Acórdão nº 14/17.1GABCL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelLAURA MAUR
Data da Resolução23 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães Relatório No âmbito dos autos com o NUIPC 14/17.1GABCL, em que são arguidos A. O. e A. S., foi, em 14 de Junho de 2017, proferido despacho cujo teor é o seguinte: “ (…) 1. Da ilegalidade da busca domiciliária realizada á residência sita na Rua das ...

Conforme consta dos autos (cfr. fls. 129 e 130), consta autorização de busca, com a menção de “Declaração”, em língua portuguesa e depois a menção que ”foi o declarante informado de todas as formalidades inerentes á acção acima mencionada, ficando ciente de todo o conteúdo”.

Após, constam dois textos com a menção que se trata de “Holandês” e de “Turco”, sendo, por fim, o documento assinado pelo órgão de policia criminal, com carimbo e assinado pelos visados.

A fls. 130, consta igual autorização de busca, com a igual menção de “declaração”, com texto em português e depois em língua ou caracteres que o Tribunal desconhece, sendo, por fim, o documento assinado pelo órgão de polícia criminal, com carimbo e assinado pelo visado, como sendo o arguido A. S..

Ainda que a questão não fosse suscitada pela defesa dos arguidos, sempre o Tribunal apreciaria o cumprimento das formalidades legais na realização da busca domiciliária, atento o disposto no artº 174º, nº 6, do CPP.

Estabelece o art. 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa que “[s]ão nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.” Por seu turno, o art. 34.º, da Constituição da República Portuguesa consagra a inviolabilidade do domicílio e da correspondência da seguinte forma: «1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são 1invioláveis.

  1. A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei.

  2. Ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento, salvo em situação de flagrante delito ou mediante autorização judicial em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos previstos na lei.

  3. (...).» O art. 125.º do Código de Processo Penal consagra o princípio da legalidade da prova, segundo o qual “[s]ão admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.” Nessa sequência, o art. 126.º do Código de Processo Penal, descreve os métodos proibidos de prova, que se dividem em dois tipos: 1.º) O das provas obtidas mediante tortura, coacção ou em geral ofensa à integridade física ou moral das pessoas, em que tais métodos não poderão ser utilizados, nem as provas assim obtidas poderão também ser utilizadas, mesmo que a pessoa que deles foi objecto dê consentimento (art. 126.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal); 2.º) O das provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.

Enquanto que as provas obtidas mediante tortura, coacção ou em geral ofensa à integridade física ou moral das pessoas são sempre nulas, não podendo ser utilizadas, consagrando-se assim uma nulidade absoluta de prova que não admite consentimento, já as provas obtidas mediante intromissão, não consentida, na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações são nulas, mas podem ser válidas se o titular der o seu consentimento, ou se houver autorização judicial para a utilização de tais métodos de obtenção de prova –cfr. arts. 34.º, n.º 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, 126.º, n.º 3, 177.º, e 187.º, e seguintes, todos do Código de Processo Penal – cfr. Acórdão do S.T.J., de 14/07/2010, Processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1, in http://www.dgsi.pt, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 2007, em anotação XV ao artigo 32.º, pág. 524, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, 3.ª edição, 2008, volume I, pág. 832.

Ou seja, no que diz respeito às provas obtidas mediante intromissão, na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações há nulidade de prova, a qual não pode ser produzida, nem valorada, apenas no caso em que não tenha havido consentimento ou autorização judicial, tratando-se por isso de uma nulidade relativa de prova.

Por outro lado, o Código de Processo Penal consagra, para além da nulidade das provas obtidas mediante intromissão, na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, sem consentimento ou autorização judicial, que tem como consequência a proibição da sua produção e valoração, os casos em que os actos processuais levados a cabo para obtenção autorizada de prova mediante a utilização de tais métodos são inválidos (feridos de nulidade ou de irregularidade), porque não foram respeitadas as formalidades consagradas na lei processual penal para a sua execução.

Em nenhum destes casos estamos perante nulidade insanável, o que resulta claramente do disposto nos arts. 118.º, n.º 1, e 119.º, ambos do Código de Processo Penal.

Tratam-se, antes, de nulidades dependentes de arguição, tal como resulta do disposto nos arts. 120.º, n.ºs 1, 2 e 3, 174.º, n.ºs 4 e 6, 177.º, n.ºs 1, 5 e 6, 187.º, 188.º, 189.º e 190.º, todos do Código de Processo Penal – cfr. Acórdão do S.T.J. de 07/12/2005, Processo n.º 05P2942, in http://www.dgsi.pt, Acórdão do S.T.J de 20/12/2006, Processo n.º 06P3059, in http://www.dgsi.pt, Acórdão do S.T.J. de 27/05/2009, Processo n.º 05P0145, in http://www.dgsi.pt, Acórdão do S.T.J., de 14/07/2010, Processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1, in http://www.dgsi.pt-, ou de meras irregularidades tal como o caso do art 176.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal – cfr. Acórdão do S.T.J. de 15/07/1992, Processo n.º 42.974-3.ª, com o n.º convencional JSTJ00017005, in http://www.dgsi.pt, Acórdão do S.T.J. de 08/11/1995, BMJ, n.º 451, pág. 238, Acórdão do S.T.J. de 13/05/1998, Processo n.º 226/98, Acórdão do S.T.J. de 15/12/1998, Processo n.º 1081/98, Acórdão do S.T.J. de 10/10/2001, Processo n.º 1949/01-3, Acórdão do T.R.P. de 11/09/1997, com o n.º convencional JTRP00018824, in http://www.dgsi.pt, Acórdão do T.R.P. de 21/02/2001, com no n.º convencional JTRP00030831, in http://www.dgsi.pt, .

* A busca domiciliária é uma excepção ao princípio constitucional da inviolabilidade de domicílio, consagrado no art. 34.º CRP, pelo que, a sua realização é rodeada de determinadas precauções e está sujeita a um regime próprio.

A admissibilidade de restrições a este princípio constitucional tem em vista a salvaguarda de outros bens jurídicos de grande valor, igualmente objecto de protecção constitucional.

Deste modo, a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei, bem como, ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento (cfr. n.º 2 e 3 do art. 34.º, CRP).

Assim, nos termos do disposto no art. 174.º do CPP, quando houver indícios de que quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.

Quando esta busca tem de ser efectuada em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as sete e as vinte e uma horas, sob pena de nulidade (cfr. art. 177.º, n.º 1, do CPP).

A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade (nº 1 do artº 177º do Código do Processo Penal.

Nos termos do nº 2 daquele preceito: “Entre as 21 e as 7 horas, a busca domiciliária só pode ser realizada nos casos de: a) Terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada; b) Consentimento do visado, documentado por qualquer forma; c) Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos. Visto genericamente o regime das buscas domiciliárias e da preterição das formalidades legais, retornemos ao ambiente fáctico evidenciado nos autos.

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