Acórdão nº 468/11.0TBCBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório Sociedade A, Lda., pessoa colectiva n.º …, com sede na Avenida …, Cabeceiras de Basto e José, casado, residente na Rua …, Almada, vieram propor acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra Maria e marido, Manuel, ambos residentes na Rua …, Cabeceiras de Basto, pedindo a declaração de nulidade da escritura de justificação notarial celebrada pelos Réus relativo ao prédio inscrito na matriz sob o artigo … e consequente cancelamento de qualquer registo que exista com base em tal escritura, bem como a condenação dos Réus a reconhecer que os Autores são os proprietários de tal prédio.

Para tanto, os Autores alegaram, em síntese, que os Réus, por escritura pública datada de 9 de Setembro de 2011, justificaram a aquisição por usucapião de um prédio, através da qual declararam que adquiriram o mesmo por contrato verbal de compra e venda no ano de 1990, e que desde então passaram a usufruir do prédio justificado; que as declarações tendentes à justificação notarial são falsas, já que o terreno em causa corresponde à parte sobrante de um loteamento efectuado no prédio dos Autores, denominado "Campo X"; que a primeira Autora adquiriu tal imóvel, na proporção de 12/13 avos, mediante escritura pública de compra e venda celebrada com Empresa Y - Empreendimentos Imobiliários, Lda.; que o segundo Autor igualmente adquiriu o imóvel, na proporção de 1/13 avos, mediante negociação particular em processo de insolvência, encontrando-se tais aquisições registadas; que o prédio sempre foi utilizado pelos Autores e respectivos antepossuidores, há mais de 60 anos, contínua e ininterruptamente; que os Réus nunca celebraram o contrato verbal por si indicado; e que, em consequência, a escritura de justificação é nula.

*Citados os Réus, vieram os mesmos apresentar contestação, alegando serem os legítimos proprietários do terreno em causa, tendo adquirido o mesmo por contrato de compra e venda verbal celebrado em meados de 1990, com a sociedade comercial por quotas denominada "MC, Lda", tendo pago para o efeito o valor de 2.750.000$00.

*Os Autores responderam à contestação, impugnando as excepções deduzidas pelos Réus.

*Foi proferido despacho, através do qual Autores e Réus foram convidados a aperfeiçoar os seus articulados, o que fizeram.

*Foi dispensada a realização de audiência prévia e, em consequência, foi proferido despacho saneador por escrito, no qual foram fixados os termos do litígio e os temas da prova.

*Por falecimento do Autor José, foi a instância declarada suspensa a 7.10.2014, nos termos dos arts. 269.º, n.º 1, al. a) e 270.º, do Cód. Proc. Civil.

*A 17.4.2015, foi proferido despacho a determinar que se aguardasse o devido impulso processual, sem prejuízo do disposto no art. 281.º, n.º 1, do Novo Código de Processo Civil, cuja notificação foi remetida às partes a 20.4.2015.

Com data de 26.8.2015, foi apresentado requerimento de habilitação por parte da intitulada herdeira do autor falecido a requerer a sua habilitação na posição do primitivo A., a fim de prosseguirem os autos os seus ulteriores trâmites, a que se seguiu o requerimento dos RR., apresentado a 3.9.2015, a requerer a extinção da instância, por deserção, com o subsequente indeferimento da habilitação requerida.

*Por requerimento datado de 26 de Agosto, veio A. A. deduzir incidente de habilitação, nos termos do art.º 353.° do Cód. Proc. Civil, alegando em síntese ser a única herdeira do falecido Autor.

Em resposta, os Réus Maria e marido vieram invocar a deserção da instância, alegando que o processo se encontrava a aguardar impulso processual há mais de seis meses por negligência das partes.

*Foi, então, proferida decisão, nos seguintes termos: “A deserção da instância encontra-se prevista no art.º 281.°, n.º 1, do Cód. Proc.

Civil, ocorrendo, como referiram os Réus, "quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses ".

O instituto da deserção da instância sofreu alteração face ao anterior regime processual civil, não sendo actualmente precedido de interrupção.

Em face de tal alteração, a jurisprudência tem vindo a considerar que a deserção não é de aplicação automática, encontrando-se dependente da prolação de um despacho que analise a conduta processual das partes, determinando se a mesma foi, ou não, negligente neste caso vd., entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 26/02/2015, proc. n.º 2254/l0.5TBABF.L1-2, disponível in www.dgsi.pt.

Até à data, tal despacho não foi ainda proferido, motivo pelo qual não ocorreu a deserção da instância.

No caso em análise, é certo que as partes, entre os dias 7 de Outubro de 2014 e a presente data, nada fizeram, não obstante terem sido notificadas para se pronunciarem por despacho datado de 17 de Abril de 2015.

Todavia, é necessário ter em consideração que foi a habilitanda que, de mote próprio, veio requerer a sua habilitação como herdeira do falecido.

Ora, por um lado, os autos tiveram entretanto impulso processual; por outro lado, tal impulso foi dado por um terceiro que, para além de nunca ter sido notificado do estado dos autos (e por isso não tinha que tomar posição, não lhe sendo por isso imputável qualquer negligência), assume ainda, pela sua qualidade de herdeiro do falecido Autor, interesse no prosseguimento dos autos.

Atento o exposto, considera-se não ter decorrido a deserção da instância.

Notifique.”.

*Não se conformando com o decidido vieram os RR./Apelantes interpor recurso, apresentando nas suas alegações as seguintes conclusões: 1- Os apelantes impugnam a decisão recorrida quanto à matéria de direito, pelo que norteiam o recurso pelo disposto no art. 639.º, do CPC; 2- Por motivo de falecimento do A. José, foi requerida a suspensão da instância, nos termos e para os efeitos dos arts. 269.º, n.º 1, al. a) e 270.º, n.º 1, ambos do CPC; 3- Os autos foram suspensos por douto despacho datado de 7 de Outubro de 2014.

4- Pelo que, atento o motivo da suspensão, a mesma apenas cessava com a notificação que considerasse habilitados os sucessores da pessoa falecida tal como prescreve o art. 276.º, n.º 1, al. a, do CPC; 5- Sucede que, atenta a inércia das partes no sentido de promoção da habilitação, a Mm.ª Juiz do Tribunal ‘a quo’, por despacho datado de 16 de Abril de 2015 comunicou às partes que os autos aguardavam o devido impulso processual, sem prejuízo do disposto no art. 281.º, n.º 1, do CPC; 6- Nos termos deste preceito normativo, ‘considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses’; 7- Pelo que, à data da prolação do aludido despacho já havia decorrido o prazo de seis meses sem qualquer movimento processual; 8- Não obstante, apenas em 26 de Agosto de 2015, foi notificada aos Apelantes/RR. a propositura do incidente de habilitação; 9- Ora, entre a data da suspensão da instância, em 7 de Outubro de 2014 e o da propositura do incidente de habilitação, em 26 de Agosto de 2015, mediou um período de mais de 10 meses; 10- Por conseguinte, os RR/Apelantes entendem que a instância deve ser extinta por deserção, tendo requerido a extinção por requerimento; 11- Porém, a Mm.ª Juiz do Tribunal ‘a quo’, no despacho recorrido, entendeu não ter decorrido a extinção da instância; 12- Tendo considerado “…os autos tiveram entretanto impulso processual; por outro lado, tal impulso foi dado por um terceiro que, para além de nunca ter sido notificado do estado dos autos (e por isso não tinha que tomar posição não lhe sendo por isso imputável qualquer negligência, assume ainda pela sua qualidade de herdeiro do falecido Autor, interesse no prosseguimento dos autos”; 13- Os Apelantes entendem que tal entendimento é incorrecto; 14- Por um lado, o único movimento processual verificado no período que intermediou a suspensão da instância e a propositura do incidente de habilitação foi o despacho judicial a provocar o impulso processual, já o mesmo se encontrava parado há mais de seis meses e que, até, nem surtiu efeito; 15- Por outro lado, a negligência processual pode advir de qualquer das partes envolvidas no processo e, assim, ainda que não se possa imputar negligência ao terceiro que veio deduzir incidente de habilitação, certo é que os restantes AA. Advertidos das consequências da falta de impulso processual desde 16 de Abril de 2015, o deveriam ter feito.

16- Aliás, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 26.2.2015, proc. n.º 2254/10.5TBABF.L1-2, disponível em www.dgsi.pt refere que: “No despacho que julga deserta a instância o julgador tem de apreciar se a falta de impulso processual se ficou a dever a negligência das partes, o que significa que terá de efectuar uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efectivamente, de negligência destes…”.

17- Aponta, ainda, a Mm.ª Juiz do Tribunal ‘a quo’ que face às alterações verificadas no instituto da deserção da instância, esta já não é de aplicação automática, dependendo da produção de despacho a determinar se à conduta das partes pode ser imputada negligência; 18- Certo é que o novo regime processual encurtou o prazo de dois anos, para os actuais seis meses que as partes dispõem para impulsionar os autos e eliminou-se a figura da interrupção, ficando a instância deserta logo que o processo esteja parado, por negligência das partes, por mais seis meses; 19- Logo, mesmo sendo verdade que a deserção deixou de ser automática, face ao alegado é evidente o juízo de censura à negligência dos AA/Apelados que tinham interesse no prosseguimento da acção; 20- Pelo exposto, a douta sentença recorrida viola os arts. 269.º, n.º 1, al. a), 270.º, 276.º, n.º 1, al. a) e, em especial, 281.º, n.º 1, todos do CPC, cuja aplicação determina necessariamente a extinção da instância por deserção.

Nestes termos e nos melhores de direito, que por V.ªs Ex.ªs serão supridos...

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