Acórdão nº 2443/16.9T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelHELEMA MELO
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I - Relatório B…veio requerer a declaração de insolvência da sociedade comercial C, SA. com sede social na Estalagem…, Fão.

Alega, em síntese, ser credora da requerida no montante total de € 7.927, proveniente de salários que deixou de lhe pagar e, bem assim, que a requerida se encontra numa situação actual de insolvência, em razão de estar impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, verificando-se as situações previstas nas alíneas a), b) e g) iii e iv do n.º1 do art. 20.ºdo CIRE.

Citada a requerida, veio deduzir oposição, alegando, em síntese, que a requerente não é sua credora, pelo que carece de legitimidade para requerer o decretamento da sua insolvência, e, bem assim, pugna pelo seu estado de solvência e pela não verificação das situações elencadas nas diversas alíneas do n.º1 do art. 20.º do CIRE. Aponta, ainda, para a litigância de má-fé da requerente, pese embora, expressamente, não peça a sua condenação como litigante de má-fé; invoca a excepção peremptória de prescrição dos direitos de crédito laborais invocados pela requerente; e, bem assim, a excepção peremptória de abuso do direito da requerente peticionar a declaração de insolvência da requerida.

Respondeu a requerente à matéria de excepção invocada pela requerida em sede de oposição ao pedido de declaração de insolvência, nos exactos termos constantes do articulado 290 e ss., tendo, além do mais, invocado a inconstitucionalidade do normativo previsto no art. 398, n.º2 do Código das Sociedades Comerciais.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e a final foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a requerida do pedido.

A requerente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: I. Quanto à existência do crédito que confere legitimidade activa à requerente 1. Não pode aceitar-se a posição acolhida pelo Mmº Juiz a quo, que considerou, ao abrigo do artº 398º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais, que o contrato de trabalho da requerente, celebrado em Abril de 2014, se teria extinguido automaticamente com a sua nomeação para o Conselho de Administração da respectiva entidade patronal pelo que, em Fevereiro do corrente ano de 2016, quando se despediu invocando justa causa, a mesma não estaria vinculada por nenhum contrato de trabalho válido e em vigor.

  1. Tal posição não pode manter-se, face à manifesta inconstitucionalidade da norma em apreço, declarada nos doutos acórdãos do Tribunal Constitucional nº 1018/96 de 9 de Outubro e 626/2011 de 19 de Dezembro, em cuja fundamentação data venianos louvamos, e que aqui se dá como reproduzida.

  2. A norma do artº 398º nº 2 do Cod. Soc. Comerciais, constituindo inequivocamente matéria de legislação laboral, foi publicada sem que tivessem sido ouvidos os organismos representativos dos trabalhadores e sem que a estes fosse dada a oportunidade de participar na elaboração do preceito – o que a torna inconstitucional por violação do preceituado nos artºs 55º, al. d) e 57º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

  3. Como tal, porque o Tribunal não pode aplicar norma julgada inconstitucional, inexiste na ordem jurídica vigente qualquer norma que determine a extinção do contrato de trabalho por via da ocupação temporária dum cargo no Conselho de Administração da empresa empregadora.

  4. Assim, forçoso será concluir que a requerente, tendo celebrado contrato de trabalho com a requerida em Abril de 2014, que nunca se extinguiu, teria direito às retribuições devidas por via desse contrato de trabalho e da sua extinção com justa causa, talqualmente as peticiona, as quais lhe conferem legitimidade para, como credora, peticionar a declaração de insolvência.

    1. Quanto à situação de insolvência da requerida 6. Está provado que a requerida contraiu dois empréstimos com garantia hipotecária, que incidem sobre o edifício de sua sede, o qual constitui a única unidade hoteleira em que a requerida desenvolve o seu escopo societário – pontos 47 a 53 dos «Factos provados» da douta sentença.

  5. Foi alegado e reconhecido por ambas as partes, bem como assinalado pelas informações fornecidas aos autos pelo credor hipotecário, que as prestações desses empréstimos se encontram vencidas e em mora desde pelo menos o ano de 2015.

  6. A própria requerida relacionou esse crédito como sendo do valor global de 510.267,43€, estando em dívida pelo menos 284.559,73€.

  7. Como tal, porque foi alegado e era absolutamente relevante para a decisão da lide, deveria o Tribunal ter elencado na matéria de facto provada que: A Requerida encontra-se em incumprimento em relação à instituição de crédito “BANCO S.A.” relativamente ao mútuo que contraiu e ainda relativamente à conta corrente que detém nessa instituição bancária, pelo menos desde o ano de 2015.

  8. Também resultou provado (Ponto 74 dos «Factos Provados») que a requerida tem dívidas para com a Segurança Social no montante de pelo menos 12.000€ e para com a Fazenda Nacional no valor de 564,48€.

