Acórdão nº 362/16.8GCFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelS
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No inquérito nº 362/16.8GCFAR, que correu termos no MP junto da Comarca de Faro, pelo MP foi proferido despacho final, determinando o respectivo arquivamento, nos termos do art. 277º nº 1 do CPP, em relação à totalidade da queixa apresentada por N contra CM.

Inconformado, N, constituído assistente nos autos, requereu a abertura de instrução, com a finalidade de que fosse pronunciado CM, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143º do CP.

Para o efeito da apreciação do pedido de abertura de instrução, foram os autos distribuídos ao Juízo de Instrução Criminal de Faro, tendo a Exª Juiz deste Juízo proferido, em 9/5/17, um despacho com o seguinte teor: «Requerimento de abertura de instrução do assistente N (fls. 117 e ss.): Nos presentes autos N é assistente (cfr. despacho que antecede), está em tempo para requerer a abertura de instrução, mostra-se representado por advogada (fls. 123) e mostra-se paga a taxa de justiça (fls. 126 e 127).

Mostram-se, assim, reunidos os requisitos formais para admissão da instrução requerida pelo mesmo.

Vejamos, porém, se se mostram reunidos os requisitos materiais de que depende tal admissão.

* Dispõe o art.º 286º, n.º1 do Código de Processo Penal que “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”, sendo que a assistente a pode requerer, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação (art.º 287º, n.º1, al. a) do Código de Processo Penal).

Nos termos do n.º2 do art. 287º do Código de Processo Penal, o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, sendo-lhe ainda aplicáveis as alíneas b) e c) do n.º 3 do art. 283º.

No caso, tendo o Ministério Público ordenado o arquivamento do inquérito, terá o assistente, por força do disposto nas als. b) e c) do n.º3 do art. 283º daquele código, aplicável ex vi do nº 2, parte final, do art. 287º daquele diploma legal, que indicar, ainda que de forma sintética, os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, bem como as disposições legais aplicáveis.

Como refere o Prof. Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 161, “O objecto do despacho de pronúncia há-de ser substancialmente o mesmo da acusação formal ou implícita no requerimento de instrução.”.

No mesmo sentido, Maia Gonçalves, no Código de Processo Penal Anotado, 9.ª edição, pág. 541, segundo o qual, “Em tal caso, de instrução requerida pelo assistente, o seu requerimento deverá, a par dos requisitos do n.º1, revestir os de uma acusação, que serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante ao funcionamento do princípio do contraditório e elaboração da decisão instrutória”.

Ou seja, regendo-se o processo penal pelos princípios do acusatório e contraditório, resulta que o requerimento de abertura de instrução, quando requerida pelo Assistente, porque é consequência de um despacho de arquivamento, deve conter todos os elementos de uma acusação, com especial relevância para a matéria de facto que descreve o ilícito que é imputado ao arguido.

No que concerne ao princípio do acusatório, e assumindo este especial relevância, cumpre atender ao estatuído no n.º 5 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, que remete para o princípio do acusatório ao determinar que “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do acusatório”.

Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada (3ª Edição, pág. 205-206) “O princípio do acusatório na sua essência significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Rigorosamente considerada, a estrutura acusatória do processo penal implica: a) proibição de acumulações orgânicas a montante do processo, ou seja, que o juiz de instrução seja também um órgão de acusação; b) proibição de acumulação subjectiva a jusante do processo, isto é, que o órgão de acusação seja também órgão julgador; c) proibição de acumulação orgânica na instrução e julgamento (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Edição, pág. 205-206)”.

Assim, e tal como refere Germano Marques da Silva, em obra citada supra, pág. 144, “ o Juiz está substancial e formalmente limitado na pronúncia aos factos pelos quais tenha sido deduzida acusação formal, ou tenham sido descritos no requerimento do assistente e que este considera que deveriam ser objecto de acusação do MP. O requerimento para a abertura da instrução formulado pelo assistente constitui, substancialmente, uma acusação (alternativa ao arquivamento ou à acusação deduzida elo MP), que dada a divergência assumida pelo MP vai necessariamente ser sujeita a comprovação judicial”.

Daí que, tendo o requerimento de abertura de instrução por parte da Assistente de configurar uma acusação, é esta que condicionará a atividade de investigação do Juiz e a decisão instrutória, tal como flui, claramente, do disposto nos artigos 303º, n.º3 e 309º, n.º1 do Código de Processo Penal, sendo que a decisão instrutória que viesse a pronunciar o arguido por factos não constantes daquele requerimento, estaria ferida de nulidade.

Não se poderá olvidar que os tipos de ilícito são constituídos por elementos objetivos e subjetivos, pelo que a descrição fáctica constante de uma acusação tem que conter os elementos objetivos do tipo incriminador, constituídos, nomeadamente, pelo agente, pelo comportamento, pela conduta (ou comportamento humano voluntário) e pelo bem jurídico, este último como «sinónimo do valor objetivado que o tipo traz consigo, sinónimo do substrato concreto, do suporte objetivo imediato de um valor» (cfr. Figueiredo Dias, «Direito Penal», Sumários das Lições à 2ª turma do 2º ano da Faculdade de Direito, Coimbra, 1975, págs. 139/144).

Já ao nível do tipo subjetivo haverá que considerar e fazer traduzir na matéria de facto descrita na acusação (ou no seu equivalente, como é o caso do requerimento de abertura de instrução), que este constitui a representação da situação objetiva na mente do agente. Para se afirmar a verificação do tipo legal de crime, exige-se, pois, que o agente saiba e tenha consciência e conhecimento da situação objetiva, tal como ela se verifica.

Haverá que ter em consideração que nos crimes dolosos a verificação do tipo subjetivo de ilícito pressupõe o conhecimento e vontade de realização de um tipo legal de crime por parte do agente, ou seja, pressupõe que estejam presentes o elemento intelectual, o elemento volitivo e o chamado elemento emocional. Não se esgotando o dolo no conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo, é ainda necessário que àqueles acresça um elemento emocional na caracterização da atitude pessoal do agente, exigida pelo tipo-de-culpa doloso. Por outras palavras: à afirmação do dolo não basta o conhecimento e vontade de realização do tipo, sendo preciso, igualmente, que esteja presente o conhecimento e a consciência, por parte do agente, do carácter ilícito da sua conduta.

Assim, o elemento intelectual do dolo «só poderá ser afirmado quando o agente atue com todo o conhecimento indispensável para que a sua consciência ética se ponha e resolva corretamente o problema da ilicitude do seu comportamento», isto é, quando o agente atue com conhecimento da factualidade típica. Já o elemento volitivo traduz a «vontade do agente dirigida à realização do tipo» legal de crime. Finalmente, o elemento emocional representa o «conhecimento ou consciência do carácter ilícito» da conduta, estando ligado, pois, ao chamado tipo de culpa doloso.

Nestes termos “o dolo só existirá quando o agente atue com conhecimento e vontade de realização do tipo-de-ilícito e com conhecimento ou consciência da ilicitude da sua atuação, ou seja, «sempre que o ilícito típico seja fundamentado por uma censurável posição da consciência-ética do agente perante o desvalor do facto, pressuposto que aquela se encontrava correta e suficientemente orientada para esta” (cfr. Figueiredo Dias, op. cit., págs. 199/204, e «Pressupostos da Punição e Causas que Excluem a Ilicitude e a Culpa», in «Jornadas de Direito Criminal», «O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar», edição do Centro de Estudos Judiciários, págs. 72/73).

E atente-se no teor do Ac. do STJ de 22/10/2003 (in www.dgsi.pt) quando afirma que “No que concerne ao elemento subjetivo do crime, embora se possa controverter se o dolo é inerente à prática do facto, temos por certo que o mesmo devia ser expressamente invocado para poder ser relevado. A ideia de “dolus in re ipsa” que sem mais resultaria da simples materialidade da infração, é hoje indefensável no direito penal”, sendo que também Figueiredo Dias (in “O Ónus de Alegar e de Provar em Processo Penal”, RLJ, 105, n.º3473, 1972), afirma que o facto do dolo poder ser provado e, portanto, inferir-se, com recurso a presunções naturais ou com recurso às regras da experiência comum, não pode significar que fica dispensada a alegação dos pertinentes factos que o integram (neste sentido, também com relevância, cfr. Acórdãos do TRP de 11/5/2011 e de 11/10/06, do TRC de 6/06/2012, 23/05/2012 e de 2/10/2013, do TRG de 28/05/2013, bem como do TRE de 6/11/2012 e de 25/06/2013, todos disponíveis in www.dgsi.pt).

Por seu lado, o STJ fixou jurisprudência através do Acórdão nº 1/2015, publicado no DR de 27 de Janeiro de 2015, no seguinte...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT