Acórdão nº 4903/11.9TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução15 de Maio de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL Do Tribunal da Relação de Guimarães * 1. Relatório. A.., intentou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra J.., pedindo que : - seja declarada a nulidade do contrato celebrado entre as partes; - seja ordenada a restituição, bem como o réu condenado a entregar-lhe, a ele autor, a quantia de 97.500,00 €, acrescida de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

1.1. - Para tanto , alegou o A, em síntese, que : - Em 17 de Abril de 2009, por forma verbal, autor e réu celebraram um contrato promessa de cessão de quota da sociedade “G..,Lda.”, mais designadamente de uma quota no valor de 1.667,00 € e que o réu detinha na referida sociedade, acordando então que, correspondendo tal quota a 33,3% do capital da aludida sociedade, o preço da sua cedência ao autor seria de noventa e oito mil euros ( 98.000,00 €); - Na sequência da outorga do referido acordo, e a título de sinal e princípio de pagamento, entregou então o autor ao réu a quantia de 97.500,00 €, o que fez através de cheque sacado sobre o B.., datado de 14.4.2009, devendo a escritura ser outorgada no prazo máximo de 15 dias, a contar da data da promessa, devendo ainda o réu avisar o autor da escritura com oito dias de antecedência ; - Sucede que, não tendo até à data sido realizada a escritura de cessão de quota, certo é que o contrato promessa , porque verbalmente outorgado, é nulo, por vício de forma, razão porque deve ser declarada tal invalidade com todos os efeitos legais.

1.2.- Após citação, o Réu contestou, o que fez por excepção [ aduzindo que a arguição de nulidade pelo autor, porque excede no caso os limites impostos pela boa fé, pois além de estar em contradição com a posição assumida com o procedimento adoptado ao longo da sua relação contratual, consubstancia o exercício de um direito de forma abusiva ] e impugnação motivada [ referindo ter sido o A o responsável pelo incumprimento do acordado ], tendo ainda deduzido pedido reconvencional, impetrando a total improcedência da acção intentada pelo Autor contra o Réu e a procedência da reconvenção, e , por via dela, ser reconhecido o direito do Réu de fazer seu o sinal entregue pelo autor.

1.3.- Seguindo-se a réplica do A e dispensada a realização da audiência preliminar, foi elaborado o despacho saneador com selecção dos factos assentes e da matéria controvertida - tendo previamente sido admitida a reconvenção - “peças” estas que não foram objecto de qualquer reclamação.

1.4.- Finalmente, realizada a audiência final, com observância do legal formalismo, e conclusos os autos após o seu encerramento, o tribunal a quo emitiu a competente sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor : “(…) III – Decisão: Pelo exposto, o Tribunal decide declarar nulo o contrato-promessa de cessão de quotas celebrado a 17 de Abril de 2009 e, em consequência, condena-se o réu a restituir ao autor a quantia de 97.500,00 Eur. (noventa e sete mil e quinhentos euros), a acrescer de juros à taxa civil, vencidos e vincendos, a contar da citação e até integral pagamento.

Custas pelo réu.

Notifique e registe “ .

1.5.- Porque inconformado com a sentença proferida, da mesma apelou então o Réu J.., aduzindo em sede recursória as seguintes conclusões : 1. O Tribunal a quo não valorou convenientemente a prova testemunhal produzida nos autos, o que obstou a uma correcta apreciação dos factos.

  1. Considerando os depoimentos das testemunhas e da parte, não resultaram provados os factos constantes dos pontos 6. e 7. dos “factos provados”, devendo, ao invés, ter sido incluída nesse âmbito a matéria que consta dos pontos 8. e 9., elencada como “factos não provados”, e que, na convicção do Recorrente, resultaram, efectivamente, como provados em sede de audiência de julgamento.

  2. De facto, em nenhum dos depoimentos prestados foi referido que as partes haviam acordado, para a outorga do contrato de cessão de quota, o prazo máximo de quinze dias, a contar da data da celebração do contrato promessa, nem tão pouco que o Recorrente tinha ficado com a obrigação de avisar o Autor da data agendada para a outorga do contrato definitivo.

  3. Ficou, sim, claramente demonstrado que nenhuma das testemunhas levadas pelo Autor, aqui Recorrido, presenciou, teve intervenção ou sequer conhecimento efectivo dos termos em que foi efectuado o contrato de promessa de cessão da quota, nomeadamente, dos factos constantes dos pontos 6. e 7. da matéria dada como provada na sentença ora em crise.

  4. Da análise dos depoimentos prestados pelas testemunhas A.. e J.., dúvidas não poderão existir quanto à veracidade dos factos ínsitos nos pontos 8 e 9 e que foram dados, inadequadamente, como não provados pelo tribunal a quo.

