Acórdão nº 4847/12.7TBGMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório 1.1.

No Juízo de Execução de Guimarães – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, o executado S. P. invocou a ilegalidade da penhora e a pretendida venda da totalidade da fracção “N”, requerendo que seja ordenado ao agente de execução que promova a penhora e subsequente venda apenas do direito de raiz dessa fracção (cfr. fls. 67 a 71).

*1.2.

A Mmª Juiz a quo, datado de 3 de maio de 2017, proferiu o seguinte despacho: «Fls. 209 e segs.: Com total respeito por opinião diversa, entendemos assistir razão ao executado S. P..

Ora, encontrando-se demonstrada a aquisição por parte do executado S. P., nos autos de insolvência dos executados D. P. e Maria, do direito de usufruto do bem sobre qual incide a hipoteca, nestes autos a penhora passa a incidir sobre ao direito de raiz sobre esse bem.

Com efeito, nos autos de insolvência apenas foi apreendido e objeto de venda o direito de usufruto sobre a fração hipotecada, aqui penhorada e propriedade dos insolventes, tendo aí o executado pago o preço desse direito e a exequente reclamado o seu crédito, fazendo valer aí os seus direitos. Assim, a aquisição do direito de usufruto por parte daquele é absolutamente legítima e impede que essa parte do bem volte aqui a responder, pois aquele não é obrigado pessoal mas apenas na medida da doação, sendo que o direito de usufruto estava inserido na penhora por os executados D. P. e Maria serem responsáveis da dívida nessa medida.

Assim, defere-se o requerido pelo executado determinando-se o prosseguimento dos autos apenas para a venda do direito de raiz do bem penhorado.

Notifique.

»*1.3.

Inconformado com esta decisão dela recorre a exequente, BANCO A S.A., pedindo que se revogue a decisão recorrida, substituindo-a por outra que determine o prosseguimento da execução para venda do imóvel penhorado nos autos no seu todo (cfr. fls. 25 a 30).

A terminar as respectivas alegações formulou as seguintes conclusões: «1. Para garantia dos contratos de mútuo que titulam a execução, os executados D. P. e Maria constituíram duas hipotecas sobre a fração autónoma designada pela letra "N", do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, si to no lugar da …, freguesia de …, concelho de Vizela, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vizela sob o n.

º …-N e inscrita na matriz com o artigo …-N.

  1. Tais hipotecas foram registadas na competente Conservatória do Registo Predial a favor do Banco recorrente, sob as apresentações 28 de 28.03.2000 e 14 de 20.05.2002 - cfr. certidão predial junta aos autos a fls ..

  2. Pelo que, os referidos contratos hipotecários são assim títulos executivos bastantes quanto às quantias mutuadas e tudo o que em virtude daqueles contratos seja devido ao Recorrente, 4. Encontrando-se, assim, o crédito exequendo garantido pelas citadas hipotecas, o que confere ao Banco recorrente o direito de ser pago pelo produto da venda do imóvel hipotecado ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores (artigo 686º do Cód. Civil).

  3. Em data posterior à constituição das referidas hipotecas, os executados D. P. e Maria transmitiram a propriedade do imóvel a favor do recorrido S. P., com reserva de usufruto a favor daqueles, através de doação registada na Conservatória do Registo Predial através da apresentação 12.11.2007.

  4. Facto que originou o desdobramento da propriedade entre os mutuários D. P. e Maria, que continuaram a deter o domínio útil do imóvel, em especial no seu direito de uso e gozo através do usufruto, e o recorrido S. P. que adquiriu a nua propriedade do bem, desprovida daqueles direitos elementares, mas com a legítima expectativa de consolidação da propriedade a acontecer com a extinção do usufruto.

  5. E, bem assim, ditou a necessidade de se instaurar a presente ação executiva, também, contra o recorrido S. P. na qualidade de terceiro adquirente, por forma a se poder fazer valer a aludida garantia hipotecária sobre o imóvel no seu todo, nos termos do disposto no artigo 54º, n.

    º 2 do CPC.

  6. Uma vez instaurada a execução, foi o referido imóvel penhorado, na sua totalidade, tendo como sujeito ativo o ora Banco recorrente e como sujeitos passivos os executados D. P. e Maria, bem como, o recorrido S. P., não se fazendo qualquer distinção no averbamento da penhora no registo predial entre os invocados direitos de usufruto e direito sobre a raiz ou nua propriedade do imóvel - cfr. apresentação 2129, de 18.02.2013, da certidão predial junta a fls ..

  7. Não tendo tal penhora sido objeto de oposição, impugnação ou invocação de qualquer nulidade ou irregularidade, apesar dos executados terem sido devidamente notificados para o exercício do correspondente direito, o que ditou a estabilidade da instância no que respeita à aludida penhora.

  8. Na verdade, por omissão, o recorrido S. P. deixou expirar todos os prazos que lhe assistiam para em sua defesa e, eventualmente, no seu interesse, opor-se à realização da mencionada penhora, nomeadamente, nos termos e na extensão com que esta se efetivou.

