...

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