Acórdão nº 2615/11.2TBBCL.G1-A de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução12 de Junho de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO J.. intentou acção de reconhecimento judicial de paternidade contra A.. pedindo que o réu seja reconhecido como seu pai e seja ordenada a necessária rectificação no respectivo assento de nascimento.

Alegou que nasceu no dia 17 de Maio de 1965, tendo sido registado sem nome do pai e avós paternos, tendo tomado conhecimento, muito recentemente, através de sua mãe, que o réu seria seu pai.

Contestou o réu excepcionando a caducidade do direito do autor intentar a presente acção, nos termos do disposto nos artigos 1873.º e 1817.º do Código Civil. Sem prescindir, contesta por impugnação, aceitando que manteve um relacionamento amoroso com a mãe do autor até 1963, sendo que, durante o período de concepção do autor, a sua mãe manteve relações sexuais com mais de quatro homens, podendo qualquer um deles ser o seu pai.

Replicou o autor para dizer que o preceito invocado pelo réu para sustentar a caducidade, é inconstitucional, sendo que a acção de reconhecimento judicial de paternidade foi intentada em tempo, por se entender que o direito fundamental, inviolável e imprescindível, de conhecer a paternidade, não tem prazo. No mais mantém o já alegado na petição inicial, sustentando a exclusividade do relacionamento sexual de sua mãe com o réu.

Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, tendo-se julgado improcedente a excepção de caducidade invocada pelo réu e definida a matéria de facto assente e a base instrutória.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o réu, tendo terminado as suas alegações com as seguintes Conclusões: 1- Nos termos da nova redacção introduzida no artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, as acções de investigação de paternidade, por remissão do art. 1873 n.º 1 do Código Civil — passaram a poder ser propostas “durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”; 2- Na versão originária do art. 1817.º, n.º 1, do mesmo Código, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de Novembro, o referido prazo era substancialmente inferior, ou seja, de apenas dois anos; 3- No entanto, por força da prolação do Acórdão 23/2006, deste Tribunal Constitucional, tal prazo foi considerado insuficiente, tendo o mesmo Acórdão, por esse motivo, declarado “a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26, n.º 1, 36.º, n.º 1 e 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa” 4- No seguimento da publicação do Acórdão 23/2006, o Supremo Tribunal de Justiça, em sucessivos acórdãos, veio reconhecer a imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, considerando, assim, o direito a conhecer a paternidade como um direito inviolável e imprescritível; 5- A propositura de acções de investigação de paternidade deixou, pois, de estar sujeita, por via da referida jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a um prazo de caducidade, podendo tais acções ser, por isso, intentadas a qualquer altura; 6- Com a publicação da Lei n.º 14/2009, esta situação alterou -se, estabelecendo - se, agora, um prazo de dez anos, após se atingir a maioridade ou a emancipação, para a propositura de acções de investigação de maternidade ou de paternidade; 7- “A caducidade enquanto figura extintiva de direitos, pelo seu não exercício em determinado prazo, procura satisfazer os interesses da certeza e estabilidade das relações jurídicas, os quais exigem a sua rápida definição, impulsionando os titulares dos direitos em jogo a exercê-los num espaço de tempo considerado razoável, sob a cominação da sua extinção.” 8- “Apesar da inexistência de qualquer prazo de caducidade para as acções de investigação da paternidade, permitindo que alguém exerça numa fase tardia da sua vida um direito que anteriormente negligenciou, poder corresponder a um nível de protecção máximo do direito à identidade pessoal, isso não significa que essa tutela optimizada corresponda ao constitucionalmente exigido.” 9- “(…) o direito ao estabelecimento do vínculo da filiação não é um direito absoluto que não possa ser harmonizado com outros valores confituantes, incumbindo ao legislador a escolha das formas de concretização do direito que, dentro das que se apresentem como respeitadoras da Constituição, se afigure mais adequada ao seu programa legislativo.” 10- “Ao ter optado por proteger simultaneamente outros valores relevantes da vida jurídica através da consagração de prazos de caducidade, o legislador não desrespeitou, as fronteiras da suficiência da tutela, uma vez que essa limitação não impede o titular do direito de o exercer, impondo-lhe apenas o ónus de o exercer num determinado prazo.” 11- “Os efeitos da aplicação deste prazo, só podem ser medidos, na sua devida extensão, se ponderarmos também a latitude com que são admitidas, no regime envolvente daquela norma, causas que obstem à preclusão total da acção de investigação, por força do decurso do prazo geral de dez anos, após a maioridade.” 12- “(…) o prazo de dez anos após a maioridade ou emancipação previsto no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil não funciona como um prazo cego, cujo decurso determine inexoravelmente a perda do direito ao estabelecimento da paternidade, mas sim como um marco terminal de um período durante o qual não opera qualquer prazo de caducidade.

13- “O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, revela-se, pois, como suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a instauração pelo filho duma acção de investigação da paternidade, durante a fase da vida deste em que ele poderá ainda não ter a maturidade, a experiência de vida e a autonomia suficientes para sobre esse assunto tomar uma decisão suficientemente consolidada.” 14- “(…) cumpre concluir que a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante, não se afigura desproporcional, não violando os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, abrangidos pelo direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artigo 26.º, n.º 1, e o direito a constituir família, previsto no artigo 36.º, n.º 1, ambos da Constituição.” 15- Ao decidir como decidiu, subscrevendo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/11/2011 (de que foi relator o Senhor Juiz Conselheiro Martins de Sousa), julgando assim inconstitucional a aplicação do actual artigo 1817.º, n.º 1 do CC, que fixa o prazo de 10 anos posteriores à maioridade (i.e., até aos 28 anos de idade) ou emancipação para a instauração da acção de investigação de paternidade por via do art. 1873.º do Código Civil, o Tribunal a quo interpretou erroneamente as normas dos artigos 26.º e 36.º, ambos da Constituição e violou os artigos 1873.º e 1817.º, ambos do Código Civil.

O autor contra alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Já neste Tribunal, foi alterada a forma de subida do recurso, por se ter considerado que o mesmo devia ter subido em separado, ordenando-se, em conformidade, a autuação do recurso em separado, com as peças indicadas pelo recorrente e a baixa dos autos principais à 1.ª instância.

Foram colhidos os vistos legais.

A única questão a resolver traduz-se em saber se ocorreu a caducidade do direito do autor de intentar a presente acção de investigação de paternidade.

  1. FUNDAMENTAÇÃO A matéria de facto é a que consta do relatório que antecede, devendo ter-se, como assente, que o autor nasceu em 17 de Maio de 1965 e...

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