Acórdão nº 97/06.0IDBRG.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução20 de Janeiro de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães * I- Relatório António M...foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, sob a forma continuada, p. e p. pelos arts. 105.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 15/2001, de 05-06, e 30.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de sete meses de prisão, substituída por igual período de dias de multa, ou seja, 210 dias, à taxa diária de € 7,00, o que perfaz € 1.470,00, quantia essa que foi autorizado a pagar em 6 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira dez dias após trânsito e as restantes em igual dia dos meses seguintes.

Inconformado recorre o arguido, suscitando, em síntese, as seguintes questões nas suas excessivamente longas conclusões: - nulidade da sentença por falta de fundamentação; - proibição de valoração de prova no tocante a documentos obtidos no processo de inspecção tributária e ao depoimento do inspector tributário; - vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410º., nº.2, al. a) CPP); - inconstitucionalidade da condenação do arguido pelas fracções da continuação criminosa correspondentes a trimestres, sem que se apurassem em concreto os montantes devidos mensalmente e se os mesmos excediam, ou não, € 7.500,00; - tipo e medida da pena.

* O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência.

A requerimento do recorrente teve lugar a audiência.

Cumpre decidir.

* II- Fundamentação Conforme é sabido, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (arts. 402º., 403º. e 412º., nº.1, todos do Código de Processo Penal e Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ nº.458, pág. 98), devendo conter, por isso, um resumo claro e preciso das questões desenvolvidas no corpo da motivação que o recorrente pretende ver submetidas à apreciação do tribunal superior, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são, por exemplo, os vícios da sentença previstos no artigo 410º., nº. 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções do STJ, de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995).

* Da sentença recorrida A) Factos provados 1- A sociedade arguida “P... — Confecção de Artigos Têxteis, Lda.” é uma sociedade por quotas, titular do cartão de pessoa colectiva n.° 504.239...., com sede no lugar de São Pedro, Póvoa de Lanhoso, que tem por objecto social a confecção de artigos têxteis para o lar (nomeadamente lençóis, atoalhados, coberturas para colchões) e comércio por grosso de tais produtos.

2- Por tal actividade, a que corresponde o C.A.E. (Classificação das Actividades Económicas)/C.I.R.S. 17400— fabricação de artigos têxteis confeccionados excepto vestuário, a arguida encontrava-se colectada no Serviço de Finanças de Póvoa de Lanhoso, como sujeito passivo do Imposto sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.).

3- A sociedade arguida possuía contabilidade organizada e, encontrava-se desde, pelo menos, o ano de 2002 até 01 de Janeiro de 2005, enquadrada, para efeitos de Imposto de Valor Acrescentado -IVA-, no regime normal de periodicidade trimestral, tendo, a partir desta última data, se enquadrado no regime de periodicidade mensal.

4- O arguido António M...foi nomeado em 31 de Julho de 2002, gerente único da sociedade arguida ‘PROTEXPOL”, assim permanecendo até 28 de Junho de 2005 (data em que deixou de ser gerente e de gerir a sociedade), cargo que exerceu em efectividade, competindo-lhe todas as tarefas inerentes à sua gestão e administração quer na parte administrativa, financeira e comercial, dando as ordens e instruções a ela atinentes, nomeadamente no tocante à retenção da fonte, ao pagamento dos impostos e salários, à contratação de trabalhadores e à negociação com fornecedores.

5- No exercício da sua descrita actividade a sociedade “PROTEXPOL - Confecção de Artigos Têxteis, Lda.” através do arguido António M..., que actuava no referido período, em nome e no interesse da mesma, procedeu à cobrança de I.V.A. aos seus clientes, pelas vendas de bens e prestações de serviços efectuadas aos mesmos e a quem foram emitidas as respectivas facturas, com a obrigação de o entregar nos cofres da Fazenda Nacional, a quem pertenciam os montantes liquidados a esse título.

6- Enquanto sujeito passivo de I.V.A. a sociedade arguida deveria apurar aritmeticamente, trimestralmente ou mensalmente, conforme se encontrasse no enquadramento trimestral ou mensal, o imposto devido ao Estado, deduzindo ao imposto por si facturado e incluído no preço dos bens que vendera e prestações de serviços efectuados, o imposto por si suportado nas aquisições de matérias-primas efectuadas, e sempre que o montante de I.V.A. por si facturado a terceiros fosse superior ao montante de I.V.A. pago pela arguida nas aquisições efectuadas, proceder à entrega à Fazenda Nacional da diferença até ao dia 15.° dia do segundo mês seguinte ao trimestre a que se refere a liquidação ou até ao 10º dia do segundo mês seguinte ao mês a que se refere a liquidação, na hipótese de periodicidade mensal.

