Acórdão nº 2020/16.4T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO AA e mulher, BB, intentaram a presente ação, com processo comum, contra Banco Espírito Santo, S.A.

, Novo Banco, S.A.

, e Fundo de Resolução, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 3.000.000,00, acrescida de juros.

Fundamentam o seu pedido na subscrição de papel comercial da ES Internacional, S.A. (ESI), no valor de € 3.000.000,00, efetuada através do seu gestor de conta no Centro Private, em Lisboa, que acompanhava e aconselhava os autores em tudo o que relacionasse com a sua vida económico-financeira, e a quem o autor marido transmitiu expressamente que pretendia com o mencionado valor subscrever um depósito a prazo, mas o referido gestor veio a fazer a operação bancária acima indicada.

Fundam, assim, a sua ação em responsabilidade do BES por violação dos seus deveres enquanto banqueiro e de intermediação financeira, tendo-se transferido esta responsabilidade para o NOVO BANCO, por força da medida de resolução aplicada ao BES e criação do banco de transição.

Contestaram todos os réus.

O réu Banco Espírito Santo, S.A. - Em liquidação, invocou a título de exceção a inutilidade da lide, pelo facto de ter sido objeto de decisão do Banco Central Europeu que lhe revogou a autorização para o exercício da sua atividade, que produz os efeitos da declaração de insolvência.

O réu Novo Banco, S.A., invocou a exceção processual e substantiva de ilegitimidade passiva, na sequência das deliberações do Banco de Portugal, por a responsabilidade reclamada pelos autores não lhe ter sido transferida.

Por último, o réu Fundo de Resolução veio invocar a exceção de incompetência absoluta dos tribunais judiciais em razão da matéria, peticionando a sua absolvição da instância, ou a não se entender assim, a sua absolvição do pedido, pois ainda que devesse responder – o que entende não dever - pelas obrigações dos bancos de transição, nunca responderia por uma obrigação que, a existir, se manteve na esfera jurídica do banco resolvido, ou seja, o BES, sem ser transferido para o Banco de transição, o Novo Banco.

Por despacho de 14.12.2016, a fls. 220, por “razões de economia processual e de simplificação e agilização dos trabalhos” que teriam lugar na audiência prévia, foi facultado aos autores o exercício do contraditório quanto às exceções invocadas pelos réus, em momento anterior àquela diligência, o que os autores fizeram, pugnando pela improcedência de tais exceções e concluindo como na petição inicial.

Por despacho de 02.05.2017, a fls. 241, foi dispensada a audiência prévia por se entender estarem debatidas as questões suscitadas nos autos, havendo apenas lugar à prolação do despacho saneador.

Em 26.06.2017, a fls. 242-254, foi proferido despacho saneador-sentença com os seguintes dispositivos: - Foi julgada extinta a instância quanto ao réu BES, S.A. por inutilidade superveniente da lide (fls. 246); - Por ilegitimidade substantiva passiva, foi o réu Novo Banco, S.A. absolvido do pedido (fls. 252).

- Por se considerar o tribunal comum materialmente incompetente, foi o réu Fundo de Resolução absolvido da instância.

