Acórdão nº 616/13.5TBFAF-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Março de 2015
Magistrado Responsável | ANT |
Data da Resolução | 05 de Março de 2015 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A) Por sentença proferida em 09/04/2013, foi declarada a insolvência de J.. e aberto o incidente de qualificação da insolvência, com carácter pleno.
A Sra. Administradora de Insolvência emitiu parecer no sentido da insolvência ser declarada culposa, alegando, em síntese, que o insolvente reside, a título de comodato, no imóvel que transmitiu à irmã a 27-10-2009 e que essa transmissão ocorreu por um preço muito inferior ao valor de mercado, o que prejudicou os interesses dos credores do insolvente, concluindo que tais factos permitem a presunção de insolvência culposa nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 186º do CIRE.
O Mº Pº, concordando com as razões constantes do parecer da Sra. Administradora de Insolvência, pronunciou-se no sentido de dever a insolvência ser qualificada como culposa.
O insolvente J.. veio deduzir oposição à qualificação como culposa da insolvência, entendendo que a qualificação da insolvência deve ser julgada improcedente.
Alega, para tanto, em síntese, que o seu endividamento se deveu ao facto de ter dado vários avais pessoais a uma sociedade de que era sócio que foram acionados pelos credores e que originou o seu endividamento progressivo e desemprego e incumprimento das suas obrigações, pelo que teve de vender a sua habitação à sua irmã, a qual assumiu a responsabilidade do pagamento do crédito à habitação.
* Foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença onde se decidiu qualificar a insolvência como culposa e, consequentemente: 1. Indicar J.. como a pessoa afetada pela qualificação; 2. Declarar J.., pelo período de 3 anos, inibido para: a) administrar patrimónios de terceiros; b) o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa.
* B) Inconformado com a sentença, veio o insolvente J.. (fls. 90 e segs.) interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 122).
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Nas suas alegações, o apelante J.., formula as seguintes conclusões: 1. Ora, a decisão tomada, com a fundamentação constante da douta Sentença, face à factualidade não provada e ao caso concreto, não pode merecer como não merece a nossa concordância.
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Sendo que, em jeito de síntese, alegou o aqui recorrente que vendeu o imóvel à sua irmã tendo esta assumido uma dívida bancária do mesmo, pelo que não se verificou qualquer prejuízo, para os credores.
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Mais, esclareceu o aqui recorrente, aliás, conforme melhor consta dos documentos juntos aos autos que a sua irmã efetuou diversos pagamentos.
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Com efeito, o insolvente reside a título de comodato, no imóvel que transmitiu à sua irmã, conforme escritura de f. 258-259, aí reproduzida, que era detentor de dois créditos de natureza garantida por hipotecas nos valores respetivos de 63.835,00€ e de 26.695,54€ e que ficou desempregado em final de 2008, dá igualmente como não provado que a irmã do insolvente decidiu adquirir o imóvel, face à condição económica do irmão, assumindo a divida global do irmão.
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Pelo que, a conclusão a que o Tribunal chegou nesta parte é absolutamente irreal, infundada e até contraditória, pois não se encontra provado qualquer nexo de causalidade entre a venda da habitação e o agravamento da situação de insolvência, não bastando presumir, pois é necessário demonstrar, o que aliás é corroborado por toda a prova testemunhal.
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Facilmente se verifica que o insolvente ao invés de ter agravado a sua situação financeira e patrimonial, fez precisamente o contrário aquando do seu desemprego inicial e face à impossibilidade de continuar a cumprir com a prestação bancária, relativamente ao imóvel de forma conscienciosa e responsável, optando por arranjar solução, nomeadamente negociar com a banca e venda do imóvel à sua irmã, a qual, diga-se em abono da verdade, já era sua fiadora.
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Também de referir, que os dois créditos bancários que incidem sobre o imóvel foram contraídos pelo insolvente e aquando da impossibilidade do cumprimento das prestações, foi a irmã do insolvente a adquirente do imóvel, que passou a suportar as prestações bancárias.
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Ora, foi realizada a respetiva audiência de discussão e julgamento nestes autos, e produzida a prova, o aqui recorrente entende existir nos mesmos prova suscetível de determinar uma decisão da matéria de facto e de direito diversa, sendo que a qualificação de insolvência como culposa deveria ter sido julgada como improcedente por não provada na sua totalidade e a Insolvência ser considerada fortuita, conforme respetivo pedido.
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No entanto, não foi isso que aconteceu.
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Sendo que, no nosso modesto entendimento, o tribunal "a quo” julgou incorretamente diversos pontos da matéria de facto.
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Ora, é hoje comummente entendido que a decisão do Tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662º do C.P.C.
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Assim, no presente caso, este Venerando Tribunal, tendo em atenção a gravação dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, deverá reapreciar os mesmos, designadamente reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações supra referidas do aqui recorrente - Cfr. nº 2 do art.º 662º do C.P.C.
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Pois, como supra se referiu, em face da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, impunha-se uma decisão diferente quanto à matéria de facto.
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O Tribunal "a quo" avaliou erradamente a prova testemunhal, pois, ao contrário do aludido na decisão, as testemunhas arroladas pelo insolvente, e o próprio insolvente no seu depoimento, de forma clara e coerente, demonstraram conhecimento direto dos factos, sendo perentórias na formação da convicção.
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Prestaram um depoimento útil, credível e consistente.
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Além do mais, a prova carreada para os autos pela administradora foi manifestamente insuficiente, para não dizer mesmo inexistente, para provar, ainda que indiciariamente, que a insolvência do recorrente é culposa.
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Aliás, muito pelo contrário, a prova produzida em julgamento, demonstrou claramente que a insolvência do recorrente é fortuita e não culposa.
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Desta forma, entende o aqui recorrente, que o tribunal "a quo" deveria ter dado outra resposta à matéria de facto constante nos factos não provados referidos na Douta Sentença da qual ora se recorre.
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Tal convicção decorre dos depoimentos gravados em sede de audiência de discussão e julgamento e que impunham decisão diversa em face do conteúdo dos depoimentos a seguir identificados.
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Da audição da administradora C.. depoimento gravado em CD áudio no dia 20/03/2014, duração 00:00:01 a 00:17:05, Cód.:20140320154840_11364L64359, designadamente aos minutos 08:31 a 08:56; 09:06 a 10:12 e 14:56 a 15:33, que o Meritíssimo Juiz "a quo" não levou em consideração, resulta mais uma prova só por si suficiente para se julgar a insolvência como fortuita.
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Sendo que, ao contrário do que foi o entendimento do Meritíssimo Juiz "a quo", este depoimento revelou-se bastante útil, pois vem confirmar tudo o que foi alegado pelo aqui recorrente.
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Repare-se que não se encontra provado qualquer nexo de causalidade entre a venda da habitação e o agravamento da situação de insolvência, não bastando presumir, pois é necessário demonstrar, o que aliás é corroborado por toda a prova testemunhal. Ao invés a venda veio aliviar financeiramente a situação do insolvente, cujas prestações foram pagas pela irmã do mesmo.
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Mais, a administradora nada provou, apenas presumiu.
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Sublinhe-se também, de extrema importância, o facto da falta de prova do nexo de causalidade entre a venda da habitação e o agravamento da situação de insolvência.
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Com o devido respeito, os depoimentos prestados em Audiência de Julgamento devem ser interpretados dentro do contexto em que se inserem, como um todo, e só...
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