  5. As declarações do Sr. A.., única testemunha que teve conhecimento directo do negócio e presenciou algumas conversas entre o Recorrente e o Autor sobre o mesmo, não foram devidamente consideradas pela meritíssima juiz a quo na decisão proferida, pois que resultou, de forma indubitável, da prova produzida em sede de julgamento, que o contrato definitivo não foi outorgado por causa imputável ao Autor, aqui Recorrido, uma vez que este havia perdido o interesse na concretização do negócio por não querer, nomeadamente, assumir a participação no projecto “S..” (lar de terceira idade).

  6. Ficou, ainda, demonstrado que o Recorrente sempre pugnou pela efectivação da cessão de quotas, e que, ao não se ter materializado, lhe trouxe prejuízos e dificuldades financeiras no âmbito de outros projectos por si assumidos, designadamente no ramo imobiliário (projecto S..), tendo mesmo ficado impedido de honrar compromissos negociais.

  7. As partes celebraram um contrato promessa de cessão de quota.

  8. Ao acordarem a cessão, mediante a realização do contrato promessa, as partes assumiram expressamente a vontade real de ambas em concretizar o negócio, razão pela qual, foi entregue ao Recorrente, a título de sinal, o montante de € 97 500,00 (noventa e sete mil e quinhentos euros).

  9. Resulta como provado, nomeadamente pelos depoimentos das testemunhas A.. e J.., que o contrato definitivo não se concretizou por perda de interesse do Autor no mesmo, ou seja, por causa imputável a este.

  10. O Autor declarou, categoricamente, que não pretendia mais realizar o negócio, o que traduz um incumprimento definitivo da obrigação que pendia sobre o mesmo de celebrar o contrato prometido de cessão da quota.

  11. Por este motivo, tem o Recorrente a faculdade de fazer sua a quantia entregue pelo Autor a título de sinal, nos precisos termos do disposto no nº 2 do art. 442º do Código Civil, uma vez que o Autor não cumpriu com a obrigação de celebrar a cessão de quotas por causa que lhe é exclusivamente imputável.

  12. O montante de € 97 500,00 (noventa e sete mil e quinhentos euros) entregue pelo Autor a título de sinal pela cessão de quotas, deverá ser legitimamente atribuído ao Recorrente em face do incumprimento do Autor.

  13. A arguição da nulidade do contrato promessa pelo Autor, excede manifestamente, no caso concreto, os limites impostos pela boa fé, pois, além de estar em contradição com o procedimento adoptado ao longo da relação contratual que manteve com o Recorrente, representa um venire contra factum proprium a justificar a intervenção do artº 334º do Cod. Civil, ou seja, a paralisação do exercício do direito por excesso manifesto dos limites impostos pela boa-fé.

  14. O abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, pressupõe uma situação objectiva de confiança, com base na qual a contraparte realiza investimentos, que ficam irreversivelmente comprometidos com a conduta contrária àquela que gerou a confiança.

  15. Deve-se admitir a possibilidade de neutralização da arguição nulidade do contrato com fundamento em abuso do direito (normalmente invocando-se o venire contra factum proprium ( inalegabilidades formais para Menezes Cordeiro).

  16. A dispensa das formalidades do contrato promessa celebrado, prescritas nos termos do disposto nos arts. 228º do Código das Sociedades Comerciais e 410º do Código Civil, foi consentida e acordada entre as partes, pelo que, a declaração de nulidade do contrato invocada pelo Autor, apenas traduz o desinteresse manifesto na concretização do contrato definitivo de cessão de quotas.

  17. Invocar a nulidade do contrato promessa por vício de forma nos termos em que o fez o Autor, configura uma situação de abuso de direito nos precisos termos descritos no art. 334º do Código Civil.

  18. O contrato promessa celebrado deverá, assim, ser considerado válido por expressar a vontade real das partes em determinado momento.

TERMOS EM QUE, deverá julgar-se o presente recurso procedente e, em consequência, ser revogada a douta decisão proferida, assim se fazendo, como habitualmente J U S T I Ç A ! 1.6- O apelado contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença apelada, considerando que a sentença do tribunal a quo não merece qualquer reparo.

Para tanto, concluiu do seguinte modo: 1.º Com o devido respeito, o aqui recorrido não vê nenhum fundamento para que a sentença de fls. seja alterada.

  1. O que resultou do depoimento de parte do R. e das testemunhas por este arroladas, foi uma série de contradições e incongruência, cujo único intuito foi o de tentar ludibriar o Tribunal.

  2. No que se refere ao depoimento...

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