Inconformados, os autores apelaram do segmento da sentença que decidiu absolver o réu Novo Banco, S.A. do pedido, tendo finalizado a respetiva alegação com as seguintes conclusões: «I. Vêm os Recorrentes interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo no segmento em que se decidiu, na mesma, absolver o NOVO BANCO, S.A., do pedido; II. A sentença proferida pelo Tribunal a quo pode e deve ser sindicada, o que se faz através do presente meio processual; III. O Tribunal a quo, tendo decidido do mérito nos autos no momento em que o fez (aquando da prolação de despacho saneador) cometeu uma nulidade processual, já que, tendo atuado como atuou, ou seja, não tendo previamente ouvido as partes nos termos e para os efeitos dos artigos 6º, n.º 1, e 3º, n.º 3, ambos do CPC, a sentença assim proferida constituiu uma verdadeira decisão-surpresa; IV. Tanto é assim que, legitimamente, os Recorrentes ficaram convencidos que, nos autos, iria ser agendada audiência final para produção de prova uma vez que, em 02.05.2017, havia-se decidido no sentido de que se iria proceder à “identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova”; V. Ao ter o Tribunal a quo decidido como decidiu foi preterida o cumprimento de uma formalidade essencial, omissão que determina a nulidade de todo o processado, em especial, a nulidade do despacho de 02.05.2017 e do decidido em 26.06.2017; VI. Caso assim não se considere não estavam verificados os pressupostos para que o Tribunal a quo pudesse ter proferido despacho saneador-sentença, o que, para além de constituir uma violação do artigo 595º, n.º 1, alínea b), segunda parte do CPC, impediu que os Recorrentes pudessem fazer prova dos factos constitutivos do direito por si alegado, no que radica a violação do direito previsto no artigo 20º da CRP, ou seja, o direito à tutela jurisdicional efetiva, no que se inclui o direito à prova, tudo com as legais consequências; VII. Caso ainda assim não se considere, violou ainda o decidido por parte do Tribunal a quo o disposto no artigo 595º do CC, já que, se o Tribunal a quo tivesse interpretado corretamente o alegado pelos Recorrentes e a prova junta com a PI, a que sempre acresceria a prova que aos Recorrentes não se permitiu fazer em sede de audiência final, sempre se teria que concluir que o NOVO BANCO, S.A., co-assumiu, conjuntamente com o BES, a responsabilidade pelo reembolso, aos Recorrentes, do valor que estes investiram em papel comercial, pelo que, em todo o caso, deverá a sentença proferida ser substituída por outra que condene o NOVO BANCO, S.A., nesse reembolso; VIII. Na sentença proferida foram violados, em suma, os artigos 6º, n.º 1, 3º, n.º 3, e 595º, n.º 1, alínea b), segunda parte, todos do CPC, o artigo 20º da CRP e o artigo 595º do CC; IX. Assim se submete o presente à apreciação dos Venerandos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora relativamente aos elencados pontos; Termos em que, pelas razões alegadas, deve o presente recurso ser julgado procedente, Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!» Contra-alegou o réu Novo Banco, defendendo a manutenção do julgado.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir, atenta a sua precedência lógica, consistem em saber: - se ocorreu nulidade processual por a decisão proferida constituir uma decisão surpresa; - se o saneador-sentença violou o direito à prova dos recorrentes como parte do direito à tutela jurisdicional efetiva: - se o saneador-sentença violou o disposto no art. 559º do Código Civil: III – FUNDAMENTAÇÃO No despacho saneador-sentença, ao conhecer da questão relativa à ilegitimidade substantiva do réu Novo Banco, o Tribunal recorrido não elencou quaisquer factos, apesar de, na respetiva fundamentação, se poderem descortinar os factos em que se fundou a decisão.

Trata-se de procedimento incorreto, que não importa, porém, a nulidade do despacho saneador-sentença, nos termos do art. 615º, nº1, al. b), do CPC[1], mas entende-se dever proceder aqui à especificação dos factos pertinentes para a decisão do recurso.

Assim, consideram-se provados, por documento e acordo das partes, os seguintes factos: 1- Em 17.10.2013, os autores assinaram a subscrição do papel comercial “ES Internacional”, com o código ISIN nº PTE47AJM0297, no montante de € 3.000.000,00.

2 - No dia 3 de Agosto de 2014 o Banco de Portugal deliberou o seguinte: «Ponto Um Constituição do Novo Banco, SA É constituído o Novo Banco, SA, ao abrigo do nº 5 do artigo 145º -G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.

Ponto Dois Transferência para o Novo Banco, SA, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espirito Santo, SA São transferidos para o Novo Banco, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 145º - H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, conjugado com o artigo 17º - A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espirito Santo, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A à presente deliberação.

Ponto Três Designação de uma entidade independente para avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Novo Banco, SA Considerando o disposto no n.º 4 do artigo 145.º -H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, o Conselho de Administração designa a sociedade PricewaterhouseCoopers & Associados - Sociedade de Revisores de Contas, Lda. (PwC SROC), para, no prazo de 120 dias, proceder à avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Novo Banco, SA.» 3 - Por deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014, foi retificado o anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, considerando excluídas as seguintes situações: «(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais; (vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a ações, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o BES; (vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por...

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