Acórdão nº 128/10.9TBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelISABEL ROCHA
Data da Resolução13 de Setembro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO Humberto, casado, residente na rua de Vilela n.º …, S. Gens, 4820-672 concelho de Fafe, intentou contra A… – Auto-Estradas do Norte, SA, com sede no edifício Ariane, Rua Antero de Quental, n.º …, 3.º, apartado 5026, Freixeiro, Perafita, a presente acção declarativa comum, sob a forma sumária, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 14.426,36 (catorze mil quatrocentos e vinte e seis euros e trinta e seis cêntimos), acrescida dos juros moratórios contados, desde a citação até integral pagamento .

Para tanto, alegou, em síntese, que: no dia 19 de Fevereiro de 2009, pelas 21h45, ocorreu um acidente entre o seu veículo ligeiro de passageiros de matrícula 42-AG-36, conduzido por Liliana, e um animal selvagem de raça raposa; o embate deu-se na A11, seguindo o dito veículo no sentido Braga-Guimarães, à velocidade de 80 km/h; o animal invadiu a faixa de rodagem quando a condutora se encontrava a cerca de 2/3 m do mesmo, resultando impossível àquela travar ou desviar a trajectória, produzindo-se a colisão; o veículo entrou em despiste, ficando danificado, orçando a sua reparação na quantia de € 7.26,36; a privação do veículo durante o período de reparação causou prejuízos e incómodos ao Autor; por causa dos danos que sofreu em consequência do acidente, o veículo ficou desvalorizado.

A Ré contestou, alegando que as vedações da via onde ocorreu o acidente se encontravam em bom estado no dia do acidente, o que foi constatado nos patrulhamentos efectuados e ainda que: no dia em que ocorreu o acidente, não foi detectada a existência de qualquer animal na auto-estrada; no próprio momento imediatamente posterior ao embate não foi verificada a existência de qualquer animal; só posteriormente a Ré foi contactada por familiar da condutora, que lhe deu conta da presença de uma raposa morta nas proximidades do local do sinistro.

Requereu ainda a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros F…, SA, com fundamento no facto de ter celebrado o contrato de seguro com essa sociedade para cobertura dos sinistros ocorridos nas auto-estradas.

O Autor respondeu.

O chamamento requerido foi deferido e, citada a interveniente, veio esta contestar, aderindo à contestação apresentada pela Ré.

Foi proferido despacho saneador, fixou-se a matéria de facto assente e organizou-se a base instrutória, que foi objecto de reclamação parcialmente atendida.

Realizada a audiência de julgamento, decidiu-se sobre a matéria de facto controvertida e proferiu-se sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenando: Solidariamente a Ré A…– Auto Estradas do Norte, S.A., e a Interveniente Companhia de Seguros F…, SA, a pagarem ao Humberto a quantia de € 5.426,36 (cinco mil quatrocentos e vinte e seis euros e trinta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4% aplicável aos juros civis, sem prejuízo de posterior alteração legislativa; A Ré A… – Auto Estradas do Norte, SA, a pagar ao Autor Humberto a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4% aplicável aos juros civis, sem prejuízo de posterior alteração legislativa; No mais peticionado, foram a Ré e a Interveniente absolvidas.

Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença apresentando alegações com as seguintes conclusões: I. Entende a R., ora apelante, que o Tribunal a quo não analisou correctamente a prova produzida pelas partes, incorrendo em erro de apreciação da prova no que se refere à matéria dos artigos 1º, 2º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 12º, 13º, 17º, 18º, 19º e 30º da douta b. i.; II. Na verdade, resulta de modo bem evidente da transcrição efectuada no corpo destas alegações que foi vista uma raposa, sim (por várias pessoas, aliás), mas também decorre claramente do transcrito que não é possível concluir, ainda que com recurso às regras da experiência comum, que aquele animal tenha sido interveniente no acidente narrado pelo A. ou sequer que tenha acontecido um embate entre o veículo do A. e aquele animal; III. Acresce que a participação de acidente de viação elaborada pela autoridade policial, analisada em conjunto com o depoimento de várias testemunhas, não é minimamente fidedigna quanto ao que foi directamente percepcionado pelo seu autor (o animal) e sobretudo em que altura isso aconteceu, além de que é nítido que se verifica uma espécie de “associação inconsciente” (por parte designadamente das testemunhas Liliana Costa, Maria Celeste Ribeiro e Alzira Costa) ao acidente dos autos do animal posteriormente encontrado, sendo certo que essa não foi, de modo algum, a primeira percepção que tiveram; IV. Depois, constata-se que o Tribunal a quo privilegiou claramente - e sem, parece-nos, qualquer razão atendível para tal - as “investigações” tendentes a procurar um animal efectuadas mais tarde pela testemunha Norberto Rodrigues e a mulher e filhas do A. em detrimento daquelas efectuadas nos momentos seguintes ao acidente pelo agente da brigada de trânsito e o funcionário da R., para tal invocando eventuais (mas não demonstradas) falhas nesta busca por parte destes últimos até devidas ao estado do tempo e às condições de luminosidade que, de modo algum, foram também tidas em consideração no que concerne à “investigação” dos primeiros efectuada posteriormente; V. Além disso, não considerou criticamente, como lhe competia, a manifesta divergência existente relativamente ao local onde a dita raposa foi encontrada (na berma esquerda, no alcatrão, e não no separador central) e a igualmente manifesta divergência quanto ao modo, à extensão e ao local onde a brigada de trânsito e o funcionário da R. fizeram essa busca; VI. Não existem, por isso, quaisquer elementos probatórios seguros que ocorreu um acidente com um animal ou então se apenas houve um despiste sem colisão com um animal, primeiro, e depois, a ter acontecido um embate com um animal, se esse embate se produziu entre o veículo do A. e aquele animal que veio a ser encontrado mais tarde; VII. Assim, a resposta comum a todos os artigos 1º, 2º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º da b. i. devia ter sido (não provado) ou, quando muito, e a entender-se dar como provado que eclodiu um acidente com um animal, aqueles artigos deviam ter merecido respostas explicativas no sentido de que não se logrou provar um acidente com uma raposa e, muito menos, com aquela encontrada a posteriori, o mesmo devendo acontecer, aliás, relativamente aos artigos 12º e 13º da b. i.; VIII. Também os artigos 17º, 18º e 19º da b. i. deviam ter sido dados como não provados, posto que é evidente, mormente do depoimento da testemunha Maria Celeste Ribeiro transcrito nestas linhas, que o A. não sofreu qualquer dano – e nem podia – decorrente da alegada privação do uso do veículo; IX. Por último, e salvo, uma vez mais, o devido respeito, entende a R./apelante que o artigo 30º da b. i. devia ter sido dado como provado na sua totalidade, o que decorre outra vez dos depoimentos transcritos (não só devido à patente divergência quanto a este aspecto que se regista entre os depoimentos de Norberto Rodrigues e a mulher e filhas do A., mas também pelo que resulta do depoimento de Anselmo Ribeiro); Isto posto, X. Andou bem a douta sentença quando entendeu que a matriz da responsabilidade em caso de acidente ocorrido em AE é nitidamente extracontratual e, aliás, entende a R., agora como antes do advento da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho; XI. Porém, já assim não sucede quando sustenta que aquela Lei nº 24/2007, de 18 de Julho é aplicável ao acidente dos autos nem quando defende – pouco convictamente, parece-nos - que o seu artigo 12º nº 1 encerra uma presunção de culpa que onera as concessionárias de AE; XII. De resto, quanto a este último ponto, bastará tão-só ler aquele artigo 12º nº 1 e compará-lo com a redacção do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil (inaplicável ao sinistro sub judice) para se concluir facilmente que apenas se operou uma inversão do ónus da prova, agora a cargo das concessionárias de AE, não estando consagrada qualquer presunção de culpa – cfr. ac. desta RG de 23-9-2010 e Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho; XIII. Ora, para que seja possível enquadrar o sinistro dos autos no âmbito do artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho e naturalmente para que seja possível a inversão do ónus da prova ali prevista, importa que a autoridade policial (e nos momentos seguintes a este ter eclodido) verifique obrigatoriamente no local, nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, as causas do sinistro, o que, de forma alguma, cerceia os direitos do lesado ou faz com que a autoridade policial se substitua seja de que maneira for aos Tribunais, mas apenas garante que foi aquela (e não outra qualquer) a causa do acidente (e tanto para o lesado como para a concessionária de AE) e ainda que há condições para a inversão do ónus da prova – cfr. o citado ac. RP de 15-12-2010; XIV. Contudo, e como resulta limpidamente dos autos, tal não sucedeu na altura própria e nem há prova minimamente segura (e essa prova exigia-se) que o animal encontrado mais tarde tenha sido o interveniente no sinistro dos autos, apesar daquilo que consta escrito na participação de acidente de viação e que – é manifesto - não é rigoroso nem corresponde à verdade; XV. Por isso, entende a R./apelante que é incorrecta e totalmente especulativa – o que se diz, uma vez mais, ressalvando o respeito devido – a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, i. e., que não restam dúvidas que o animal interveniente no sinistro foi aquele, como é igualmente errada e não ancorada em factos e/ou em prova a conclusão que o animal não foi encontrado num primeiro momento devido a uma qualquer deficiência na procura então efectuada; XV. Efectivamente, não se demonstra que houve falha (pelo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT