Acórdão nº 300/16.8T8AVV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelEVA ALMEIDA
Data da Resolução18 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO Nos autos de acção declarativa, com processo comum, que AJ move a Empresa A, Lda., no despacho saneador, proferido em 5.6.2017, decidiu-se: – «Em face do exposto, e nos termos do disposto nos artigos 186ºnº 2, alíneas b) e c), 196º, 278º, nº 1, alínea b), 576º, nºs. 1 e 2, 577º, alínea b), 578º, e 595º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, julgo nulo todo o processo, com fundamento na ineptidão da petição inicial, e, consequentemente, absolvo a Ré da instância.»*Inconformado o autor interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: A. O ora Apelante intentou a acção declarativa constitutiva com vista ao reconhecimento do direito de propriedade sobre todos os prédios que compõem a Quinta X por aquisição originária resultante de usucapião, nos termos do artigo 1287.º do Código Civil, bem como a restituição da posse relativamente às cinco fracções da Quinta que se encontram presentemente registadas a favor da Apelada e das quais ilegitimamente esta se empossou em 2015.

  1. Na PI, o Apelante reconstituiu de forma ampla e detalhada toda a evolução da propriedade e da posse referente à totalidade das fracções (18), desde o momento em que herdou parte da propriedade de cada uma delas (cinco oitavos) e simultaneamente passou a ser delas único e exclusivo possuidor, nunca a posse tendo sido transmitida até 2015 – e foi-o de forma ilegítima.

  2. Os autos, inicialmente tramitados no Juízo Local Cível de Arcos de Valdevez e onde nenhuma questão foi levantada quanto à ineptidão da petição inicial, foram remetidos ao Juizo Cível de Viana do Castelo após a correcção do valor da acção.

  3. O Tribunal a quo, contrariamente ao entendimento de Arcos de Valdevez, notificou as partes da intenção de conhecimento imediato das figuras de ineptidão da petição inicial e, eventualmente, da figura da inviabilidade da pretensão, tendo o Apelante, sob pena de nulidade, requerido notificação das partes “sobre os concretos factos/fundamentos/circunstâncias que levam o Tribunal a ter intenção de conhecer de imediato sobre as figuras da ineptidão da petição inicial e da inviabilidade da pretensão, sob pena de estar a ser limitado o exercício do contraditório”.

  4. O despacho subsequente indeferiu a pretensão do Apelante e absolveu a apelada da instância, julgando inepta a petição inicial, sem especificar contudo qual a alínea do art- 186.º, n.º2 aplicável em concreto, vício desde logo invocado para os devidos efeitos legais.

  5. A sentença recorrida, ao absolver a Apelada da instância com base na ineptidão da petição inicial, violou ostensivamente o disposto no art. 186.º, n.º2 e 3 do CPC, não se verificando nenhum fundamento que o determine, designadamente contradição entre pedido e causa de pedir.

  6. A decisão recorrida pôs termo ao processo invocando fundamentos de contradição entre a causa de pedir e o pedido que nem a Apelada descortinou ou invocou na sua extensa contestação, sendo que esta compreendeu, por inteligível, o alcance da petição apresentada.

  7. Os factos constitutivos da pretensão deduzida pelo Apelante foram claramente alegados, verificando-se de modo silogismo necessário entre causa de pedir e pedido, sendo que na PI a matéria factual gizou a sequência de todas as ocorrências relacionadas com todos os actos de posse e propriedade em que o Apelante foi interveniente directa ou indirectamente, aí sendo explicitado o elemento volitivo da posse.

    I. O pedido deriva da alegação que o antecede e que integra a causa de pedir, e a procedência daquele resumir-se-á à aferição se a posse pública, pacífica e de boa fé, ainda que não titulada, é idónea ao reconhecimento do respectivo direito de propriedade pelo decurso do tempo legalmente exigido para o efeito, através da figura da usucapião.

  8. A complexidade da matéria em discussão nos autos é o espelho da indispensabilidade da produção de prova para o alcance dos negócios queridos ou não pelas partes, bem como da sua virtualidade para prejudicar (ou não) a aquisição por via de usucapião da propriedade plena sobre os prédios em discussão nos autos.

  9. Impunha-se que o Tribunal a quo, acreditando que certos factos fossem carecedores de concretização, lançasse mão da figura do convite ao aperfeiçoamento, sendo que tal omissão configura nulidade de sentença que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais por violação dos arts. 590.º n.º2, alínea b) e 186.º, n.º2 do CPC.

    L. O convite ao aperfeiçoamento dos articulados, como uma oportunidade para corrigir eventuais insuficiências, impunha-se ao julgador como uma necessária expressão do princípio do máximo aproveitamento dos actos, sendo que a sua preterição apenas importará, com a interposição de nova acção, prejuízo para a boa administração da justiça.

  10. Não se vislumbram as alegadas contradições apontadas entre pedido e causa de pedir, muito menos ao ponto de fulminar a PI com a mais grave das nulidades, sendo que todas as situações apontadas, no máximo, poderiam ser sanadas mediante um convite ao aperfeiçoamento.

  11. O Apelante foi notificado para se pronunciar sobre a eventual ineptidão da petição inicial, mas sem que o despacho correspondente explicitasse minimamente qual o fundamento de tal intenção, pelo que requereu, em vão, ser notificado sobre os respectivos fundamentos, o que configura nulidade.

  12. O Tribunal recorrido mais não fez do que antecipar uma decisão final eventualmente distinta daquela que poderia ser proferida se o Julgador se tivesse debruçado minimamente sobre factos alegados e a na pluralidade de desfechos possíveis de acordo com o sentido da produção de prova.

  13. Um juízo de ineptidão nos termos do 186º, 2, b) apenas se justifica quando há absoluta falta de nexo lógico entre os dois termos da pretensão que nem sequer permita formular um juízo de mérito positivo ou negativo sobre a mesma, o que não sucede, inexistindo qualquer contradição entre causa de pedir e pedido.

  14. A sentença recorrida não atenta na distinção essencial entre os conceitos de posse e de propriedade, sendo que a alegada contradição entre a afirmação de que o Autor herdou o complexo de prédios designado por Quinta X e os documentos juntos em este não figura como proprietário pleno em nada releva para a observância dos requisitos de que depende a aquisição originária por usucapião.

  15. Com o peticionado na PI pretende ver-se criado ex novo um direito de propriedade na esfera do ora Apelante (daí a opção por uma acção declarativa constitutiva), surgindo a restituição da posse surge a título complementar, como decorrência do aludido direito de propriedade entretanto reconhecido.

  16. O Sr. JM nunca foi possuidor dos prédios em causa, pelo que nunca poderia ser parte numa acção de aquisição originária da propriedade por usucapião, o que não invalida que, na escritura de 1999, ainda que formalmente e a pedido do efectivo possuidor e à data comproprietário (o aqui Apelante), figurasse no título de transmissão de propriedade para o Sr. CL.

  17. A explicação do surgimento do “outro proprietário na escritura pública de 29 de Julho de 1999”, no limite, poderia integrar uma eventual questão a responder na enunciação dos temas de prova numa fase ulterior da marcha processual.

  18. A presença numa escritura não configura por si só um acto de posse, sendo tal consideração manifestamente abusiva e muitíssimo distante da realidade fáctica e jurídica sem a devida produção de prova.

    V. Nenhum dos factos indicados quanto à transmissão formal da propriedade afecta a posse, que é daquela independente, jamais tais factos representando uma contradição entre o pedido e a causa de pedir.

  19. A validade, ainda que a título formal, dos actos de transmissão da propriedade em causa em nada afectou a qualidade de único possuidor que o Apelante manteve até 2015, sendo que a posse se manteve sempre à margem das démarches relacionadas com a titularidade formal dos prédios.

    X. As dúvidas suscitadas na decisão e apresentadas como contradições (que não o são) representam precisamente o âmbito para o qual a figura do convite ao aperfeiçoamento da petição inicial foi criada, mas que inexplicavelmente foi preterida.

  20. A usucapião é uma forma de aquisição do direito de propriedade assente na posse (animus e corpus) de tal direito, mantida por certo lapso de tempo (art. 1287.º do CC), sendo que o Apelante adquiriu os prédios que compõem a Quinta X em 1991 por sucessão por “mortis causa”, e que desde aquela data nunca deixou de actuar como verdadeiro proprietário de todos aqueles prédios, ao que acresce o facto de beneficiar da posse dos seus antepossuidores, seus pais, que adquiriram a posse e a propriedade sobre todos os prédios que compõem a Quinta X em 1942, tendo o Autor sucedido aos mesmos na titularidade da posse sobre aqueles prédios.

  21. O facto de ter transmitido a propriedade dos prédios em causa nos autos ao Sr. CL em nada releva para efeitos da aquisição por usucapião, porquanto nunca a posse sobre tais prédios foi transmitida, nem posteriormente foi transmitida para a Apelada até 2015.

    AA. Além de violadas todas as normas processuais supra referidas, resulta violado todo o regime substantivo do código civil relativo à figura da usucapião, consagrada no art. 1287.º e ss do Código Civil.

    BB. Por força de todas as normas jurídicas de natureza processual e substantiva violadas, não pode a petição judicial ser julgada inepta, devendo ser proferida decisão que ordene o prosseguimento dos autos até final, com uma verdadeira decisão de mérito Termos em que deverão V. Exªs dar provimento ao presente Recurso e, e consequência, ordenar a revogação da douta Sentença recorrida e a sua substituição por decisão que, não julgando a petição inicial inepta, ordene o prosseguimento dos autos, seguindo os mesmos seus termos até final com vista à prolação de uma decisão de mérito sobre a matéria nos autos.

    *Foram apresentadas...

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