Acórdão nº 278/17.0GAVRS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DE F
Data da Resolução20 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, nº 278/17.0GAVRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Faro – Juízo Central Criminal – J6, foi submetida a julgamento a arguida AA, melhor identificada nos autos, tendo, por acórdão proferido em 18/05/20118, sido absolvida dos três crimes de incêndio florestal, sendo dois na forma consumada p. e p. pelo artigo 274º, nº. 1, do Código Penal e um na forma tentada p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, nºs. 1 e 2, alíneas b) e c), 23º, 72º, 73º e 274º, nº. 1, todos do Código Penal.

Inconformado com o assim decidido, recorreu o Ministério Público para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as seguintes conclusões: 1 – Por Acórdão de 18/05/2018 foi decidido pelo Tribunal Colectivo absolver a arguida AA da prática de dois crimes de incêndio florestal, p. e p. cada um deles no artigo 274º, n.º 1 do Código Penal e de um crime de incêndio florestal, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, n.º 1 e 2, alíneas b) e c), 23º, 72º, 73º e 274º, n.º 1, todos do Código Penal, de que vinha pronunciada. 2 – Ora, entende o Ministério Público que foram incorrectamente julgados alguns dos pontos da matéria de facto dada como não provada – nomeadamente os constantes das alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), j), k), l), m) e n) – os quais, atendendo à prova recolhida nos autos e produzida em audiência, deveriam ter sido dados antes como provados. 3 – Deste modo, alega-se que a decisão condenatória padece de erro no julgamento/apreciação da prova, designadamente no que toca ao teor do Auto de Reconstituição constante de fls. 55 e 56 dos presentes autos, ao teor da Reportagem Fotográfica constante de fls. 57 a 62 e do teor do Auto de Apreensão constante de fls. 54, bem como ao depoimento prestado pela testemunha JS. 4 – Com efeito, dos aludidos elementos de prova resulta inequívoco que a factualidade constante das supra mencionadas alíneas da matéria de facto dada como não provada, ao invés do que se considerou no douto Acórdão, deveria ter sido dada como provada pelo Tribunal Colectivo. 5 – Nomeadamente, porque do teor do supra aludido Auto de Reconstituição (bem como da reportagem Fotográfica contante de fls. 57 a 62 do processado e cuja finalidade era apenas a de documentar através de fotografias a mesma reconstituição dos factos) resultava um conjunto de informações muito relevante para o apuramento da autoria dos crimes. 6 – Sendo que na sequência de tal Auto de Reconstituição e Reportagem Fotográfica, o OPC que conduzia a investigação procedeu ainda à apreensão de um isqueiro – tal como documenta o Auto de Apreensão constante de fls. 54 dos presentes autos – uma vez que o mesmo objecto havia servido para a prática dos crimes imediatamente antes reconstituídos. 7 – Ora, tal meio de prova, “a reconstituição do facto” – e que depois foi documentado em auto – foi realizado em estrita observância do disposto no artigo 150º, n.º 1 do Código de Processo Penal, uma vez que se procurou reproduzir na mesma diligência processual, tão fielmente quanto possível, as condições em que se supunha terem ocorrido os três incêndios objecto dos presentes autos e, bem assim, se procurou repetir a forma como os mesmos foram praticados. 8 – Sendo ainda inequívoco que o mesmo meio de prova não se encontra ferido por nenhum dos vícios apontados no artigo 126º do Código de Processo Penal – pelo que não pode o mesmo ser considerado um método proibido de prova – situação essa que foi confirmado pelo depoimento prestado em audiência de julgamento pela testemunha JS, inspector da Polícia Judiciária que participou na mesma diligência probatória. 9 – Podendo assim o mesmo meio de prova ser valorado de harmonia com o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, isto é, segundo as regras da experiência e da livre convicção da entidade competente. 10 – Entende assim o Ministério Público que a apreciação, segundo as regras da experiência, dos elementos de prova supra referenciados, em conjugação com a restante prova recolhida nos autos e produzida em audiência de julgamento, deveria ter levado o Tribunal a quo a tomar uma decisão (no tocante à enumeração dos factos provados) nos termos expostos na presente motivação de recurso. 11 – E, a admitir-se que a factualidade mencionada na presente motivação de recuso deve, como entendemos que sim, ser dada como assente, temos que os mesmos factos consubstanciam a prática pela arguida AA dos três crimes de incêndio florestal de que vinha pronunciada. 12 – Sendo assim certo que no caso dos autos se mostra preenchido o aludido elemento do tipo objectivo do crime de incêndio – já que os locais onde o fogo foi ateado (e tentado) se encontram suficientemente caracterizados, tanto na acusação como na pronúncia, como sendo terrenos ocupados com floresta – já que se fala em terrenos com mato, pinhal, pasto seco, pinheiro manso. 13 – Devendo pelo exposto a arguida Sandra Pereira ser condenada em conformidade em penas de prisão. Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, devendo o Acórdão proferido nos presentes autos ser substituído por outro que condene a arguida AA pela prática de três crimes de incêndio florestal. O recurso foi regularmente admitido.

