Acórdão nº 4173/17.5T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelEUGENIA MARINHO DA CUNHA
Data da Resolução21 de Setembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I.

RELATÓRIO Veio D. S.

apresentar recurso do despacho que indeferiu liminarmente o pedido de declaração de insolvência, por manifesta improcedência, com fundamento em a própria requerente alegar ter-se proposto a pagar as dívidas em prestações sem que sejam dadas notícias de insatisfação dos pagamentos que se propôs efetuar, nele se sustentando, ainda, haver a acrescer o facto de, apesar do lapso de tempo que levará ao ressarcimento, atento o montante passível de ser penhorado, dada a idade da requerente não ser de decretar a insolvência.

Formulou a recorrente, as seguintes CONCLUSÕES: 1.

Ao abrigo das disposições conjugada dos artigos 9.º, n.º 1, 14.º, n.º 6, al. b), 45.º do CIRE e do art.º 644.º, n.º 1, al. c) do CPC, aplicável por força do art.º 17.º, n.º 1 do CIRE, vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença de 25/07/2017, que indeferiu liminarmente o pedido de declaração de insolvência; 2.

A manifesta improcedência do pedido de insolvência a que alude o art.º 27.º do CIRE está reservado às situações de «evidente, patente, notória, pública» ou, como afirma a jurisprudência, de «ostensiva, indiscutível, irrefutável, unânime, incontroversa, isenta de dúvidas», ou, noutra formulação, quando seja inequívoco que o procedimento nunca poderá proceder, qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais”; 3.

Quando na douta sentença recorrida se afirma que “face aos factos aduzidos, não obstante ser de forma coactiva, a requerente encontra-se a pagar o aludido crédito, não havendo ainda notícias de insatisfação da acção executiva que lhe foi movida”, e ainda que “o facto de pelo montante passível de ser penhorado tal levará um lapso de tempo considerável a ser ressarcido, tal não é fundamento para ser decretada a insolvência, atenta ainda a idade da requerente”, intrinsecamente se reconhece não estarmos perante manifesta improcedência do pedido, mas antes perante uma particular interpretação da previsão da alínea b), n.º 1, do art.º 20.º do CIRE; 4.

A apresentação à insolvência implica, por si só, o reconhecimento da Requerente, por confissão, da sua situação de insolvência, nos termos das disposições dos art.

os 28.º do CIRE e 352.º do Código Civil; 5.

Os créditos/obrigações vencidas descritos pela Requerente estão a ser já exigidos em três execuções e não em uma; 6.

De nenhum dos factos alegados na petição se pode extrapolar que a Apelante, no âmbito das execuções que se encontram pendentes, esteja a pagar os avultados créditos que se encontram vencidos (apenas está alegado que foram penhorados os bens móveis existentes na residência da Apelante); 7.

Ao rendimento bruto mensal da Devedora, de €800,00 a recibos verdes, há que subtrair, sem necessidade de alegação (por decorrer da Lei e das regras da experiência e da normalidade), o montante da contribuição devida à segurança social de 29,6% (€186,13) e os pagamentos por conta a título de IRS; 8.

Do acervo dos factos alegados na petição não se extrai e nem se pode concluir que esteja a ser penhorada qualquer parcela do rendimento bruto da Requerente; 9.

Sem prescindir, mesmo dando de barato que o rendimento líquido da Requerente fosse de €800,00/mês, em caso algum é de admitir como solução de que a Devedora, com 32 anos de idade, encontra-se em estado de “solvência” quando, mesmo admitindo como hipótese que continue ininterruptamente a trabalhar, a realizar as mesmas horas de serviço e a receber o mesmo valor/hora, necessita de pelo menos 23 anos para pagar as dívidas vencidas (excluído todos os juros vincendos, que continuarão a vencer até integral pagamento); 10.

Esta “curiosa” interpretação da alínea b), n.º 1, do art.º 20.º do CIRE, no sentido de que a idade do devedor é relevante para a verificação da “falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”, ao julgar equilibrado e proporcional o período de 23 anos para cumprir as obrigações vencidas (excluídos os juros vincendos até integral pagamento), não só não tem respalde na Lei, como é violadora do princípio constitucional da igualdade e da proporcionalidade; 11.

A verificação de uma situação de insolvência há-de aferir-se em função de factores objectivos que permitam averiguar se o Devedor se encontra, ou não, em situação de incapacidade de cumprimento da generalidade das obrigações vencidas (art.º 3.º, n.º 1 do CIRE), e não em função da sua idade; 12.

A declaração de insolvência não visa apenas acautelar interesses do devedor, mas também – e essencialmente – os interesses dos credores; 13.

Aliás, a apresentação à insolvência configura-se, não propriamente como um direito, mas antes como um dever, cujo não cumprimento atempado acarreta sanções também para as pessoas singulares não titulares de empresa na data da situação de insolvência, designadamente, a perda do eventual benefício da exoneração do passivo restante, daí que a idade do devedor não seja e nem possa ser um factor de determinação de uma situação de “solvência”, posto que qualquer pessoa incapaz de cumprir as suas obrigações vencidas, independentemente da idade, tem a obrigação de se apresenta à insolvência, sob pena das sanções legais (designadamente, a perda do eventual benefício da exoneração do passivo restante); 14.

Face aos factos alegados na Petição Inicial, é de concluir que a Apelante está em situação de insolvência pela verificação das situações previstas nas alíneas a), b), e) e g-ii) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE; 15.

E que não estamos perante uma situação de manifesta improcedência do pedido; 16.

Sem prescindir, porque não estamos perante uma situação de clamorosa falta de fundamento do pedido de insolvência, isto é, de manifesta improcedência do pedido, se o Tribunal a quo alguma dúvida tinha sobre as duas questões que levanta na motivação da douta sentença recorrida, deveria ter convidado a Requerente a corrigir os vícios sanáveis da petição, concretizando ou esclarecendo os factos ou circunstâncias que julgasse pertinentes (art.º 27.º, n.º 1, al. b) do CIRE e art.º 590.º, n.

os 3 e 4 do CPC aplicável por força do art.º 17.º, n.º 1 do CIRE); 17.

A douta sentença recorrida viola os art.

os 20.º, n.º 1, alíneas a), b), e) e g-ii) e 27.º, n.º 1, al. a) do CIRE; 18.

Ou, quando assim não se entenda, o art.º 27.º, n.º 1, 1l. b) do CIRE e o art.º 590.º, n.

os 3 e 4 do CPC aplicável por força do art.º 17.º, n.º 1 do CIRE.

Não foram oferecidas contra-alegações.

*Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

* II. OBJETO DO RECURSO Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões a decidir traduzem-se em saber: A) - Se inexiste manifesta improcedência do pedido de declaração de insolvência; Existindo, B) - Se o Tribunal a quo tinha o dever de convidar a...

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