Acórdão nº 1099/15.0JABRG G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Janeiro de 2017
Magistrado Responsável | ALDA CASIMIRO |
Data da Resolução | 09 de Janeiro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, Relatório No âmbito da processo comum (singular) com o nº 1099/15.0JABRG que corre termos na Secção Criminal (J1) da Inst. Local de Ponte da Barca, Comarca de Viana do Castelo, na sequência de despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz que rejeitou a acusação deduzida pelo Ministério Público, e ordenou o arquivamento dos autos, veio este interpor o presente recurso pedindo que se revogue o despacho recorrido, e seja este substituído por decisão que receba a acusação pública e designe data para a realização da audiência de julgamento, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 312º e 313º do Cód. Proc. Penal.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem: 1. O Ministério Público deduziu acusação pública contra o arguido pela prática de (1) crime de coacção sexual, p. e p. pelo art. 163º nº 1 do Código Penal.
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Por despacho datado de 29 de Abril de 2016, com o qual não podemos concordar, o Mmo. Juiz rejeitou a acusação pública deduzida contra o arguido, nos termos do nº 2, aI. a) e nº 3, al. d) do artigo 311º, do Código de Processo Penal, por considerar a acusação manifestamente infundada, já que os factos imputados ao arguido não constituem crime, pois não integram o conceito de acto sexual de relevo, determinando o oportuno arquivamento dos autos.
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Entende o Mmo. Juiz a quo que o ato de beijar uma vez na boca a ofendida (mulher adulta) não preenche esse conceito de ato sexual de relevo, mas sim um ato socialmente inaceitável (pois foi feito com violência e sem o consentimento da vítima), mas não subsumível ao crime de coacção sexual, entendimento com o qual não concordamos.
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Ora, por acto sexual entende-se todo aquele acto que, de um ponto de vista objectivo, assume uma natureza, um conteúdo e um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aí, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica, independentemente da motivação do agente (neste sentido, vide Comentário ao Código Penal Conimbricense, Tomo I, p. 227 e ss).
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A doutrina e a jurisprudência coincidem no entendimento de que acto sexual de relevo será o acto dotado de conotação sexual objectiva identificável por um observador externo, que seja abstractamente idóneo à satisfação de instintos sexuais e que seja apto a ofender a liberdade e determinação sexual.
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Ultrapassando a dificuldade de delimitação do conceito aderimos à tentativa de definição avançada por Sénio Alves, Crimes Sexuais, 1995, pág. 11 e segs., que defende que o acto sexual de relevo é todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais, mesmo que não envolva os órgãos genitais de qualquer dos intervenientes, que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas.
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A relevância ou irrelevância derivará do sentir geral da comunidade, dependendo de se considerar que ofende com gravidade, ou não, o sentimento de vergonha e timidez relacionado com o instinto sexual da generalidade das pessoas.
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Ora, encontrámos pois, quer na doutrina quer na jurisprudência, autores que consideram o acto de beijar na boca integrador do acto sexual de relevo.
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Como bem se exemplifica no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 05-06-2013, acto sexual de relevo, será todo aquele que tenha uma natureza objectiva estritamente relacionada com a actividade sexual, como é manifestamente o caso de acariciar ou apalpar os seios, nádegas, coxas e boca (proc. 204/10.8TASEI.C1 Maria Pilar de Oliveira, in www.dgsi.pt).
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Para Paulo Pinto de Albuquerque este autor, acto sexual de relevo inclui a cópula vulvar e o toque, com objectos ou partes do corpo, nos órgãos genitais, seios, nádegas, coxas e boca – Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição, Universidade Católica Portuguesa, pág. 163, ponto 8.
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O conceito indeterminado confere ao aplicador uma certa margem de manobra, cobrindo, na sua plástica moldura penal abstracta, as hipóteses de actos graves e daqueles que, muito menos graves, não deixem de atentar contra a auto-determinação sexual do ofendido, o bem jurídico protegido: a liberdade de se relacionar sexualmente ou não e com quem, para os adultos; a liberdade de crescer na relativa inocência até se atingir a idade da razão para então e aí se poder exercer plenamente aquela liberdade.
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Ora, agarrar uma jovem que contava com 20 anos, dar-lhe um beijo junto à boca, e perante a sua oposição, agarrá-la com mais força, e voltar a dar-lhe um beijo, desta vez na boca, e perante a sua recusa e demonstração do seu descontentamento, continuar a pressioná-la sobre o seu corpo e passar as mãos pelo cabelo, integra, no nosso entender, o crime de coacção sexual.
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E será dentro da ampla moldura penal abstractamente prevista para este ilícito que o legislador encontrará a pena que mais se adequará a situação reportada nos autos, tendo em conta a culpa do agente, as finalidades da pena e a gravidade dos factos.
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Entendemos pois, que os factos descritos na acusação pública integram o conceito de acto sexual de relevo.
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Contudo, mesmo que assim não se entendesse sempre diríamos que os factos descritos na acusação constituíram o crime de importunação sexual, pois caso se considerasse que o acto de beijar na boca não assume gravidade suficiente para o preenchimento do conceito de acto sexual de relevo, dúvidas não existem que integra a noção de contacto de natureza sexual exigido no art. 170º do CPP.
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Segundo Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal à Iuz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, págs. 468-469), «o contacto de natureza sexual é a ação com conotação sexual realizada na vítima, que não tem a gravidade do ato sexual de relevo. O contacto de natureza sexual pode incluir o toque (com objetos ou partes do corpo) da nuca, do pescoço, dos ombros, dos braços, das mãos, do ventre, das costas, das pernas e dos pés da vítima (...)“.
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Ora, no libelo acusatório encontram-se descritos todos os elementos objectivos e subjectivos de que depende a punibilidade deste ilícito (importunação sexual), pelo que, e tratando-se de um crime menos grave, sempre poderia e deveria o Mmo. Juiz a quo, depois de produzida a prova, caso assim o entendesse, proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos, integrando-os no crime de importunação sexual.
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Não podemos por isso concordar com o arquivamento dos autos conforme determinado pelo Mmo. Juiz, uma vez que entendemos que os factos constituem crime e que a acusação não é manifestamente infundada.
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Com efeito, a acusação deduzida nos presentes autos não se enquadra na previsão da alínea d) do nº 3 do artigo 311º do Código de Processo Penal.
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A acusação apenas será manifestamente infundada, na definição legal, se o entendimento sobre a irrelevância penal dos factos nela narrados for pacífico, indiscutível, aceite como válido sem objeções na doutrina e na jurisprudência - situação em que o julgamento, como nas demais alíneas daquele nº 3, é previsivelmente inútil face à manifesta inviabilidade ou improcedência da acusação.
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A alínea d), do nº 3 do artigo 311º do Código de Processo Penal não visa dar guarida a um exercício dos poderes do juiz que colida com o acusatório - o tribunal é sempre livre de aplicar o direito (princípio da livre aplicação do direito), mas não pode antecipar a decisão da causa para o momento do recebimento da acusação, devendo apenas rejeitá-Ia quando esta for manifestamente infundada, ou seja, quando não constitua manifestamente crime.
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Este fundamento pode ser aferido diante do texto da acusação, quando faltem os elementos típicos objetivos e subjetivos de qualquer ilícito criminal da lei penal Portuguesa” , insuficiente descrição fáctica, seja porque a conduta imputada ao agente não tem relevância penal.
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Ou seja, quando a factualidade em causa não consagra de forma inequívoca...
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