Acórdão nº 2299/13.3TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA AM |
Data da Resolução | 23 de Novembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
M. R., melhor identificada nos autos, intentou contra Companhia de Seguros A – sucursal em Portugal, também melhor identificada nos autos, a presente ação declarativa sob a forma de processo ordinário, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 167.921,60, acrescida de juros de mora, desde a citação, à taxa legal de 4%, até integral pagamento.
No processo apenso, a Autora intentou contra a mesma Ré (outra) ação declarativa, sob a forma de processo sumário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a indemnização global de € 20.000,00, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efetivo pagamento.
Para fundamentar os pedidos formulados, a Autora alegou, em síntese, que no dia 15.10.2012 ocorreu um embate que vitimou mortalmente o seu filho, F. A., o qual faleceu no estado de divorciado e sem descendentes; na data do embate, o F. A. era transportado no veículo com a matrícula XX, propriedade da empresa “SC Unipessoal, L.da”, entidade patronal daquele; nessa data, o F. A. seguia sob as ordens e instruções da sua entidade patronal, no interior do mencionado veículo, com vista à prestação de serviço em Espanha; o embate deu-se em virtude de o motorista se ter despistado, quando seguia na Autopista n.º 9, no sentido Valença-Santiago de Compostela, porque seguia cansado e a velocidade superior a 160 km/h; o F. A. trazia o cinto de segurança colocado e apertado ao seu corpo, sendo que, não obstante isso, sofreu lesões graves, que lhe determinaram a morte, por choque hipovolémico; o F. A., na data do acidente, tinha apenas 40 anos, tendo a morte cortado de forma abrupta a relação de profundo amor e união que existia entre ele a sua mãe, sua única herdeira; o F. A. não teve morte imediata, tendo pressentido a iminência daquela, o que foi motivo de angústia; a Autora teve despesas de transladação e de funeral do F. A.; a proprietária do veículo acidentado transferiu para a Ré a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, incluindo o respetivo seguro de cobertura facultativa de acidentes pessoais (seguro de ocupantes), que previa o pagamento de € 10.000,00, em caso de morte (elevado ao dobro, se, na data, o sinistrado fosse portador, como era, de cinto de segurança).
* Regularmente citada a Ré apresentou contestação, nestes autos e nos autos apensos, nas quais impugnou, por desconhecimento, a dinâmica do acidente e a relação da morte do F. A. com a produção do mesmo.
Subsidiariamente, alegou que o F. A. não seguia com o cinto de segurança colocado (o que o torna o único responsável pelos danos sofridos).
Para além disso, invocou que a Autora não é a única herdeira do F. A. e que a indemnização derivada da garantia de seguro de ocupantes encontra-se consumida pelo direito exercido pela via extracontratual.
* A Autora apresentou articulado de resposta, nestes autos e nos autos apensos, onde, em síntese, impugnou que as cláusulas constantes das condições especiais do contrato de seguro tenham sido objeto de esclarecimento, e que quaisquer cláusulas limitativas do direito à indemnização lhe são inoponíveis, afirmando ainda que as indemnizações devidas, uma por via contratual e outra por via extracontratual, são cumulativas.
* Por despacho de fls.. 229 a 230, foi determinada a apensação das ações.
* Na data da audiência de julgamento, foi apresentado articulado superveniente, o qual foi admitido, nele alegando a Ré que, com referência à data do sinistro, o falecido F. A. vivia há mais de 2 anos com N. C., sendo ela a titular do direito à indemnização exercido pela Autora na ação principal.
Regularmente notificada, a Autora impugnou a factualidade alegada, negando que a N. C. vivesse em condições análogas às dos cônjuges com o seu filho F. A..
* Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão: “1. Julgo a ação principal parcialmente procedente, condenando a Ré (…) a pagar à Autora (…) a quantia de € 13.491,03 (…), acrescida dos juros devidos desde a citação até integral pagamento, à taxa legal de juros civis; 2. Julgo a ação apensa parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré (…) a pagar à Autora (…) a quantia de € 10.000,00 (…), a que acresce a quantia devida a título de juros vencidos e vincendos, desde a citação, até integral pagamento, à taxa legal de juros civis.
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Absolvo a Ré (…) do demais peticionado na ação principal e na ação apensa…”.
*Não se conformando com tal decisão, veio a A. dela interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na parte em que julgou a acção principal parcialmente improcedente e, bem assim, na parte em que julgou a acção apensa parcialmente improcedente.
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A Recorrente pretende impugnar a decisão da matéria de facto, com necessidade de reapreciação da prova gravada, e também a decisão relativa à matéria de direito.
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Os factos novos, alegados pela Ré no seu articulado superveniente, não poderão deixar de ser considerados matéria de excepção peremptória, atípica ou inominada – cfr. art. 576.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil.
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Por essa razão, o ónus da prova dos mesmos impendia sobre a Ré Companhia de Seguros A – art. 342.º, n.º 1 e 2 do Cód. Civil.
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O ponto 85 dos factos provados foi dado como provado por recurso a presunções judiciais.
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O Tribunal recorrido não dispunha de elementos que lhe permitissem extrair, por recurso a presunção judicial, que a projecção de F. A. para o exterior da viatura se deveu ao não uso do cinto de segurança.
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Nesta parte, a douta sentença recorrida violou a disposição do art. 351.º do Cód. Civil.
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Deve, pois, ser revogada e substituída por Douto Acórdão que dê como não provado o ponto 85 dos factos provados.
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No ponto 87 dos factos provados, o Tribunal recorrido deu como provado o seguinte: “Desde data indeterminada do mês de setembro de 2010 até ao óbito do F. A., este e N. C. viveram como se fossem marido e mulher.” 10. A locução “viveram como se fossem marido e mulher” não é um facto, mas uma mera conclusão.
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Como tal, ao dar como provado, no ponto 87 dos factos provados, que “Desde data indeterminada do mês de setembro de 2010 até ao óbito do F. A., este e N. C. viveram como se fossem marido e mulher”, o Tribunal recorrido violou, além de outras, a disposição do art. 410.º do Cód. Proc. Civil.
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Impõe-se, pois, que, na procedência deste recurso, se revogue a decisão recorrida, na parte em que deu tal facto como provado, dando-o, ao invés, por não escrito e excluído da decisão da matéria de facto, por constituir matéria conclusiva ou de direito.
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Sem prejuízo do acima exposto e por mera cautela, a Recorrente não poderá deixar de dizer o seguinte: 14. A Autora discorda do julgamento do ponto 87 da decisão da matéria de facto, pois entende que o Tribunal recorrido deveria ter dado como provado que “Desde data indeterminada do mês de Dezembro de 2010 até ao óbito do F. A., este e N. C. viveram como se fossem marido e mulher”.
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Ainda que assim se não entendesse, ou seja, ainda que, face à prova produzida, subsistissem dúvidas quanto à concreta data em que F. A. e N. C. iniciaram a vida em condições análogas às dos cônjuges, o Tribunal recorrido deveria, no limite, ter dado como provado que “Desde data indeterminada até ao óbito do F. A., este e N. C. viveram como se fossem marido e mulher”.
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Os meios de prova que impunham decisão diversa são os seguintes: 3. Prova Testemunhal a) P. R., no depoimento prestado em 20/01/2017, excerto de mins. 21:24 a 37:15; b) N. R., no depoimento prestado em 01/02/2017, excerto de mins. 08:00 a 15:47; c) F. F., no depoimento prestado em 01/02/2017, excerto de mins. 05:00 a 07:00; d) R. F., no depoimento prestado em 01/02/2017, excerto de mins. 05:00 a 10:50; e) H. B., no depoimento prestado em 01/02/2017, excerto de mins. 06:12 a 11:30; f) M. R., no depoimento prestado em 01/02/2017, excerto de mins. 05:25 a 17:00; g) F. D., no depoimento prestado em 01/02/2017, excerto de mins. 02:30 a 05:30; h) M. C., no depoimento prestado em 01/02/2017, excerto de mins. 04:20 a 07:40; i) M. M., no depoimento prestado em 01/02/2017, excerto de mins. 02:30 a 04:50; j) Maria, nomeadamente, o depoimento prestado em 01/03/2017, no excerto de mins. 06:00 a 14:00; k) N. M., nomeadamente, o depoimento prestado em 01/03/2017, no excerto de mins. 02:30 a 08:44; l) F. P., nomeadamente, o depoimento prestado em 01/03/2017, no excerto de mins. 01:20 a 07:40.
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Prova Documental (além de outros documentos): a) certidão judicial do processo de divórcio de N. C. (proc. n.º 1624/11.6TBBCL; b) extractos das contas bancárias do falecido F. A.; c) ofício remetido pela Junta de Freguesia de … em 29/12/2015; d) ofício remetido pelo Centro de Emprego de Barcelos em 20 de Março de 2017; e) mensagem de correio electrónico enviada por N. C. a P. R. em 29 de Junho de 2011.
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A Autora entende que o conjunto dos meios de prova acima referidos, conjugado com os demais elementos instrutórios juntos aos autos, permite extrair a conclusão de que F. A. e N. C. começaram a viver juntos, em condições análogas às dos cônjuges, em Dezembro de 2010, na casa da aqui Autora, em ….
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No limite, o conjunto dos meios de prova acima referidos permite infirmar a alegação da Ré de que a convivência em condições análogas às dos cônjuges entre F. A. e N. C. teve início em Setembro de 2010.
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Apesar de estar onerada com o ónus da prova, a Ré Companhia de Seguros A não se dignou sequer a ouvir todas as testemunhas que arrolou, já que optou expressamente por prescindir dos depoimentos das testemunhas N. C., F. G. e A. M..
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A partir do momento em que a Ré prescindiu da produção dessa prova, os meios de prova que apresentou para sustentar a sua versão são parcos, muito parcos, e claramente insuficientes para provar a sua versão dos factos.
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Está junta aos autos certidão de casamento que atesta que, em 21 de Março de 2009, N. C. casou-se com F...
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