Acórdão nº 33/10.9TBMUR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DE F
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório E, melhor id. a fls. 4 [falecida na pendência da ação, tendo sido habilitada como única e universal herdeira, para nos autos prosseguir na sua posição, sua irmã O melhor id. a fls. 306, conforme decisão de fls. 312 a 314 dos autos] instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra A e mulher M, ambos melhor ids. a fls. 4, pedindo pela procedência da ação: a)que o Tribunal declare a nulidade da escritura de doação outorgada em 02.06.2009 (cuja cópia se encontra junta a fIs. 59 e seguintes dos autos), com a consequente reintegração dos prédios objeto de tal escritura no património da Autora; b) que se condene os Réus a devolver à Autora todas as quantias que levantam das contas bancárias identificadas na petição inicial, no BCP e Caixa Geral de Depósitos, a liquidar em execução de sentença.

Pedido este – quanto à al. b) - depois alterado (em conformidade com o convite ao aperfeiçoamento do articulado endereçado à A. pelo tribunal) para: - que se condene os Réus a devolver à Autora todas as quantias que levantaram das contas bancárias identificadas na petição inicial, no B e C, indicadas nos artigos 70º a 234º da p.i. (articulado de aperfeiçoamento da p.i.).

Para o efeito alegou em suma: - Ter passado a viver em casa dos RR. [sendo que em 2001 contratara a R. L para limpezas e ir às compras e logo após a contratação desta, contratou o seu marido e R. A para desempenhar as funções de caseiro, cuidando das terras da A.] desde 2008, por se sentir sozinha, cansada e limitada pela idade avançada, a quem pagava € 650,00 mensais.

- Em 2009 era a A. proprietária do património descrito em 63º da p.i. e explorava terrenos e propriedades que lhe rendiam € 50.000,00 a € 60.000,00 euros ano em venda de uvas e entre € 4.000,00 a € 9.000,00 ano em venda de azeitona.

Recebia ainda uma pensão do ISS depositada em conta de que era única titular no M.

Igualmente sendo titular de uma outra conta na C.

- Após passar a viver com os RR., as contas de que era titular única passaram a ser solidárias com os mesmos que a partir de então as passaram a movimentar de forma indiscriminada, apesar de as quantias nelas creditadas pertencerem em exclusivo à A..

- Tendo sofrido um acidente cérebro vascular em maio de 2009 que afetou a A. no raciocínio, na orientação espaço-temporal e memória, convenceram os RR. nesse período a A. a transmitir por doação todos os bens e propriedades de que era titular para o seu nome.

Para o efeito a tendo feito crer que era uma pessoa só, cheia de dívidas e totalmente dos RR. dependente e que só através da referida doação se veria livre de tais dívidas.

- Doação outorgada por escritura de 02/06/2009, tendo a A. ficado sem qualquer meio de subsistência, para além da sua reforma que era livremente movimentada pelos RR.

- Não estava a A. na plenitude das suas capacidades mentais para discernir o ato por si praticado quando assinou a referida escritura de doação.

- Não era vontade da A. doar todos os seus bens aos RR., o que estes bem sabiam e que só o fez no contexto acima referido e que não correspondia à verdade.

Termos em que terminou a A. formulando o pedido acima já elencado.

* Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação, onde e em suma alegaram que só movimentaram a conta da A. a pedido expresso da mesma; tendo a doação sido resultado de decisão própria da A. em perfeito e absoluto controlo de todas as suas capacidades físicas e mentais.

Tendo após tal doação continuado a A. a ser tratada pelos RR. com todo o carinho e respeito, ao contrário do alegado pela A..

Impugnaram igualmente os rendimentos alegados pela autora com a exploração das suas propriedades.

Termos em que concluíram pela total improcedência da ação.

Convidada a A. a aperfeiçoar a petição, concretizando factualidade relativa às contas que alegou passaram a ser movimentadas pelos RR., fê-lo esta nos termos de fls. 139 e segs., especificando valores a crédito e débito de tais contas, em consonância tendo alterado o seu pedido.

Após realizada audiência prévia, veio a ser proferido despacho saneador (fls. 316 e segs. dos autos);selecionados os factos assentes e elaborada base instrutória.

* Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que julgando a ação parcialmente procedente decidiu: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide o Tribunal julgar a ação parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência:

  1. Julgar improcedente o pedido da Autora de que o tribunal declare a nulidade da escritura de doação por si outorgada em 2.06.2009, no Cartório Notarial de…, exarada de folhas de cento e quarenta e dois a folhas cento e quarenta e três verso do livro de notas para escrituras diversas número trinta e seis - C; b) Julgar procedente o pedido da Autora de restituição à sua propriedade, de todos os prédios doados aos Réus na escritura de doação outorgada pela Autora em 2.06.2009, no Cartório Notarial de…, exarada de folhas de cento e quarenta e dois a folhas cento e quarenta e três verso do livro de notas para escrituras diversas número trinta e seis - C, em virtude da declaração de anulabilidade da mesma escritura de doação, por se tratar de um negócio usurário; c) Absolver os Réus do mais peticionado pela Autora, designadamente de lhe devolverem todas as quantias que levantaram das suas contas bancárias identificadas na Petição Inicial, no Banco M e C; d) Condenar a habilitada no lugar da Autora, O, e os Réus nas custas da presente ação, atenta a sua parcial procedência e na proporção do respetivo decaimento que se fixa no valor de 208390,14 euros para a Autora e de 8 111,31 euros para os Réus.

    * Do assim decidido apelaram os RR.

    , oferecendo alegações e formulando as seguintes Conclusões: “

  2. A factualidade provada e articulada não permite a condenação dos apelantes; b) Os factos alegados que podiam consubstanciar um aproveitamento consciente de uma situação de inferioridade da Sr.ª E, foram considerados NÃO PROVADOS – cf. al bv) até al. cf) dos factos não provados; c) Em momento algum foram alegados factos que permitisse o Tribunal recorrido considerar anulável a Escritura de Doação com base na usura; d) Para que essa doação pudesse ser considerada usura, além da falta de alegações, também não se preencheram os elementos essenciais à obtenção de um benefício excessivo e injustificado e o aproveitamento consciente de uma situação de inferioridade da Sr.ª E; e) A Sentença apelada violou os Art.º 609º, nº 1, 2ª parte do Código de Processo Civil; f) A Sentença apelada condenou os apelantes em objeto diverso do que tinha sido pedido; g) A Sentença apelada condenou os apelantes em matéria que não podia tomar conhecimento; h) Violou assim o princípio do dispositivo, basilar do nosso direito processual civil declaratório foi integralmente violado; i) Na petição inicial pediu-se tão-somente a nulidade da Escritura de Doação. A sentença recorrida assente em factos e pedidos inexistentes, condenou os apelantes a restituir os bens doados, com base por se “tratar de negócio usurário”; j) Os Apelantes foram condenados num pedido que não existia, violando-se assim o disposto nas al. d) 2ª parte e al. e) 2ª parte do Art.º 615º do Código Processo Civil; k) A Sentença a quo, não poderia tomar essa decisão pois, para que tal pudesse ocorrer, a factualidade e o pedido correspondente à anulação da escritura de doação tinha que ser alegado e peticionado na petição inicial, o que não aconteceu; l) Ao Tribunal recorrido estava impedido de conhecer esse hipotético vício, não podendo substituir-se à parte que não alegou; m) O Tribunal apelado violou também os princípios do contraditório e da igualdade previstos nos Art.º 3º, nº 3 e Art.º 4º do Código de Processo Civil; n) A Douta Sentença recorrida, deve na alínea b) da Decisão, ser revogada absolvendo-se os apelantes do pedido, e assim se fazendo Justiça.”.

    * Apresentou aA. recurso subordinado, simultaneamente e na mesma peça processual contra-alegando ao recurso principal, apresentando a final as seguintes: Conclusões “1. É entendimento pacífico na jurisprudência, que a sustentação da sentença deve ser suportada pelos factos considerados como provados, e não nos factos que não lograram ser considerados provados; 2. Em face dos factos considerados como provados, consideram-se verificados os requisitos necessários para se considerar a existência de um negócio usurário; 3. Vigora na ordem jurídica o princípio “jura novitcuria”, com tradução do nº 3 do art. 5º do CPC: “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”; 4. A sentença recorrida não violou o disposto nas alíneas d) e e) do art. 615.º, nº 2 do art. 608.º ou nº 1 e 2 do art. 609º do CPC; 5. Inexistiu qualquer violação dos princípios do contraditório e da igualdade; 6. O recurso apresentado pelos réus deverá ser considerado totalmente improcedente; 7. A douta sentença recorrida merece censura na parte da decisão em que absolveu os réus de devolverem à autora todas as quantias que levantaram das suas contas bancárias; 8. Foi dado como provado que os réus levantaram das referidas contas no período de Junho a Novembro de 2009 a quantia total de 8.800,00 euros; 9. Pela escritura de doação outorgada em 2 de Junho de 2009 a autora transmitiu para os réus a totalidade do seu património, incluindo os terrenos agrícolas; 10. A referida quantia de 8.800,00 euros não poderia destinar-se a pagar os trabalhadores da autora ou para fazer face às despesas, seja a sulfatação, a poda, as vindimas ou a apanha da azeitona; 11. Não tendo sido provado qualquer outro destino para a referida importância, ter-se-á de considerar que esses levantamentos são abusivos e destituídos de fundamento; 12. Termos em que se considera que a douta sentença recorrida deverá ser revogada nesta...

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