Acórdão nº 573/13.8TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES - I - Relatório M, residente no Loteamento dos Outeiros, Lt. …, freguesia de Lage, concelho de Vila Verde, MA, residente na Rua Senhor do Bom Sucesso, n.º …, freguesia de Real, concelho de Braga e C residente na Rua da Pedrinha, …, R/C Direito, freguesia de Real, concelho de Braga, intentaram a presente acção declarativa contra D e mulher MA residentes na Rua 5 de Outubro, n.º …, freguesia de Real, concelho de Braga e MAR e mulher MA, residentes na Rua dos Artesãos de Real, n.° …, freguesia de Real, concelho de Braga, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio que identificam e a condenação dos réus a entregá-lo livre e devoluto.

Alegaram como fundamento da sua pretensão que são donos e legítimos possuidores do prédio urbano composto de casa de habitação e lavoura por o terem adquirido por escritura pública em 27/12/2000 e registado a seu favor e que nesta data o prédio encontra-se ocupado pelos réus, que o fazem sem qualquer título.

*Contestaram os réus arguindo a excepção de ilegitimidade activa dos autores por desacompanhados dos respectivos cônjuges e a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir e por ininteligibilidade do pedido.

No mais, impugnaram a factualidade alegada pelos autores alegando que o prédio urbano sempre foi formado na sua totalidade, por duas partes distintas constituídas por um rés-do-chão destinado a industria e um primeiro andar, destinado a habitação, as quais são unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para o domínio público e gozando essas duas partes das respectivas licenças de utilização e habitabilidade.

Referiram que o réu MAR, desde o dia 13 de Agosto de 1983 que entrou na posse do rés-do chão, ali explorando uma oficina de reparação de automóveis e os réus D e MA desde o dia 3 de Fevereiro de 1986, que habitam o primeiro andar, o que fazem à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, na convicção de serem os donos.

Aduziram terem os réus celebrado um contrato promessa de compra e venda com o então proprietário M, pai dos autores, por força do qual entraram logo na posse dos imóveis, usando-os e fruindo-os como donos.

Deduziram os réus reconvenção pedindo que o tribunal declare reconhecido e os AA. condenados a reconhecer o seu direito de constituição de propriedade horizontal desse prédio e sua divisão, nas aludidas fracções autónomas compostas com os valores e percentagens referidas e sua adjudicação, por usucapião, ou seja a fracção autónoma correspondente ao rés-do-chão em propriedade plena a favor dos segundos réus e a fracção autónoma correspondente ao primeiro andar em propriedade plena a favor dos primeiros réus.

Mais pediram o cancelamento de qualquer inscrição do direito de propriedade a favor dos autores e chamados, sobre o prédio reivindicado pelos réus, que exista ou possa vir a existir, na Conservatória do Registo Predial.

*Os Réus deduziram o incidente de intervenção de terceiros, o qual foi admitido tendo sido chamados a intervir, MA e marido, V, residentes na Rua da Pedrinha, n.º …, 3.° esq; M, residente na Rua da Pedrinha, n.º …, rés-do-chão direito; J, residente na Rua do Bom Sucesso, n.º …; A e mulher, C, residentes no lugar da Calçada e J, residente na Rua … de Outubro, n. …, todos da freguesia de Real, do concelho de Braga.

*Foi proferido despacho saneador, que julgou a excepção de ilegitimidade activa prejudicada, porque suprida com o incidente de intervenção de terceiros deduzido, onde foram chamados à acção os cônjuges das autoras, e improcedente as excepções de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir e por ininteligibilidade do pedido, declarando-se a validade e regularidade da instância e fixando-se o objecto do litígio e os temas da prova.

Após julgamento, foi proferida decisão que julgou totalmente improcedente por não provada, a acção e, em consequência, absolveu os réus do pedido formulado pelos autores, e julgou totalmente procedente, por provada, a reconvenção, declarando, em consequência, reconhecido o direito de constituição de propriedade horizontal do prédio sito na Rua Cinco de Outubro, freguesia de Real, concelho de Braga, e a sua divisão, nas fracções autónomas: - Rés-do-chão destinado a industria, composto por uma divisão ampla com WC e com a área total de 69,83m2, com entrada pelo n.° de policia … e com o valor de 10.000€, a que corresponde a percentagem de 31,25% do valor total do prédio; - Primeiro andar, destinado a habitação, composto por três quartos, sala de jantar, sala de estar, dois quartos de banho e cozinha, com a área total de 105,36m2, com entrada pelo n.° de policia … e com o valor de 22.000€, a que corresponde a percentagem de 68,75% do valor total do prédio; adjudicando a fracção autónoma correspondente ao rés-do-chão em propriedade plena a favor dos réus MAR e M e a fracção autónoma correspondente ao primeiro andar em propriedade plena a favor dos réus D e MA, e condenando os autores e intervenientes a reconhecer o direito de propriedade dos réus/reconvintes, mais se tendo ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor dos autores e intervenientes, sobre o prédio cuja propriedade foi reconhecida aos réus.

*II-Objecto do recurso Não se conformando com a decisão proferida vieram os AA. interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões: 1- O Tribunal a quo jamais deu cumprimento ao seu dever consignado no art. 5.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo CPC, de notificação das partes finda a fase dos articulados (que ainda não havia terminado à data da entrada em vigência da lei - 1 de Setembro de 2013) para apresentarem requerimentos probatórios, o que configura nulidade ao abrigo do disposto no art. 195.° CPC de todo o processado após o termo dos articulados, que aqui deve ser declarada.

2- A PI que origina os presentes autos foi intentada por interveniente que se viria a revelar não habilitado para assegurar o patrocínio judiciário aos autores, do que estes só foram notificados passados mais de 30 dias sobre a apresentação da contestação com reconvenção pelos réus, razão pela qual não lograram apresentar réplica.

3- Neste contexto, mais premente seria ter sido realizada a comunicação imposta por lei em obediência ao princípio de igualdade de armas e de tutela jurisdicional efectiva- cfr. art. 20.°, n.º 4 CRP.

4- Os recorrentes não podem ficar vítimas do seu desconhecimento como da generalidade da população - das regras da alçada, da cominação processual por falta de impugnação e, sobretudo, dos actos que não tutelam os seus direitos pelos seus representantes - mas, mais ainda, que os próprios Tribunais não lhes possibilitem a tutela das suas questões e produção de prova a respeito das mesmas.

5- Por outro lado, os recorrentes já apresentaram pedido de nulidade ora exposto que nunca foi decidido pelo despacho do Tribunal a quo com o n.º … ou ponderado na sentença a quo, o que mais determina a nulidade daquele ou desta por omissão de pronúncia (art. 200.º, n.º 3 e 615.°, n.º 1, al. d) CPC).

6- Seguidamente, a sentença a quo considera que a presunção resultante do art. 7.° do Código de Registo Predial foi ilidida porquanto aos réus foi entregue, respectivamente, cada fracção pelo promitente vendedor - num caso há mais de 30 anos, noutro há mais de 25 anos.

7 - Sucede, todavia, que conforme bem assinala a passagem em questão, as fracções foram entregues ao abrigo de contratos-promessa - vd. facto provado n.º 7 e facto provado n.º 10.

8- Quem detém porquanto é promitente-comprador sabe bem que não é proprietário. São premissas logicamente incoerentes e impossíveis de compatibilização simultânea. A detenção do imóvel enquanto promitente-comprador exclui, inerentemente, qualquer consciência de propriedade porquanto o promitente tem consciência de que o seu título de posse é um contrato promessa que carece de ser concretizado no contrato prometido - a posse dos réus/recorridos sempre foi uma mera detenção, sem animus possidendi.

9- Ora, quem detém enquanto promitente-comprador apenas pode adquirir para si o direito após inversão do título de posse - cfr. art. 1290.° CCiv. - contudo nenhum acto foi alegado a este propósito.

10- A este particular, atente-se na jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. n.º 106/06.2TBFCR.C1, datado de 11/17/2009, bem como no impressionantemente aplicável ao caso o aresto do Supremo Tribunal de Justiça, proc. n.º 433/2001.C1.S1, datado de 09/19/2013.

11- A detenção na qual os réus entram por força da traditio do imóvel não foi transformada em posse por inversão do título desta, razão pela qual estes não podem adquirir por usucapião. Nunca houve um acto de oposição ao proprietário do imóvel (recorde-se que o promitente-vendedor era casado, necessitando de consentimento de sua cônjuge para venda) que sempre viu a detenção do imóvel ser exercida da mesma maneira, não existindo nenhuma inflexão no tratamento material do mesmo.

12- Não está provada nenhuma circunstância que permita concluir pela inversão do título de posse, sendo certo que o mesmo aresto ainda afirma que "carece manifestamente de densidade factual, para efeitos de inversão do título, a simples realização de obras de manutenção e reparação interiores" - cfr. por oposição os factos provados n.º 16, 17, 19 que não são suficientes para concluir seja pelos actos de um proprietários seja pela inversão de título de posse através dos mesmos, mais avultando ainda a diferença de intensidade dos actos praticados pelo réu Marcial dos actos praticados pelo réu Domingos. Mais se veja o lapidar acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proc. n.º 3566/06.8TBVFX.Ll.S2, datado de 03/12/2015.

13- Destarte, ao concluir que os réus adquiriram as fracções por usucapião, errou a sentença a quo que deveria ter feito melhor aplicação do direito aos factos, concluindo que os recorridos eram...

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