Acórdão nº 165/13.1TAPVL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução02 de Novembro de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1. Após despacho de arquivamento, de harmonia com o disposto no art. 277º n.º 2 do Código de Processo Penal, proferido pelo Magistrado do Ministério Público a fls. 139 a 141, e inconformada com o mesmo, veio a (entretanto constituída) assistente Leonor M., a fls. 147 a 152, requerer a Abertura da Instrução.

  1. Remetido o processo à distribuição como Instrução, pelo Mmo Juiz de Instrução Criminal (JIC), no dia 14.04.2015, foi proferido despacho em que decidiu rejeitar liminarmente o requerimento para abertura de instrução.

  2. Inconformada com tal despacho, no dia 14.05.2015, veio a assistente a interpor recurso (constante de fls. 187 a 194), extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “A) O presente recurso tem como objecto o douto Despacho de rejeição do Requerimento de Abertura de Instrução por inadmissibilidade legal.

    1. O meritíssimo Juiz de Instrução Criminal do Tribunal “ a quo” considera, no seu despacho de rejeição, que “(…) a assistente não fez no requerimento de abertura de instrução a necessária inventariação factual equivalente a uma acusação pública, porquanto não enumerou de forma cabal, precisa, concreta e determinada os factos que pretende estarem indiciados, susceptíveis de integrarem a prática por um concreto indivíduo de um ilícito típico que permita a aplicação de uma pena.”, C) Considerando ainda o Tribunal “a quo” que “a assistente aflora (e muito de leve) a factualidade alegadamente em causa no caso em apreço.” D) A par dos requisitos do artigo 287º do CPP em que o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais mas deve conter em súmula as razões de facto e de direito de discordância relativamente a não acusação, a indicação dos actos de instrução que pretenda levar a cabo, os meios de prova não considerados, bem como a remissão para o artigo 283º, n.º 3, alíneas b) e c), do CPP.

    2. Na sequência do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, a Assistente requereu a abertura de Instrução, na qual narrou os factos criminalmente censuráveis, o contexto em que tais factos ocorreram e a intervenção directa do Arguido José C. nos mesmos e, para tal, apresentou e requereu a correspondente produção de prova, cumprindo, assim, o disposto no n.º 2 do artigo 287º, do CPP.

    3. Ou seja, a Assistente narrou sinteticamente que tomou conhecimento que a propriedade do seu veículo automóvel, com a matrícula ..-..-.., havia sido transferida para outrem sem a sua intervenção e autorização.

    4. Seguidamente, o relatório pericial concluiu que a assinatura aposta no Requerimento de Registo Automóvel não é da autoria da Assistente.

    5. A testemunha Maria J. confirmou que foi o Arguido José C. quem lhe vendeu o veículo em questão e lhe entregou toda a documentação já preenchida.

    6. Actualmente, consta do Registo Automóvel como proprietária do veículo Laurentina C., que é mãe do Arguido.

    7. Acrescentou ainda a Assistente que o Arguido esteve sempre na posse do veículo em questão, circulando diariamente com o mesmo.

    8. Todos estes factos demonstram claramente que o Arguido José C. teve total intervenção nas referidas transmissões de propriedade, com o único intuito de causar prejuízo à Assistente e obter para si um benefício ilegítimo, utilizando para o efeito um documento que falsificou.

    9. Além disso, sendo este veículo automóvel um bem comum do casal, o Arguido cometeu um crime de furto por exceder a sua quota parte na divisão deste bem.

    10. Concluiu então a Assistente que, por todos os factos expostos, fica por demais claro e evidente que o Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito de haver para si um bem que também pertence à Assistente, ora Recorrente, fazendo uso de meios fraudulentos para fazer “desaparecer” do património comum do casal o veículo automóvel em questão e com isso prejudicar a Assistente no momento da partilha, o que o Arguido previu e quis, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

    11. Portanto, não estamos perante insuficiente factualidade, sabendo através de tal Requerimento de Abertura de Instrução quem, quando e de que forma foram praticados determinados factos e que esses factos constituem crime, no caso em apreço, um crime de falsificação de documento e um crime de furto.

    12. Requereu ainda a Assistente diligências de prova, que não foram tidas em conta e que deveriam ter sido consideradas.

    13. Não só a Recorrente descreveu os factos, como alegou quais as disposições violadas, sendo perfeitamente inteligível o entendimento de quais os factos que estão em causa, e a razão pela qual a Recorrente entende dever haver acusação, pelo que o Requerimento de Abertura de Instrução deveria ter sido admitido.

    14. O Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal do Tribunal a quo, ao rejeitar liminarmente o Requerimento da Assistente para Abertura da Instrução, com fundamento em inadmissibilidade legal, violou o disposto nos artigos 283º e 287º, do CPP.

    Nestes termos e nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido substituindo-se por outro que decida de harmonia com as antecedentes conclusões, admitindo-se o requerimento apresentado pela Assistente e declarando-se aberta a Instrução, sendo assim feita uma correcta aplicação da lei e a mais elementar JUSTIÇA.” 4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 195.

  3. O Ministério Público junto do tribunal recorrido, a fls. 199 a 202, respondeu ao recurso, concluindo que no sentido da sua improcedência e manutenção da decisão recorrida.

  4. O arguido não respondeu ao recurso 7. Nesta Relação, a Exma Procurador-Geral Adjunta (a fls. 210 a 212), sufragando posição evidenciada pelo magistrado do Ministério Público da primeira instância, emitiu parecer no sentido que o recurso deve ser julgado improcedente.

  5. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.

  6. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 1. Delimitação do objecto do recurso Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

      No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, a questão a decidir consiste em saber se o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente deveria ou não ter sido rejeitado; neste âmbito se apreciará a admissibilidade do convite ao aperfeiçoamento.

      * 2. A decisão recorrida É do seguinte teor a decisão recorrida: “Requerimento de abertura da instrução de fls. 147 e seguintes.

      Conforme resulta da lei processual penal, a instrução, como fase intermédia entre o inquérito e o julgamento, «visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento» – artigo 286.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

      Finda a instrução, o juiz deverá proferir despacho de pronúncia ou de não pronúncia, sendo certo que a opção por um ou por outro se relaciona com o facto de até ao encerramento da instrução se haver logrado ou não recolher indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança – artigos 308.º, n.º 1, e 283.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.

      Efectivamente, nesta fase não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, mas tão-só indícios de que um crime foi eventualmente cometido por determinado arguido, sendo certo que a decisão a proferir no final desta fase não é uma decisão jurisdicional de mérito, mas sim uma decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase do julgamento.

      Deve, assim, o juiz de instrução compulsar e ponderar toda a prova recolhida e fazer um juízo de probabilidade sobre a condenação do arguido e, em consonância com esse juízo, remeter ou não a causa para a fase de julgamento.

      No fundo, a fase de instrução permite que a actividade levada a cabo pelo Ministério Público durante a fase do inquérito possa ser controlada através de uma comprovação por via judicial, traduzindo-se essa possibilidade na consagração, no nosso sistema, da estrutura acusatória do processo penal, a qual encontra assento legal no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

      Por isso, a actividade processual desenvolvida na instrução é materialmente judicial e não materialmente policial ou de averiguações – Acórdão da Relação de Lisboa de 12/07/1995, CJ, XX, 4.º, pág. 140, e Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 128.

      Nos termos do disposto no artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, podem requerer a abertura de instrução o arguido e o assistente, esclarecendo a lei quem pode constituir-se como assistente em processo penal.

      Estatui o artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, referindo-se ao requerimento de abertura de instrução, que o mesmo deve conter «em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for o caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar», sendo certo que a tal requerimento, quando formulado pelo assistente, é aplicável «o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) (...)».

      Quer isto dizer que o requerimento de abertura de instrução do assistente está sujeito ao formalismo da acusação, isto é, equipara-se-lhe (vide Acórdão da Relação de Lisboa de 12/05/1998, BMJ n.º 477.º, pág. 555; da Relação do Porto de 15/04/1998, BMJ n.º 476.º, pág. 487; da Relação de Lisboa de...

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