Acórdão nº 1100/12.0TVPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelESTELITA MENDON
Data da Resolução09 de Julho de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Processo n.º 1100/12.0TVPRT.G1.

Recorrente: AA S.A..

Recorrido: BB.

*Acordam na 1ª secção civil do Tribunal da Relação de Guimarães: * Com data de 2 de Dezembro de 2014 foi proferida a seguinte decisão (itálico de nossa autoria): “Na sua contestação, a Ré, B, invocou a exceção de preterição do Tribunal Arbitral Voluntário, alegando, em síntese, que o contrato de franchising celebrado entre a Autora, a “CC, SARL” e a Ré, prevê na cláusula XXVIII, sob o título “cláusula de arbitragem” que “…qualquer questão ou conflito resultante do presente contrato será definitivamente resolvido através de arbitragem (…)”.

Na réplica, a Autora divergiu do entendimento da Ré, sustentando que a cláusula de arbitragem invocada se não aplica ao presente litígio, porque a Ré intervém no contrato na qualidade de fiadora, oferecendo garantia pessoal do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, sendo assim aplicável o teor da cláusula XXIX do contrato, nos termos da qual “…em todos os casos em que, por qualquer razão, a arbitragem não tenha lugar ou, como consequência, seja necessário ir a Tribunal, ambas as partes, renunciando ao seu foro, caso o possuam, submetem-se à competência e jurisdição dos tribunais da comarca de Vila Nova de Famalicão.” Cumpre decidir (art.º 98º, do CPC): A existência de tribunais arbitrais encontra-se prevista pela redação atual do artigo 209º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

Através da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, (Lei de Bases da Arbitragem Voluntária - LAV) que precedeu a atualmente vigente Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária) foi densificado o quadro normativo dos tribunais arbitrais.

O artigo 1º da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011 – aplicável às convenções celebradas antes da sua entrada em vigor, com exceção dos emergentes ou relativos a contrato de trabalho e do regime de recursos), sob a epígrafe “Convenção de Arbitragem”, prevê as condições em que um litígio pode ser submetido à apreciação de um tribunal arbitral voluntário, nos seguintes termos: “1. Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.

2 - É também válida uma convenção de arbitragem relativa a litígios que não envolvam interesses de natureza patrimonial, desde que as partes possam celebrar transacção sobre o direito controvertido.

3 - A convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que afecto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória). 4 - As partes podem acordar em submeter a arbitragem, para além das questões de natureza contenciosa em sentido estrito, quaisquer outras que requeiram a intervenção de um decisor imparcial, designadamente as relacionadas com a necessidade de precisar, completar e adaptar contratos de prestações duradouras a novas circunstâncias.” Encontra-se, assim, excluída pela redação dos nºs. 1 e 2 do artigo em apreço, a possibilidade de submeter a apreciação dos tribunais arbitrais a solução de litígios que reportem a direitos indisponíveis, outros que por lei devam ser necessariamente submetidos a tribunais do Estado ou a arbitragem necessária.

A convenção arbitral é um negócio jurídico bilateral, resultante do entendimento de vontades das partes.

A arbitragem voluntária é, por isso, “…contratual na sua origem, privada na sua natureza, jurisdicional na sua função e pública no seu resultado” (cfr. fundamentação, citando Francisco Cortez, “A Arbitragem Voluntária em Portugal”, in “O Direito”, pág. 555, do douto Acórdão do STJ de 18.01.2000, no processo n.º 99A1015, in www.stj.pt).

Os tribunais arbitrais voluntários são instituições de natureza privada cujas decisões, por participarem no exercício da função jurisdicional, veem por lei ser-lhes reconhecida a força do caso julgado e executiva (art.º 26º da Lei 31/86).

Na convenção arbitral, ambas as partes ficam constituídas no ónus de, querendo ver decidido litígio que se compreenda no seu objeto, preferirem a jurisdição arbitral, privada, à jurisdição pública. Se porventura, apesar da existência de convenção de arbitragem, uma das partes no litígio demandar a outra em tribunal judicial, o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, por ocorrer a exceção dilatória da preterição do tribunal arbitral (neste sentido, Lopes dos Reis, in “Questões de Arbitragem Ad-Hoc II”, Revista da Ordem dos Advogados, n.º 59, pág. 292.

A preterição de tribunal arbitral voluntário determina a incompetência absoluta do tribunal (artigo 96º, alínea b) do CPC) e constitui exceção dilatória que obsta à apreciação do mérito da causa, dando lugar à absolvição do réu da instância (artigos 576º, n.º 2 e 577º alínea a), ambos do CPC).

No caso vertente, a exceção foi suscitada pela Ré e o pedido da ação versa direito de natureza patrimonial não está submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária.

O contrato de franchising celebrado entre a Autora, na qualidade de “franchisador”, a “CC, SARL”, na qualidade de franchisado, e a Ré, na qualidade de fiador, prevê na cláusula XXVIII, sob o título “cláusula de arbitragem” que “…qualquer questão ou conflito resultante do presente contrato será definitivamente resolvido através de Arbitragem (…)”.

A cláusula em apreço obedece à forma escrita prevista pelo artigo 2º, nºs. 1 e 2 da LAV e, salvo melhor opinião, aplica-se à presente ação, na medida em que o pedido se funda exclusivamente no não cumprimento de obrigações constituídas por mor do contrato em causa.

Na verdade, a decisão do pedido depende da apreciação das seguintes questões suscitadas pela Autora: - a obrigação do franchisado pagar à franchisadora o preço da mercadoria que lhe foi fornecida no âmbito da relação contratual; - a obrigação da Ré fiadora pagar à franchisadora, o montante contratual em dívida pelo franchisado, por força da fiança contratualmente constituída pela cláusula XVIII do contrato de franchising, nos seguintes termos “Os terceiros contraentes constituem-se fiadores e principais pagadores, renunciando desde já ao benefício de excussão prévia, pelos débitos do segundo contraente resultantes do presente contrato.” Assim, quer porque a decisão da presente ação pressupõe a apreciação do direito de crédito da Autora sobre a “CC, SARL” à luz do contrato de franchising, quer porque a garantia que serve de fundamento à demanda da Ré constitui uma obrigação contratualmente prevista e assumida pela Ré na qualidade de parte contratante, é aplicável à presente demanda a cláusula de arbitragem estipulado sob o ponto XXVIII do contrato.

*Pelo exposto, julgo procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal, por preterição do tribunal arbitral voluntário, absolvendo a Ré da instância.

Custas pela Autora (art.º 527º, n.º 2 do CPC).

Notifique”.

Interpôs recurso de Apelação a A. terminando com as seguintes CONCLUSÕES: I - A Sentença proferida pelo tribunal de primeira instância merece a nossa inteira censura, não só porque o douto tribunal a quo parece ignorar, para tomar a sua decisão, os fundamentos legais invocados pela Autora, mas também porque, simultaneamente, viola frontalmente a lei ao fazer uma errada aplicação das normas que invoca para sustentar a sua posição.

II - Não se pode, igualmente, olvidar que peca ainda a douta sentença por não tomar em atenção a informação relevante constante dos autos e cuja análise cuidadosa importaria uma decisão contrária à proferida, nos termos do art. 616.º, n.º 2, a) do NCPC, o que desde já se invoca, face à existência de uma cláusula de foro judicial que não foi tida nem considerada, mas apenas levianamente referida.

III - A decisão do tribunal judicial, ora em crise, é incoerente e insensata, fazendo depender a apreciação da excepção invocada de factos e questões jurídicas que não lhe são nem prejudiciais, nem necessariamente dependentes.

IV - Aqui, na discussão da excepção da preterição do tribunal arbitral, apenas nos interessa uma coisa: se se aplica ou não a cláusula compromissória arbitral, e em caso afirmativo, se esta é valida e eficaz.

V – Defendemos a inaplicabilidade da cláusula arbitral à relação contratual existente entre o franquiador e o fiador, importando apenas as obrigações existentes entre estas partes e a forma como ambas configuraram a sua relação.

VI - A cláusula de arbitragem invocada pela Ré, na nossa opinião, apenas se aplica caso se suscite alguma questão ou conflito resultante do contrato de franquia, ou seja, apenas existe lugar a competência exclusiva do tribunal arbitral no caso de existir incumprimento de um dos dois outorgantes directamente envolvidos no negócio (franquiado e franquiador) ou se se verificar dúvidas quanto à interpretação de alguma cláusula, o que não é o caso.

VII - A Ré intervém no presente contrato a título de fiadora, ou seja, mediante garantia pessoal por si outorgada e com o intuito de apenas garantir o cumprimento das obrigações de pagamento que nasceram para a franquiada com a celebração do contrato em questão. (Art.º 627.º do Código Civil).

VIII - Entender o contrário seria aceitar então que se considerava que a fiadora estaria sujeita a todas as obrigações contratuais nele previstas, desde a obrigação de não concorrência à obrigação de receber a indemnização de clientela com o fim do contrato, o que não se pode aceitar.

IX - A única cláusula dirigida expressamente à Ré, na qualidade de fiadora, é precisamente a cláusula XVIII onde se constitui a mesma fiadora e renuncia ao benefício de excussão prévia, limitando-se todas as restantes a tutelar expressamente as relações entre o franquiador e o franquiado, facto esse que se denota em especial na cláusula XXV, onde para além da...

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