Acórdão nº 92/16.0T8MTR-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução18 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório 1- Declarada a insolvência da sociedade, PC, Ldª, veio José, intitulando-se de credor de tal sociedade, requerer que se qualifique essa insolvência como culposa e se declare que esta qualificação afeta os sócios gerentes da mesma sociedade, António e Maria, condenando-se os mesmos, solidariamente, a indemnizarem os credores da insolvente pelo montante dos créditos não satisfeitos.

Isto porque, em síntese, os aludidos gerentes, apesar de saberem que a referida sociedade se encontrava inativa desde, pelo menos, Agosto de 2015, e que a mesma acumulava um passivo de 379.101,91€ ou mais, não a apresentaram à insolvência logo que se aperceberam dessa situação ou, pelo menos, nos 30 dias subsequentes.

Por outro lado, os mesmos gerentes ocultaram e fizeram desaparecer a totalidade ou, pelo menos, parte considerável do património da insolvente em proveito de terceiros, por via da: i) Transmissão gratuita do direito de propriedade sobre um imóvel da referida sociedade para o filho daqueles gerentes, Manuel; ii) Cedência injustificada de todos os créditos, presentes e futuros, de que a sociedade devedora era titular sobre o Municípo A, a favor da sociedade, X, Ldª, na qual os sócios gerentes da sociedade insolvente também desempenharam funções de gerência e da qual também foram sócios, em conjunto com o seu filho, Manuel, que é, desde 22/04/2012, o único sócio desta sociedade; iii) E, ocultação de veículos automóveis da sociedade devedora sob o falso pretexto de os terem vendido para sucata após o encerramento da atividade da insolvente.

2- Também a Administradora da Insolvência emitiu parecer no sentido da qualificação desta insolvência como culposa, baseando-se, em resumo, nos seguintes factos:

  1. Falta de colaboração inicial dos sócios gerentes da insolvente, nomeadamente, no fornecimento dos elementos a que se refere o artigo 24.º do CIRE; b) Verificação no estaleiro da insolvente do veículo automóvel, com a matrícula PP, a operar com a inscrição PC, Ldª, pese embora tenha sido alienado para o filho dos referidos gerentes, Manuel, no dia 22/02/2010; c) Desaparecimento súbito da galera L-…, imediatamente antes da concretização da respetiva apreensão; d) Transmissão da propriedade de um imóvel para o filho dos sócios gerentes, a 25/02/2013, não se encontrando documentado o pagamento do respetivo preço; e) Desaparecimento da contabilidade da insolvente, com a remoção de um contentor onde a mesma se encontrava; f) Venda de todos os veículos que se encontram em nome da insolvente, para sucata, sem que dessas vendas tenha sido apresentado qualquer comprovativo; g) Não submissão do IES referente ao exercício económico de 2015; h) Saldos positivos (lucros) nos exercícios económicos de 2013 e 2014, o que se mostra incompatível com as informações prestadas pelo gerente da insolvente, quanto à credibilidade da contabilidade dos referidos exercícios; i) Transferência dos trabalhadores da insolvente para a sociedade, PC, FA, Ldª, que tem objeto social e sede idênticos à da insolvente e da qual a mencionada Maria é também sócia, o que sugere que esta sociedade será a continuação sob outra designação da sociedade insolvente; j) Incumprimento da obrigação de apresentação à insolvência.

    Concluiu, assim, a referida Administradora que a insolvência em causa deve ser qualificada como culposa, devendo os sócios gerentes Maria e António, ser afetados por essa qualificação.

    3- Em igual sentido se pronunciou o Ministério Público.

    4- A Requerida/insolvente e os seus gerentes, António e Maria, em resposta, refutaram as acusações que lhes são feitas e pugnam pela qualificação da insolvência como fortuita.

    Com efeito, alegam, a gerente, Maria, nunca exerceu, de facto, essas funções.

    Por outro lado, só a partir de 19/02/2016, com o trânsito em julgado da sentença que reconheceu o crédito do credor requerente, é que a insolvente ficou definitivamente impossibilitada de satisfazer pontualmente as suas obrigações. Antes, face às dificuldades financeiras que enfrentou, procurou gerar liquidez por forma a pagar aos seus trabalhadores. Aliás, as condutas relevantes, para efeitos de qualificação da insolvência, são apenas as que se verificaram nos três anteriores ao início do processo de insolvência. O que não se verifica, por exemplo, em relação ao imóvel alienado ou à cessão de quotas para a sociedade, X, Ldª, sendo certo que a mesma foi realizada no interesse de ambas as sociedades. E o mesmo se pode dizer da transmissão do veículo com a matrícula PP ou dos veículos vendidos para sucata, que tinham reduzido valor, além de que a sua venda visou gerar liquidez financeira para permitir o pagamento dos créditos laborais dos trabalhadores da insolvente.