  9. Sendo legalmente inadmissível que o possa fazer através dos seus últimos requerimentos de fls., ou que o tribunal "a quo" admita essa possibilidade, ainda que oficiosamente, pois que não são esses os meios próprios para os efeitos pretendidos, por caducidade do direito invocado (art. 329º do Cód. Civil).

  10. Ocorrências que, salvo melhor opinião, determinam, por si, a manutenção da penhora nos exatos termos registados à ordem dos presentes autos, ou seja, pela totalidade do imóvel em apreço, sem distinção entre o usufruto e a raiz ou nua propriedade.

  11. Acresce que, face à declaração de insolvência dos mutuários/executados D. P. e Maria e que correu termos sob o número 1693/12.1TBGMR, do extinto 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, o referido direito de usufruto acabaria por ser apreendido e objeto de venda nesses autos.

  12. Tendo o mesmo sido adquirido pelo aqui recorrido S. P., que optou por exercer o direito de remissão e assim adquirir tal direito pelo valor de € 15.000,00.

  13. O que ditou a consolidação da propriedade plena do imóvel por confusão e a, consequente, extinção do usufruto.

  14. Razão pela qual, mesmo que se aceitasse a tese da irregularidade ou nulidade da penhora quanto à sua extensão, sempre se terá de admitir que tal circunstância se mostrou totalmente sanada através daquele ato de aquisição do usufruto.

  15. Pois que, com esta aquisição, não só se extinguiu este usufruto, como passou o executado S. P. a ser o titular do direito de propriedade plena sobre o imóvel em causa, não sendo legalmente admissível fazer-se qualquer separação predial entre o referido direito de usufruto e o direito sobre a raiz ou nua propriedade do imóvel- cfr. artigo 1476º, n.

    º 1, al. b) do Cód. Civil.

  16. Assim, encontrando-se penhorado o imóvel à ordem dos presentes autos, na sua totalidade, e tendo o recorrido adquirido também o usufruto, restaurando assim a plena propriedade do prédio, desde logo se terá de confirmar a correção da mencionada penhora ou, pelo menos, a sanação dos vícios de que a mesma pudesse padecer.

  17. Acresce que, defende o despacho recorrido que tendo o Recorrido adquirido o direito de usufruto naqueles autos de insolvência, fica aquela parte do bem impedida de voltar aqui a responder pela dívida exequenda.

  18. Ora, tal solução faria sentido se o adquirente fosse pessoa diversa do proprietário da raiz ou nua propriedade do imóvel, caso em que haveria dois direitos distintos ou autónomos sobre o mesmo bem, por um lado o usufruto, por outro a raiz ou nua propriedade do bem.

  19. Sucede que não é isso que acontece, nem tal é admissível que possa ocorrer, porquanto, como acima se expôs, com a aquisição do usufruto pelo proprietário do imóvel extinguiu-se esse usufruto por confusão, consolidando-se a propriedade plena sobre esse prédio a favor de um único sujeito.

  20. Não sendo legalmente admissível que se continue a falar de patrimónios ou direitos separados, nem sendo, pois, legalmente possível que a penhora (realizada e confirmada sobre um todo) se efetive agora em separado sobre duas realidades que, com tal consolidação, juridicamente deixaram de existir.

  21. O Recorrido ao adquirir o usufruto sabia, ou tinha a obrigação de saber, que com tal ato contribuiu para a extinção do usufruto [art. 1476º, n.

    º 1, al. b) do Código Civil], 24. E uma vez extinto o direito de usufruto, recuperou este a propriedade plena sobre o imóvel, não fazendo sentido falar-se da manutenção da nua propriedade como se de um direito ou bem com penhorabilidade autónoma se tratasse, a ser vendido nos autos em separado.

  22. Assim, se o Recorrido apresentou proposta de aquisição de um direito (de usufruto) que com a venda de imediato se extinguiu, sibi imputat, não sendo tal factor oponível ao exequente - cfr. artigo 871º, n.

    º 1 do Código Civil.

  23. Questão diferente é a de saber se, no final do processo, depois de vendido o imóvel na sua plenitude, e caso o Banco recorrente tenha recebido mais do que lhe cabia, o adquirente do usufruto pode instaurar uma ação de enriquecimento sem causa contra o Banco, alegando que recebeu por duas vezes o produto da venda do usufruto (o que se não concede), mas tal ação sempre deverá ser instaurada por forma a que o Banco recorrente se possa defender, sendo inadmissível que se chegue a tal conclusão por via de um despacho proferido nuns autos de execução, que pouco ou nenhum contraditório asseguram.

  24. Esta posição que sai reforçada pelo disposto no artigo 699º, n.

    º 1 do Cód. Civil, ao estabelecer que extinguindo-se o usufruto constituído sobre o imóvel hipotecado, o direito do Recorrente passa a exercer-se sobre esse bem, como se o usufruto nunca tivesse sido constituído, 28. Acrescentando o n.

    º 3 do aludido preceito legal que «se a extinção do usufruto resultar (...) da transferência dos direitos do usufrutuário para o proprietário (...) como sucede in casu -, a hipoteca subsiste, como se a extinção do...

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