A arguida não respondeu ao recurso.

Nesta Relação, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, a fls. 575 e 576, no qual se pronunciou no sentido de o recurso merecer provimento.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo sido exercido o direito de resposta.

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1.

Delimitação do objeto do recurso Em matéria de recursos, o Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito (cf. artigo 428º do C.P.P.).

As conclusões da motivação recursiva balizam ou delimitam o objeto do recurso (cf. art.º 412º do C.P.P.), delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Tal não impede o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas alíneas a), b) e c), do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cf. Acórdão do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.

No caso vertente, tendo presentes as considerações que se deixam enunciadas e atentas as conclusões extraídas pelo Ministério Público recorrente da motivação de recurso apresentada, são suscitadas as seguintes questões: 1ª - Impugnação da matéria de facto dada como não provada nas alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), j), k), l), m) e n), por erro de julgamento; 2ª - Na procedência da 1ª questão, do preenchimento pela arguida dos crimes de incêndio por que vem acusada.

Para que possamos apreciar a questão suscitada no recurso, importa ter presente o teor do acórdão recorrido, nos segmentos que relevam para esse efeito e que se passam a transcrever: 2.2.

Do acórdão recorrido «(…) II. FUNDAMENTAÇÃO l. Factos provados Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 22 de Julho de 2017, cerca das 2 horas, em Almargem - Eirões, em Tavira, um fogo consumiu uma área de 0,07 hectares de mato e pasto seco.

  1. No dia 11 de Agosto de 2017, pelas 2 horas, a arguida conduzia o veículo de sua propriedade, da marca e modelo Peugeot 307, com a matrícula -UU, na Estrada EM 1234, no Sítio dos Eirões, na União de Freguesias da Conceição e Cabanas de Tavira, concelho de Tavira, distrito de Faro.

  2. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, na berma da aludida estrada encontrava-se um papel a arder.

  3. A estrada referida em 2. é ladeada por mato e zona de pinhal.

  4. No dia 16 de Agosto de 2017, cerca da 1 hora e 20 minutos, no Sítio dos Eirões, em Tavira, um incêndio consumiu uma área de floresta de cerca de 2,5 hectares, constituída por mato e pinheiro manso, propriedade privada contígua com o perímetro florestal da mata da Conceição, o qual teve origem junto à berma da Estrada Municipal 1234, do lado direito, no sentido Almargem - Eirões.

    1.2. Factos não provados Não se logrou provar que: a) No dia 22 de Julho de 2017, pelas 2 horas, a arguida conduzisse o veículo, da marca e modelo Peugeot 307, com a matrícula -UU, na Estrada EM 1234, no Sítio dos Eirões, na União de Freguesias da Conceição e Cabanas de Tavira, concelho de Tavira, distrito de Faro; b) Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, após ter passado sobre a Ribeira de Gafa, abrandasse a marcha do veículo, parando o mesmo, acendesse um isqueiro e pegasse fogo a um guardanapo de papel que trazia na mão, arremessando-o a arder em direcção à berma, atento o sentido Almargem - Eirões; c) Na sequência de tal conduta, a arguida provocasse a ignição de um foco de incêndio, o qual se alastrou; d) A arguida, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 2. abrandasse a marcha da viatura por si conduzida, abrisse a janela do lado do condutor, acendesse um isqueiro e pegasse fogo a um guardanapo de papel que trazia na mão, arremessando-o a arder em direcção à berma da aludida estrada; e) Em seguida, a arguida abandonasse o local, julgando que tinha concretizado a sua intenção de dar início ao incêndio; f) A arguida não logrou que o guardanapo alcançasse o mato e o pinhal, tendo o mesmo ardido sobre o alcatrão; g) No dia 16 de Agosto de 2017, pelas 01h20, a arguida conduzia o veículo referido em 2., na Estrada EM 1234, no Sítio dos Eirões, na União de Freguesias da Conceição e Cabanas de Tavira, e naquelas circunstância de tempo e lugar acendesse um isqueiro e pegasse fogo a um guardanapo de papel que trazia na mão, e arremessasse a arder em direcção à berma, atento o sentido Almargem - Eirões.

    h) Em seguida, após...

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