Acórdão nº 939/09.8TBVVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Dezembro de 2017
Magistrado Responsável | JORGE TEIXEIRA |
Data da Resolução | 18 de Dezembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
I – RELATÓRIO.
Recorrentes: João e Maria.
Recorridos: Freguesia X, Manuel, Céu, J. R., Manuela e Eduardo e incertos.
Tribunal Judicial de Braga - Juízo Local Cível de Vila Verde.
João e Maria intentaram contra a Freguesia X, Manuel, Céu, J. R.
, Manuela e Eduardo e incertos, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, na qual pedem que: a) Se reconheça que se encontra abolido, ope legis, o atravessadouro existente na Bouça M, inscrita na matriz de X sob o artigo 951.º, podendo, assim os Autores vedar a sua utilização por quem quer que seja, na sua qualidade de herdeiros deste e proprietários da habitação nele implantada; b) Sejam os Réus impedidos de utilizar esse atravessadouro e a Freguesia X obrigada a reconhecer a mesma realidade.
Alegam, em síntese, que: - Os Autores são proprietários da casa de morada, com rossio, sita no Lugar ..., Freguesia X, Conselho de Vila Verde, inscrita na matriz sob o artigo urbano n.º 480, construída sobre uma parcela de terreno com a área de 400m2, destacada da denominada Bouça M, descrita na Conservatória sob o n.º 37... e inscrita na matriz sob o artigo rústico 95, por a haverem adquirido por doação dos pais da Autora esposa, conforme escritura de 12.06.1981; - Os Autores são titulares, ainda, de seis dos demais sete quinhões hereditários da herança aberta por óbito dos doadores, um por sucessão directa e os outros por os haverem adquirido aos seus irmãos, Conceição, M. C. e marido, F. C. e esposa, Manuel C. e esposa e C. C. e esposa, por escrituras lavradas no Cartório Notarial, respectivamente, em 18.12.1997, 26.07.1995, 31.07.1991, 6.01.1997 e 23.07.1992; - Herança essa que integrou a parte remanescente da Bouça M, pertencendo o outro quinhão hereditário a seu irmão, Jorge, residente no dito Lugar ..., por direito próprio e por aquisição ao respectivo irmão, José; - Os Autores e irmão, Jorge, não procederam, ainda, à partilha amigável do acervo hereditário, correndo inventário, estando na posse efectiva de parte determinada e devidamente demarcada da citada Bouça M que, no seu conjunto, representa todo o prédio; - Encontrando-se as respectivas partes da Bouça M, de facto, divididas no logradouro das respectivas casas de habitação de cada um, Autores e irmão Fernando, com a consequente utilização como tal, com ânimo de quem exerce direito próprio, com exclusão de outrem e sem oposição de quem quer que seja, à vista de todos, no exercício de posse, como tal, pública, pacífica e de boa fé, há mais de 15 anos; - Sobre essa Bouça M e fazendo desta parte integrante, desde tempos imemoriais, existia um “atravessadouro” para acesso à fonte pública existente nesse lugar e denominada “Fonte N”; - Atravessadouro que era usado, exclusivamente, como passagem dos habitantes do dito Lugar ..., para tal acesso à referida fonte e que não constituiu, nem constitui, servidão a favor de qualquer prédio; - Todavia, actualmente, existe uma Estrada Municipal que margina o local onde essa fonte continua a brotar, estrada à qual os moradores do Monte têm acesso, também por via pública que serve o lugar, desembocando o antigo atravessadouro na dita Estrada Municipal; - É por estra Estrada Municipal e só por esta que existe, hoje, acesso directo à mesma “Fonte N” que, aliás, inútil, pois que a Freguesia X e, concretamente, o Lugar ..., é servido por distribuição domiciliária de água pelos serviços públicos respectivos e porque a água da dita fonte foi considerada imprópria para consumo, conforme placa informativa na mesma afixada, razões pelas quais não está tal fonte a ser utilizada pelos moradores do Monte; - A utilização do atravessadouro, cujo leito se situa na parte mais elevada do terreno dos Autores, que integra, passando ao lado da casa de morada e respectivo logradouro, implica intolerável devassa destes e da vida privada da família que constituem, tornando a propriedade facilmente acessível a quem passa e não permitindo que os Autores dêem à parte do terreno usado como atravessadouro destinação adequada e útil, motivo pelo qual os Autores pretenderam vedar tal atravessadouro aos moradores da área; - No entanto, não obstante a clara desnecessidade desse uso para acesso à dita fonte, unanimemente considerada desactivada, o mesmo atravessadouro está, actualmente, a ser utilizada pelos Réus identificados e outras, poucas, pessoas do lugar, como forma de encurtamento de distância entre as respectivas habitações e uma paragem de autocarro implantada nas proximidades da “Fonte N”, à margem da dita Estrada Municipal; - Com esse fundamento expresso, os Réus, apoiados pelo Sr. Presidente da Junta de Freguesia, opuseram-se a essa vedação, invocando a antiguidade do mesmo, perdida no tempo.