    Num outro plano, confirmam que não foram prestadas contas em relação ao exercício de 2015, mas nos dois exercícios anteriores elas evidenciaram bem o lucro obtido pela insolvente.

    Finalmente, sustentam que a matéria de facto alegada não permite estabelecer o nexo causal entre a atuação dos administradores da sociedade insolvente e a situação de insolvência ou, pelo menos, o seu agravamento.

    Daí que pugnem pela qualificação desta insolvência como fortuita.

    5- Em resposta, o Requerente e a Administradora da Insolvência, reafirmaram a sua posição inicial.

    6- Conferida a validade e regularidade da instância e fixados os temas da prova, foi designada data para a audiência final e, realizada esta, foi proferida sentença que termina com o seguinte dispositivo: “Nestes termos e pelos fundamentos expostos: 1. Qualifica-se a insolvência da sociedade PC, Ldª como culposa.

    1. Declara-se a inibição de António para administrar patrimónios de terceiros por um período de 5 (cinco) anos.

    2. Declara-se a inibição de António para o exercício do comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de 5 (cinco) anos.

    3. Declara-se a inibição de Maria para administrar patrimónios de terceiros por um período de 3 (três) anos.

    4. Declara-se a inibição de Maria para o exercício do comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de 3 (três) anos.

    5. Determina-se a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por António e por Maria.

    6. Condenam-se, solidariamente, António e Maria a pagarem uma indemnização aos credores da sociedade insolvente PC, Ldª, em montante a liquidar em execução de sentença, nos termos do n.º 4 do artigo 189.º do ClRE, que deverá atender, por um lado, ao valor dos créditos não satisfeitos dos credores da sociedade insolvente e, por outro lado, ao montante dos patrimónios dos referidos gerentes António e Maria.

    7. Custas processuais a cargo da massa insolvente”.

    7- Inconformados com esta decisão, dela recorrem António e Maria, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: “

    1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo tribunal a quo em sede de qualificação da insolvência, a qual foi considerada culposa e abrangendo ambos os recorrentes.

    2. Entendem os recorrentes que a presente sentença conheceu de matéria que não podia ter conhecido; que a matéria de facto dada como provada se apresenta insuficiente para determinar a decisão final, mais se pretendendo com o presente recurso a impugnação da matéria de facto dada como provada, tendo por objecto a reapreciação da prova gravada.

    3. No que concerne à nulidade por excesso de pronúncia- cfr. art.° 615.°, n.º l, a l . d) do CPC entendem os recorrentes que o tribunal conheceu de factos que se situam para além do período temporal dos três anos previsto no art.° 186.°, n .º 1 do CIRE, o que configura a prática de acto inútil, art.° 130.° do CPC, devendo, em consequência, serem dados como não escritos os pontos 28, 34, 35,36,37,49,50,51,52,53,54,55 dos factos provados e ponto 6 dos factos não provados.

    4. Relativamente à ocorrência de um erro de julgamento, defendem os recorrentes que a matéria de facto dada como provada é insuficiente para se concluir pela ocultação ou sonegação da totalidade ou de parte considerável do património da insolvente, tal como previsto no art.° 186.°, n .º 2, a l . a) do CIRE.

    5. Na realidade, dos factos dados como provados não resulta em que data tais bens desapareceram da esfera patrimonial da insolvente (não podendo afiançar-se que a alegada sonegação de bens ocorreu no período dos 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência), qual o seu valor, quem os fez desaparecer ou qual o valor do património da insolvente, a fim de se concluir pela ocorrência de ocultação/sonegação da totalidade ou de parte considerável do património do devedor.

    6. Mais se diga que, pese embora o tribunal tenha entendido tenha ocorrido violação do dever de colaboração, acabou por considerar que a falta de colaboração foi atenuada ao longo do decurso dos autos, o que por si só, não permite a qualificação da insolvência como culposa, tal como previsto no art.° 86.°, n .º 2, a l . i) do CIRE.

    7. Por outra banda, mais se diga que não resultou demonstrado o nexo causal, relativamente à conduta de cada um dos gerentes e a produção ou agravamento da insolvência da sociedade.

    8. Ante ao exposto, resulta claro que as condenações constantes da sentença recorrida não se poderão manter, designadamente a que impõe a obrigação dos gerentes procederem ao pagamento da indemnização aos credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos até à força dos respectivos patrimónios, sendo certo que, atentos os factos dados como provados, tal condenação se revela desproporcional e iníqua, tanto mais que abrange a totalidade dos créditos e não o dano efectivamente criado.

    9. Também se diga que a sentença em crise não procedeu à fixação do grau de culpa de cada gerente, sendo que tal releva...

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