Acórdão nº 430/15.3GEGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução19 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

No processo comum com intervenção de juiz singular com o NUIPC 430/15.3GEGMR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Guimarães - J2 (anterior Secção Criminal da Instância Local), foi proferido despacho, ao abrigo do preceituado nos art.s 311º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. d) [1], e 386º [2], ambos do Código de Processo Penal, a rejeitar a acusação particular deduzida pela assistente, R. B., contra a arguida, C. R., imputando-lhe a prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo art. 181º do Código Penal.

  1. Desta decisão recorreu a assistente, motivando o recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem [3]: «1ª) Por despacho de fls. …, e por aplicação das normas constantes do art.º 311º n.º 2 al. a) e n.º 3 b) do Código de Processo Penal, veio a Mma. Senhora Juiz de Direito rejeitar, por manifestamente infundada, a acusação particular deduzida pela assistente contra a arguida C. R., imputando-lhe a prática de um crime de injúrias, previsto e punido pelo art.o 181º do Código Penal.

    1. ) Alicerça o douto despacho o juízo de falta de fundamentação manifesta da acusação particular, em resumo, porque “Num crime doloso, da acusação há de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua ação), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade - o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objetivos do tipo), entendendo-se que a factualidade vertida na acusação não é suficiente para configurar o crime imputado à arguida.

    2. ) Entende a recorrente, porém, que a decisão em causa não pode manter-se.

    3. ) Como bem explica o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 25/02/2015 e disponível em www.dgsi.pt: “I – O erro sobre a ilicitude ou sobre a punibilidade que exclui o dolo (art.º 16º 1 CP) apenas se deve e pode referenciar aos crimes cuja punibilidade não se pode presumir conhecida de todos os cidadãos. II - Aos crimes cuja punibilidade se pode presumir que seja conhecida por todos os cidadãos, o eventual erro sobre a ilicitude só pode ser subsumível ao artº 17º CP, em caso em que a culpa só é afastada se a falta de consciência da ilicitude do facto decorre de erro não censurável. III - A censurabilidade só é de afastar se e quando se trate de proibições de condutas cuja ilicitude material não esteja devidamente sedimentada na consciência ético social.”, sendo certo que, no caso em apreço falamos de crimes conhecidos de todos como tal e que fazem parte da consciência social.

    4. ) Como se ensina em Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 18/11/2013, “A solução está nas normas do art. 17º do Cod. Penal, sendo que a consequência não é a improcedência da acusação.

      A falta da consciência da ilicitude só exclui a culpa se o erro não for censurável.

      (…) Se o erro radicar numa “deficiência da própria consciência ética do agente, que não lhe permite apreender corretamente os valores jurídico penais e que por isso revela uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal”, o agente é punido com a pena aplicável ao crime doloso respetivo (art. 17 nº 2).

    5. ) Como se escreveu no acórdão da Relação do Porto de 2-2-2005, Proc. JTRP00037657 (Relator António Gama) disponível no sítio do ITIJ daquele tribunal, ‘o conhecimento da proibição legal só é indispensável quando o tipo de ilícito objetivo abarca condutas cuja relevância axiológica é tão pouco significativa que o ilícito é primariamente constituído não só ou mesmo nem tanto pela matéria proibida, quanto também pela proibição legal. (…) Sendo os factos narrados na acusação suscetíveis de fundamentarem uma condenação, não é caso de manifesta improcedência.”.

    6. ) Ao contrário do que parece resultar ser a interpretação do douto despacho de que se recorre, “ A consciência da ilicitude não respeita ao dolo do tipo, mas antes à culpa. Enquanto facto psicológico de conteúdo positivo não tem que ser alegado e provado em cada caso, pelo menos nos chamados “crimes em si” do direito penal clássico onde se inserem os crimes de difamação e injúria.” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 05/03/2013, disponível em www.dgsi.pt.

    7. ) No caso em apreço, não será de negar que a acusação particular oferecida é de simplicidade manifesta e que nela não se recorreu ao uso textual da fórmula habitualmente usada pelo Ministério Público, mas será de considerar que esta contém o bastante para que, considerado provado o que nela se alega, condenar o arguido pelos crimes que lhe são imputados.

    8. ) Na verdade, nela se imputam à arguida factos que circunstanciam o tempo e o espaço das imputações feitas, os atos por si praticados e, em especial: que os mesmos são adequados a ofender a da assistente; que a arguida tinha consciência que os seus atos eram aptos a ofender a honra da assistente; que a arguida agiu com a intenção de ofender a honra da assistente; e, ainda, que os atos praticados pela arguida, de facto, concretizaram o seu propósito, isto é, lesaram a honra da assistente.

    9. ) Tanto basta para concluir que a acusação particular deduzida contem todos os elementos elencados pelo n.º 3 do art. 283º do Código de Processo Penal, imputando-lhe a prática de factos de natureza objetivamente criminosa e, bem assim, o intuito de praticar esses crimes, pelo que mal andou o douto despacho de fls… . ao rejeitar a acusação particular oferecida e, em consequência, rejeitar o pedido de indemnização civil deduzido, por conter a indicada peça todos os elementos legalmente exigidos.

    10. ) Assim e pelas razões supra expostas deverá o douto despacho agora colocado em crise e que não recebeu a acusação particular e, em consequência, não recebeu o pedido de indemnização civil formulado, ser revogado e consequentemente ser substituído por outro que receba a acusação particular e o pedido de indemnização civil apresentados pela assistente, submetendo a arguida a julgamento por todos os factos aí narrados.

    11. ) Neste termos, o douto despacho recorrido violou os art.os 16º, 17º e 181º do Código Penal e, bem assim, os art.os 311º, n.º 2 al. a) e n.º 3 al. b), c) e d); art. 283º n.º 3, estes do Código de Processo Penal.

      NESTES TERMOS e nos que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado provido e, em consequência, ser revogado o despacho que rejeitou a acusação particular deduzida e, em consequência, rejeitou o pedido de indemnização civil formulado, substituindo-se por outro, que receba a acusação particular e o pedido de indemnização civil, a bem da JUSTIÇA!» 3.

      A Exma. Procuradora-Adjunta na primeira instância respondeu ao recurso, opinando no sentido de lhe ser negado provimento, mantendo-se a decisão recorrida, por entender que, efetivamente, a acusação particular não indica factos que consubstanciem o elemento subjetivo do crime de injúria que a assistente imputa à arguida e dela nada consta quanto à consciência da ilicitude, o que a torna manifestamente infundada, constituindo motivo de rejeição.

  2. O Exmo. Juiz a quo proferiu despacho a sustentar a decisão posta em crise, por os argumentos da recorrente não merecerem o seu acolhimento nem abalarem minimamente a mesma.

  3. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu, entendeu que o Ministério Público na primeira instância respondeu de forma clara, analisando detalhadamente e com muito acerto a questão levantada, concordando inteiramente com essa posição, acrescentando que a questão, em tempos controversa, se encontra hoje resolvida pelo acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 1/2015, devendo, pois, o recurso ser julgado improcedente.

  4. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sem que tenha sido apresentada qualquer resposta a esse parecer, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi presente à conferência, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do mesmo diploma.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 1. Delimitação do objeto do recurso Sendo entendimento pacífico que o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [4], no caso presente a única questão a decidir consiste em saber se a acusação é omissa quanto à descrição dos factos que permitam integrar os elementos subjetivos do crime de injúria, conduzindo tal omissão à rejeição da acusação por ser manifestamente infundada, pressuposto da sua rejeição ao abrigo do art. 311º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. d), do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os demais preceitos citados sem qualquer menção.

  5. Da decisão recorrida O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição): «O tribunal é o competente.

    Não nulidades, exceções ou questões prévias que cumpra conhecer.

    * 1. A assistente R. B., deduziu acusação contra C. R., imputando-lhe a prática de factos que entende serem suscetíveis de integrar um crime de injúria p. e p. pelos art.º 181º do C.P..

    O MºPº, acompanhou a acusação particular.

  6. Nos termos do disposto no art.º 311º, n.º 2, al. a) do C.P.P., se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada.

  7. Para efeitos do disposto naquele preceito, considera-se a acusação manifestamente infundada se, entre outras circunstâncias, os factos nela descritos não constituírem crime (art.º 311º, n.º 3, al. d ) do C.P.P.).

    Num crime doloso, da acusação há de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao...

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