  9. Tais dívidas evidenciam claramente as dificuldades financeiras que a requerida atravessa, pois nem estas pequenas dívidas consegue regularizar.

  10. Ora, sendo certo que a requerida poderá conseguir pagar tais dívidas com recurso à venda do seu património, nomeadamente o edifício do hotel, não menos verdade é que, se o fizer, a requerida perde o seu escopo social, pois a unidade hoteleira é a única que possui e explora.

  11. Aqui chegados, verifica-se de forma incontornável que a situação vinda de discorrer integra o fundamento do artº 20º nº 1, al. g) do CIRE, pelo que deveria o Mmº Juiz a quo ter determinado a insolvência da requerida com base em tal fundamento legal.

  12. Os próprios accionistas da requerida, na assembleia-geral de 29 de Janeiro de 2015, cuja acta nº 64 foi junta aos autos no decurso da audiência, deliberaram a sua apresentação imediata à insolvência, inclusive com voto favorável do actual Presidente do Conselho de Administração.

    Termos em que deve a douta sentença recorrida ser revogada e, reconhecendo-se o crédito da Requerente e a sua inerente legitimidade activa nesta lide, verificada a situação de manifesta insolvência da requerida, adicionando aos factos provados o crédito hipotecário e seu incumprimento reiterado, deve a insolvência da requerida ser decretada, com as demais consequências legais, assim se fazendo a melhor Justiça.

    A parte contrária contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: 22.1. Os factos dados como provados na douta sentença recorrida sob os pontos 2, 4, 5, 6, 10 e 66 – que não foram objecto de impugnação pela recorrente B… – vêm confirmar que o presente pedido de insolvência assenta na deturpação ostensiva da verdade, na alegação de factos conscientemente falsos e na omissão de outros de carácterpessoal da requerente, como por exemplo, ter omitido que foi administradora da sociedade requerida até 30 de Novembro de 2015.

    22.2. A recorrente omitiu que exerceu as funções emergentes do contrato de trabalho que celebrou com a recorrida apenas, entre 1 de Abril de 2014, data em que o mesmo foi celebrado, e 14 de Julho de 2014, data em que foi designada/nomeada vogal do Conselho de Administração da recorrida, ou seja, durante, apenas, dois meses e meio, e isto sem ter qualquer experiência profissional ao nível da função para a qual havia sido contratada!!! 22.3. A recorrente omitiu também que o Presidente do Conselho de Administração da recorrida, à data em que a mesma renunciou às funções de vogal daquele mesmo Conselho de Administração e, pelo menos, até 28 de Fevereiro, era o seu Pai, D…, acionista e referência da recorrida desde 2009.

    22.4. A recorrente omitiu ainda que, na qualidade de membro do Conselho de Administração da sociedade aqui recorrida, com o conhecimento do seu Pai (Presidente do Conselho de Administração) tentou negociar a venda do prédio onde está instalado o “Hotel…” (sem que tivesse sido dado conhecimento de tal negócio aos demais accionistas), pelo preço de € 2.600.000,00 !!! 22.5. A interpretação e aplicação do disposto no artigo 398.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais pelo M.º Juiz “a quo”, não só é legítima, como tal aplicação não padece de qualquer inconstitucionalidade.

    22.6. As decisões do Tribunal Constitucional invocadas pela recorrente nas suas alegações de recurso, julgaram, efectivamente, inconstitucional o artigo 398.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, que este prevê que “quando for designado administrador uma pessoa que, na sociedade ou em sociedades referidas no número anterior, exerça qualquer das funções mencionadas no mesmo número, os contratos relativos a tais funções extinguem-se, se tiverem sido celebrados há menos de um ano antes da designação”, mas sem força obrigatória geral.

    22.7. A recorrida adere, nesta parte, à fundamentação vertida na douta sentença recorrida e na declaração de voto constante do Acórdão n.º 626/2011 do Tribunal Constitucional, reproduzida na sentença recorrida que, por razões de economia processual faz também sua.

    22.8. O artigo 398.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, sendo uma norma que, incidentalmente, interfere com matéria de natureza laboral, não é uma norma que se possa considerar de natureza estritamente laboral, à luz do conceito a que alude a alínea d) do n.º 2 do artigo 56.º da Constituição da República Portuguesa.

    22.9. Aquela norma (artigo 398.º n.º 2 CSC) não tem natureza laboral, visando, antes, outros fins, designadamente, a regulação das sociedades comerciais e do exercício da sua administração pelos seus órgãos, tanto assim é que, o n.º 2 do artigo 398.º CSC, remete expressamente para o n.º 1 da mesma norma, no qual se faz referência quer a contratos de trabalho, subordinado ou autónomo, quer a contratos de prestação de serviços.

    22.10. O escopo daquela norma (n.º 2), materialmente comercial, foi o de evitar que se contorne a proibição prevista no artigo 398.º n.º 1 do Código das...

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