A fls. 44, vieram os Autores desistir do pedido relativamente ao Réu Ricardo.
Contestaram a Ré Freguesia X, representada pela respectiva Junta de Freguesia, impugnando os fundamentos da acção e alegando, em síntese, que: - Toda a gente sabe que, sobre a “Bouça M” referida no petitório e dela fazendo parte integrante, não existe e nunca existiu qualquer atravessadouro; - O que acontece é que os Autores vêm, de uns tempos a esta parte, intentando apropriar-se do leito de um antiquíssimo caminho público pedonal, que margina, a Poente, aquela “Bouça M” e que os Autores dizem integrar o acervo da herança ilíquida e indivisa aberta por morte dos pais da Autora; - Caminho que se situa em plano superior (mais de um metro) ao do terreno dessa “Bouça” e dela se acha delimitado por muro nesse prédio existente e que o limita e na parte final, mais a sul, através de uma vedação de esteios ou vigas e rede de arame; - Esse caminho público paroquial, classificado na toponímia da Freguesia X como caminho n.º 23, liga a Rua … à Estrada Nacional; - Tem o seu assento a marginar a dita “Bouça M”, em plano superior ao desta, com a largura média de um metro e meio e leito permanente, trilhado e calcado, em terra batida e em parte alcatroado; - Desde tempos imemoriais, desde tempos que em muito excedem a memória dos vivos, mesmo os mais idosos, sempre esteve afecto ao uso directo e imediato dos habitantes do Lugar ..., de toda a freguesia e do público em geral; - Que por ele livremente praticavam e faziam trânsito a pé e com animais, para ... nacional aceder ao caminho público do Monte, hoje Rua VG, e desse caminho ou Rua VG aceder àquela estrada; - E isso sempre o fizeram os moradores do Lugar ..., os habitantes da Freguesia X e o público em geral, desde tempos imemoriais, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém; - Sempre no convencimento, de quem o fazia e de toda a gente, de que usavam, ao transitar livre a abertamente por esse caminho, coisa pública e de manifesta e indesmentível utilidade pública, ao dispor, como sempre se achou, do uso e utilização directa e imediata de todos; - Por isso mesmo, a Junta da Freguesia X sempre o teve sob seu cuidado e administração, tratando, quando necessário, da sua limpeza, conservação e defesa; - E por isso mesmo promoveu, quando entendeu conveniente, a sua classificação como via pública paroquial e procedeu, por diversas vezes, ao longo dos tempos, à sua beneficiação e conservação através da colocação de gravilha no seu leito e até à sua pavimentação, no troço inicial, junto à estrada, com piso alcatroado; - E tudo isso vem acontecendo desde tempos imemoriais, ininterruptamente; - De resto, o leito e assento desse caminho público paroquial situa-se, inteiramente, fora e à margem da “Bouça M”.
Os Autores responderam à Contestação, impugnando o aí alegado, mais alegando que: - A deliberação da Junta que classificou o atravessadouro em causa nos autos foi realizada após os Autores manifestarem a sua intenção de porem termo à circulação de pessoas pelo referido atravessadouro; - A convocatória dessa assembleia de freguesia teve como único objecto a “atribuição de nomes e numerações a caminhos”, passando o dos autos a ser o 23, situado entre a Rua VG e a Estrada Nacional 205; - Essa deliberação foi feita para obstar à intenção dos Autores de libertarem a sua propriedade da passagem de menos de meia dúzia de pessoas que, para encurtarem caminho até à paragem do autocarro, por aí têm passado; - Esse trilho de passagem a pé, com alguns pucos centímetros de terra batida, ladeada por vegetação herbácea, constitui um mero atalho que tem por finalidade encurtar distâncias, pelo menos desde que a fonte foi totalmente desaproveitada, sendo, actualmente, o tanque que apara a água, mais do que um vazadouro de água “choldra”; - Esse trilho tem cerca de 100 metros de comprimento e menos de 1,50m de largura e servia, apenas, para que as gentes do Lugar ... se dirigissem à fonte, enquanto a nascente teve tal aproveitamento.
Por despacho de fls. 84 foram os Autores convidados a suprir a ilegitimidade activa decorrente da preterição de litisconsórcio necessário, uma vez que, nos presentes autos, pretendem exercer um direito de que será titular uma herança indivisa.
A fls. 88 foi requerida a intervenção principal provocada de Fernando e mulher, M. D., e de L. S. e mulher, C. L..
* Por despacho de fls. 96 foi admitida a requerida intervenção principal e ordenada a citação dos Chamados.
Entretanto, a fls. 129, vieram os Autores comunicar a aquisição da totalidade do prédio rústico em causa nos autos, razão pela qual, por despacho de fls. 136, foi ordenado o seu prosseguimento com as partes primitivas.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu julgar totalmente improcedente a acção.
Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os Autores, sendo que, das respectivas alegações desses recursos extraiu, em suma, as seguintes conclusões: 1. Como resulta da douta sentença recorrida a determinação da natureza jurídica do “caminho” em discussão nos autos é fulcral para a decisão concreta a dar ao presente litígio, sendo certo...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO