Acórdão nº 415/08.6GBVVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução20 de Novembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

(Secção Penal) Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Laura Maurício.

  1. RELATÓRIO No processo abreviado n.º 415/08.6GBVVD, da instância local de Vila Verde, secção criminal, juiz 1, da comarca de Braga, em que é arguido H. C., com os demais sinais dos autos, foi delarada cessada a situação de contumácia em que este se encontrava, por despacho datado de 23 de setembro de 2016, com o seguinte teor: «O arguido veio requerer o seu julgamento na ausência, o que configura uma das situações em não pode ser declarado contumaz, conforme dispõe o artigo 335º n.º 1 do Código de Processo Penal, que exclui da possibilidade de declaração de contumácia, os casos do artigo 334.° n.° 2. Ora, se nessa situação nem sequer se poderia declarar o arguido contumaz, não faz qualquer sentido «força-lo» a manter-se nessa situação só porque as coisas aconteceram pela ordem inversa, ou seja, primeiro foi declarado contumaz e depois veio requerer o julgamento na sua ausência... Atento o escopo do instituto da contumácia, entendemos que o requerimento para julgamento na ausência poderá equiparar-se à apresentação a juízo.

Cumpre notar que este caso não tem exatamente os mesmos pressupostos daquele sobre o qual versa o Acórdão de fixação de Jurisprudência n.º 5/2014, de 21-5-2014, neste caso o arguido colocou-se ao dispor do Tribunal para ser julgado, fez o que estava ao seu alcance para tal, pretendendo exatamente que o processo prossiga. Cumpre notar que não está ao alcance do arguido fazer mais do que aquilo que já requereu de modo a impulsionar os autos, o arguido está em cumprimento de pena num país estrangeiro, não está na sua disposição deslocar-se a Portugal para se apresentar ou para prestar termo de identidade residência... Não permitir que o arguido seja julgado, conforme é sua pretensão, prejudica o arguido, prejudica o processo e prejudica a descoberta da verdade material.

Assim, e salvo o devido respeito pela orientação seguida na promoção que antecede, entendemos que, no caso concreto a atitude do arguido tem que ser entendida como apresentação a julgamento, isto é claramente «uma atuação do arguido de colocação à disposição do processo, de forma a que se mostre assegurada a possibilidade da sua ulterior tramitação».

Pelo exposto, decide-se: 1.º julgar cessada a contumácia; 2.º insistir pelo cumprimento da carta rogatória.

Notifique, sendo o arguido para esclarecer se tomou conhecimento das datas de julgamento e comunique.»*Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso deste despacho intercalar de 23.09.2016, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões: A. «1.ª) — De acordo com o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, o julgador deve presumir que o legislador se exprimiu em termos hábeis, pelo que o entendimento plasmado na decisão recorrida - de que é admissível ao arguido declarado contumaz requerer o julgamento na sua ausência e, em consequência, considerar que tal requerimento equivale à sua apresentação em juízo, constituindo assim causa de cessação de contumácia - não é sufragável, pois viola a lei e contraria a unidade do sistema jurídico.

  1. ) O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 333.º e 334.º do Código de Processo Penal ao autorizar o julgamento do arguido (declarado contumaz) na ausência.

  2. ) — O artigo 333.° do Código de Processo Penal prevê as situações em que, estando o arguido regularmente notificado para audiência de discussão e julgamento, o Tribunal pode efetuar o julgamento na sua ausência, não tendo por isso aplicabilidade nas situações em que o arguido está declarado contumaz.

  3. ) 4— Por sua vez, o artigo 334.º, n.º 2, do Código de Processo Penal prevê a realização do julgamento na ausência do arguido quando este requerer ou consentir, com fundamento na comprovada impossibilidade prática de comparecer, que a audiência decorra sem a sua presença.

  4. ) — Da conjugação deste preceito legal com o n.º 1 do artigo 335.° do Código de Processo Penal resulta forçosamente que não pode ser declarada a contumácia de um arguido que tenha requerido o julgamento na ausência e, por outro lado, que não pode requerer o julgamento na ausência quem já tenha sido declarado contumaz.

  5. ) — O Tribunal a quo violou igualmente o disposto no artigo 336.° do Código de Processo Penal e ainda a jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.° 5/2014, de 26/3/2014, publicado no DR, 1 a série, de 21 de maio, ao considerar que o requerimento para julgamento do arguido na ausência equivale à sua apresentação em juízo.

  6. ) — Na verdade, a caducidade da declaração de contumácia depende exclusivamente da apresentação pessoal ou detenção do arguido (cf. neste sentido, cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.° 5/2014, de 26/3/2014).

  7. ) — As divergências relativas à jurisprudência fixada têm de ser fundamentadas na decisão, o que não sucedeu no caso dos autos, violando assim o disposto no n.° 3 do artigo 445.° do Código de Processo Penal.

  8. ) Por outro lado, declarar cessada a contumácia com o requerimento do arguido para ser julgado na ausência não acautela a situação prevista no n.º 3 do artigo 336.º do Código de Processo Penal, pois, não se permite ao mesmo requerer a abertura de instrução relativamente aos factos que lhe são imputados, violando assim as garantias de defesa do arguido.

  9. ) — Contrariamente ao referido na decisão recorrida, a posição assumida pelo Ministério Público (ora recorrente) - de que não deverá ser autorizado o julgamento do arguido na ausência, permanecendo por isso o mesmo declarado contumaz -, não prejudica o arguido, nem o processo nem a descoberta da verdade material.

  10. ) — Não prejudica o arguido na medida em que lhe são assegurados todos os meios de defesa. Não prejudica o processo, uma vez que o cumprimento no estrangeiro pelo arguido de pena privativa da liberdade constitui uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal [cf. artigo 120°, o.° 1, alinea f), do Código Penal]. Não prejudica a descoberta da verdade material, uma vez que o arguido se encontra acusado da prática de um crime de condução sem habilitação legal que, em grande parte, poderá ser provado com base em prova documental.»*O recurso do despacho intercalar foi admitido na 1ª instância, por despacho datado de 28 de outubro de 2016, retificado nesta Relação por despacho datado de 6 de novembro de 2017, com efeito meramente devolutivo, a subir a final, com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa.

    Respondeu o arguido, pugnando pela improcedência deste recurso.

    *O processo prosseguiu os seus termos, tendo o arguido H. C. sido submetido a julgamento.

    A sentença, proferida a 6 de dezembro de 2016, tem o seguinte dispositivo: «Em face de todo o exposto, condena-se o arguido H. C. pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º1 e 2, do Decreto-Lei n.º2/98, de 2 de janeiro, na pena de dez meses de prisão, que cumprirá.

    Condena-se ainda o arguido no pagamento das custas do processo, por força do disposto nos artigos 513.º e 514.º do CPP, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC – artigo 8.º n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais.

    Notifique.

    Após trânsito, remeta boletim ao registo criminal - e comunique a presente sentença à ANSR (cfr. artigo 69º/4, do C. Penal e artº.500º nº1, do CPP.).

    Proceder-se-á ao depósito da presente sentença (cf. artigo 372º, n.º5, do CPPenal).»*Inconformados, quer o arguido quer o Ministério Público interpuseram recursos da sentença, apresentando as competentes motivações, que rematam com as seguintes conclusões: B. Conclusões do recurso do Ministério Público «1ª) Nos termos e para os efeitos do artigo 412.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, reitera-se o interesse na apreciação do recurso intercalar interposto pelo Ministério Público relativamente à decisão de fis. 405.

  11. — Entende o Ministério Público que, nesse despacho, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 333.º e 334.º do Código de Processo Penal ao autorizar o julgamento do arguido (declarado contumaz) na ausência.

  12. ) — Efetivamente, da conjugação do artigo 334.º, n.º 2, com o artigo 335.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, resulta forçosamente que não pode ser declarada a contumácia de um arguido que tenha requerido o julgamento na ausência e, por outro lado, não pode requerer o julgamento na ausência quem já tenha sido declarado contumaz.

  13. ) — Ademais, ao considerar que o requerimento para julgamento do arguido na ausência equivale à sua apresentação em juízo o Tribunal a quo violou igualmente o disposto no artigo 336.º do Código de Processo Penal e ainda a jurisprudência umformizadora fixada no Acórdão do STJ...

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