7- O arguido não enviou ou entregou nos Serviços de Finanças de Póvoa de Lanhoso, ou em qualquer outro serviço da Administração Fiscal, os montantes liquidados e arrecadados, a título de I.V.A., nas vendas a dinheiro cobradas aos seus clientes, para os períodos abaixo mencionados.

8- Tal actuação contabiliza um montante de I.V.A. efectivamente liquidado, recebido e não entregue à Administração Fiscal, nos anos de exercício de 2003 a 2004, repartindo-se por cada período normal trimestral e mensal, nos quantitativos e períodos seguintes: Terceiro trimestre de 2003, no valor de € 26.233,01, com data de constituição da obrigação em 15.11.2003 e de pagamento em 15.02.2004; Quarto trimestre de 2003, no valor de € 9.077,10, com data de constituição da obrigação em 15.02.2004 e de pagamento em 15.05.2004; Segundo trimestre de 2004, no valor de € 7.609,96, com data de constituição da obrigação em 15.08.2004, e de pagamento em 15.11.2004.

9- Deste modo, o arguido António M..., nos períodos de tributação supra referidos, liquidou IVA, apurando montantes a favor do Estado num total global de € 42.920,07, de imposto de I.V.A., que recebeu dos seus clientes e reintroduziu no giro comercial da sociedade (para pagamento de parte de salários, fornecedores e outras despesas uma vez que a 2ª arguida atravessava dificuldades económicas e financeiras, pelo menos desde 2002 por perda dos seus maiores clientes e crédito mal parado de outros, para além de falta de financiamento bancário e forte concorrência internacional, que culminou em 2004 num processo de recuperação de empresa) não os entregando à Administração Fiscal, nos termos e prazos atrás referidos, relativos aos períodos mencionados, nem nos 90 dias subsequentes ao termo do prazo legal de entrega da declaração periódica a que diziam respeito, bem sabendo a sua conduta proibida e punida por lei.

10- Cumprida a notificação prevista no art. 105, nº 4, al. b), do RGIT (actual redacção), a pedido do próprio arguido, não foi regularizada, no prazo de 30 dias, a situação tributária.

11- O arguido António M...trabalhava no sector de organização da exportação de uma empresa de Guimarães, a recibos verdes, auferindo um rendimento mensal de cerca de € 1.500,00, estando actualmente desempregado; recebe uma pensão de reforma que está parcialmente penhorada em execuções para pagamento de dívidas à Fazenda Nacional, à Segurança Social e outras dívidas a terceiros (bancos, algumas empresas, e particulares, etc., algumas delas em consequência de ter assumido encargos pessoais com a gestão da 2ª arguida); não tem filhos a seu cargo; o arguido é um gestor experiente e como tal reconhecido; é uma pessoa tida pelos seus amigos e familiares como uma pessoa responsável, gestor reconhecido, e pessoa de bem; não tem antecedentes criminais.

12- A segunda arguida está neste momento sem actividade (não laborando, sem funcionários e clientes), mas não foi extinta por qualquer forma, não havendo registo de qualquer condenação anterior no pagamento em penas de multa ou coimas.

* B) Factos Não Provados Os demais factos constantes do despacho de pronúncia e da contestação nomeadamente os seguintes: - Que o arguido não fosse o responsável pelo pagamento das prestações de IVA a partir de Janeiro de 2005.

- Que o arguido tenha sido gerente de direito e de facto da segunda arguida desde 28.6.2005 a Junho de 2006.

- Que o arguido tenha sido o responsável pelo não pagamento das prestações de IVA relativas aos meses de Maio de 2005, Julho de 2005 e Dezembro de 2005, nos montantes, respectivamente, de € 8.602,62, € 9.449,02 e € 7.922,96.

- Que valor de IVA mensal teria que ser liquidado nos três trimestres referidos na matéria de facto assente (ou seja, o valor do IVA “devido” em cada um desses nove meses).

- Que no período compreendido nas quatro prestações em falta todos os fundos da 2ª arguida, nomeadamente os resultantes das quantias não entregues a título de IVA e os que resultaram de responsabilidades pessoais assumidas pelo arguido, tivessem sido usados exclusivamente para pagamento de salários a fim de evitar despedimentos e situações de miséria.

- Que o arguido tivesse usado o valor do seu PPR para injectar capital na empresa.

- Que nos períodos em causa a 2ª arguida não tivesse recebido a totalidade do IVA liquidado.

- Que as empresas referidas no art. 27 da contestação tivessem ficado a dever à 2ª arguida as quantias, respectivamente, de € 75.000,00, € 13.000,00 e € 25.000.00.

* C) Motivação de Facto O Tribunal formou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, na conjugação das declarações do arguido com o teor dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT