Acórdão nº 1360/14.IT9STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. 1360/14.IT9STB Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: No Tribunal Judicial de Setúbal - Juizo local Criminal de Setúbal- Juiz 4 - correu termos o processo comum singular supra numerado no qual foi julgado o arguido BB, filho de (…), nascido em 29 de Outubro de 1998, solteiro, estudante, a quem foi imputada a prática, em autoria material, e na forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137°, n. 1 do Código Penal.

CC e DD constituíram-se assistentes nos autos e formularam pedido de indemnização civil.

A final - por sentença lavrada a 6 de Setembro de 2017 - veio a decidir o Tribunal recorrido: a) - Condenar o arguido BB como autor material, sob a forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137°, n. 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; b) - Suspender a execução da pena indicada em a) pelo período de 1 (um) ano, condicionando-se a suspensão a regime de prova, a delinear pela DGRSP, no entanto visando assegurar a sua inserção em plano escolar e/ou laboral e, caso assim se julgue por pertinente, a manutenção do seu acompanhamento em domínio da psicologia (ainda se consignando a aplicabilidade do Regime Especial para Jovens, aprovado pelo DL n. 401/82, de 23 de Setembro); c) - Determinar a procedência parcial, por provado, do pedido de indemnização civil formulado por DD e CC e, em consequência, condenar o arguido/demandado a pagar àqueles a importância de 37.500,00 € (trinta e sete mil e quinhentos euros) a título de danos patrimoniais (dano morte/vida) e, a cada um daqueles, 15.000,00 € (quinze mil euros) a título de danos não patrimoniais, num total de 67.500,00 € (sessenta e sete mil e quinhentos euros), improcedendo, no demais, o peticionado; d) Condenar o arguido no pagamento das custas e encargos do processo, compreendendo estes os encargos com a concessão de apoio judiciário, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) U.C.'s (cfr. artigos 513º, n. 1, 514º, n. 1 e 524° do Código de Processo Penal e 8º, n. 5 e 16° do Regulamento das Custas Processuais); e) condenar nas custas cíveis demandantes e demandado, na proporção do respetivo decaimento.

*** O arguido, não se conformando com a decisão, interpôs recurso formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1. Da matéria de facto assente como provada e não provada que decorre do texto da douta sentença em crise entende o recorrente que: 2. S. M. O., o Aresto recorrido padece de algumas inultrapassáveis e relevantes insuficiências quanto ao tratamento jurídico e valoração da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento.

  1. O arguido foi condenado pelo crime de homicídio negligente, p. e p. pelo art. o 137º, n. 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução sem que, contudo, tenha sido provado o nexo psicológico entre o agente e o facto que é consequência da violacão do dever de diligência.

  2. De facto, para o preenchimento do tipo de crime, na formulação do juízo de culpabilidade da negligência, as capacidades do agente terão de ser aferidas a partir das características do tipo de homem em que o agente se insere, homem que tanto pode ser superior como inferior ao homem médio.

  3. Só assim ganha sentido o juízo de culpa, uma vez que só se justifica a imputação do facto se este se tiver ficado a dever a uma omissão de cuidado que o ordenamento jurídico exija, na concreta situação fáctica, das pessoas conscienciosas e judiciosas, pertencentes ao tipo de homem a que o agente também pertence.

  4. Ora, estamos perante um jovem de 16 anos de idade que, conforme é dado como provado na Douta Sentença, actuou de forma semelhante em diversas ocasiões sem qualquer consequência.

  5. Não se provou, pois, o estabelecimento de um nexo psicológico entre a actuação deste e o facto que é consequência da violação do dever de diligência.

  6. Nem da prova produzida resultou que o recorrente, depois de vários toques mútuos no ombro, tivesse actuado de forma diversa à forma como qualquer outro adolescente actuaria, perante a situação concreta, donde, para determinar a culpa na negligência terá se se considerar as "características do tipo de homem em que o agente se insere".

  7. Resulta, ainda, da prova que arguido não representou ou previu o perigo que da conduta poderia advir para o bem jurídico tutelado já que comportamento idêntico assumido em momento anterior não havia produzido qualquer resultado, isto é, o desequilíbrio ou a queda do Diogo.

  8. Donde, e sendo certo que "A violação do dever objectivo de cuidado conexionado com um determinado resultado não implica assim necessariamente a imputação ao agente do crime negligente respectivo", há que considerar, no caso concreto que o arguido agiu sem culpa - no entendimento da violação do cuidado de que o agente é capaz segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais.

  9. Pelo que, o Douto tribunal incorreu em Erro na Subsunção dos Factos Provados ao Direito, o que, se não tivesse ocorrido, resultaria na absolvição do arguido, o que ora se requer. Sem conceder 12. Incorreu o Douto Tribunal, em Erro de Julgamento uma vez que a Decisão recorrida julgou incorrectamente provados os factos constantes nos art.vs n.os 8, no segmento que refere "que o fez desequilibrar-se para trás; ", 15°, 16°, 17°, no segmento "e consequentemente a queda que, necessariamente e em virtude da altura, lhe causaria a morte, como causou;" e 18° da Douta Sentença.

  10. Isto porque, apesar de na sentença ser referido que a Decisão se sustentou na prova testemunhal e documental junta aos autos o que pressuporia uma corroboração entre estes dois meios de prova, certo é que, SMO, tal não se verifica.

  11. De facto, da visualização da prova documental, vídeo e fotogramas, resulta que a queda da malograda vitima ocorre, não imediatamente na sequência de qualquer toque produzido pelo recorrente mas em consequência deste deixar cair as costas para trás, esticando as pernas para a frente e não esboçando qualquer esforço de se agarrar ao corrimão, o que seria mais natural, atentas as regras da experiência.

  12. Aliás, este movimento também causou estranheza ao Tribunal que o justificou com a surpresa da vítima perante o toque previamente dado pelo arguido.

  13. Ora, não se alcança a razão da surpresa já que a própria Sentença admite a existência de "toques" anteriores, sendo, por isso, mais um toque uma situação expectável que imporia outras cautelas à vítima, nomeadamente através de reacção a um eventual desequilíbrio causado.

  14. Desconsiderou, assim, o Tribunal a circunstância de que a queda da vitima ocorre praticamente no final das escadas, perto do piso onde estas terminam e a circunstância da vitima não ter a percepção da altura a que se encontrava.

  15. Com o devido respeito, também não sopesou o Tribunal, como deveria, o depoimento da testemunha EE, que ouvida na sessão do dia 24/05/2017 entre as 10.30.28 e as 10.41.59, do minuto 01.53 ao minuto 9.57, explicou a personalidade temerária, audaciosa e até imprudente da vitima.

  16. Depoimento que foi corroborado por FF, ouvido como testemunha na sessão do dia 24/05/2017 entre as 10.42.48 e as 10.53.15, do minuto 0.03 ao minto 10.20, que confirmou que a vitima actuava sem consciência do perigo, colocando-se voluntariamente em situações de risco.

  17. A análise dos depoimentos ora transcritos, concatenada com as imagens que constam dos autos, autorizaria a convicção de que, atento o tempo decorrido entre o toque produzido pelo arguido, a queda da malograda vítima e a forma como tal queda se processa, exigiria uma actuação voluntária do GG, explicável pela sua personalidade temerária, audaciosa e imprudente.

  18. Atentas as concretas provas produzidas em Audiência de Discussão e Julgamento e que se indicam, não poderia, pois, a sentença em crise dar como provado que o arguido praticou um crime, impondo-se, pois, prolação de Decisão diversa: 22. Em conformidade, devia o Tribunal apenas dar como assente que o vertido sob os n.s 8, no segmento que refere "que o fez desequilibrar-se para trás; 15°, 16°, 17°, no segmento "e consequentemente a queda que, necessariamente e em virtude da altura, lhe causaria a morte, como causou;" e 18° da Douta Sentença, integrariam o elenco dos factos não provados.

  19. Ao não tê-lo feito, o Douto Tribunal "a quo" incorreu em Erro de Julgamento, o que expressamente se argui e que V. Exas., Venerandos Desembargadores suprirão.

  20. Donde, e em consequência, e porque a prova produzida não é suficiente para sustentar e justificar a condenação do ora recorrente, por violação do art. 127° do CPP, e o principio da presunção de inocência, deve o arguido ser absolvido do crime por que foi condenado, o que ora se requer. Sem prescindir 25. Fazendo uso de toda a argumentação expendida em sede reexame da matéria de facto dada como provada, que se reproduz e, por mera economia, se dá por reproduzida, deveria ter criado no Douto Tribunal a dúvida quanto à forma como a queda da vítima ocorre.

  21. O Principio do in dúbio pro reo pode ser aplicado, enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.° do CPP.

  22. Assim, o tribunal deveria razoavelmente ter permanecido em dúvida quanto à verificação dos factos que deu como provados.

  23. SMO, do nosso ponto de vista, tal dúvida é insanável e impossível de remover pelos meios de prova valorados em audiência ou por outros de que ainda pudesse lançar mão, com vista a remover tais dúvidas ou a atingir a plena e justificada convicção de que tais dúvidas eram definitivamente inultrapassáveis.

  24. Ao assim não entender, e demonstrando-se a existência de dúvidas, como se demonstrou supra, tal deveria ter beneficiado o arguido o que não aconteceu, mostrando-se, assim violado o principio do in dúbio pro reo.

  25. Assim, e nesta confluência, não restará a V. Exas., Venerandos Desembargadores, senão concluir pela violação do princípio do in dúbio pro reo e concluir, também, pela...

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