Acórdão nº 4699/12.7TBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelRAQUEL REGO
Data da Resolução24 de Outubro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO.

O Ministério Público, junto do Tribunal Judicial de Guimarães, veio requerer a abertura do processo judicial de promoção dos direitos e de protecção relativamente a SARA …, nascida a 08.08.2012, filha de Maria … e sem paternidade estabelecida, com residência actual na AAP (Associação de Apoio à criança), Guimarães, requerendo a aplicação de medida de promoção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista futura adopção.

* Cumprido o disposto no artigo 114º da LPCJP, o Ministério Público apresentou as suas alegações, sustentando a aplicação da medida de confiança da menor a pessoa selecionada para adoção ou a instituição com vista à sua adopção.

A Associação de Apoio à Criança em alegações, defendeu, também, a aplicação da medida proposta pelo Ministério Público.

Por seu turno, a progenitora pugnou pela aplicação à menor da medida de apoio junto da mãe.

* Designado dia para debate judicial, realizou-se o mesmo com observância de todos os formalismos prescritos na lei.

* Foi, depois, proferido acórdão onde se decidiu: a) Aplicar à Sara … a medida de promoção e proteção de confiança à Associação de Apoio à Criança de Guimarães, com vista à sua futura adopção; b) Decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais de Maria … relativamente a Sara …; c) Nomear curador à menor, designando-se para exercer essa função a pessoa da Associação de Apoio à Criança de Guimarães que tenha contacto mais próximo com a mesma; nomeando-se provisoriamente, a Dr.ª A…, técnica superior do serviço social; d) Vedar o exercício do direito a visitas por parte da família natural, a partir do trânsito em julgado da decisão.

* Inconformada, dele interpôs recurso a progenitora, apresentando alegações onde conclui da seguinte forma: 1ª - Vem o presente recurso interposto da aliás douta sentença de fls…, notificada em 3 de Junho de 2013.

  1. - São profusas as críticas que a recorrente tem a dirigir a tal decisão, que abarcam não só a matéria de facto dada por assente, mas também a aplicação do direito ao caso em apreço.

  2. - Em grande parte dos pontos do probatório procedeu o Tribunal à mera transcrição do relatado, quer pelas “técnicas” intervenientes na elaboração do vários relatórios patentes do processo, nomeadamente, do relatório social da EMAT ou das alegações da Associação de Apoio à Criança.

  3. - Em bom rigor, no que concerne à apreciação da matéria de facto provada, estamos perante uma situação non liquet, escusando-se a sentença a tomar posição definida sobre, dentro dos factos alegados pelas partes, quais considerou provados e quais não mereceram tal confiança por parte do Tribunal, sendo certo que a expurgação do que de imaterial consta das alegações das partes, era uma tarefa que lhe competia.

  4. - Não pode deixar de se constatar tal nulidade, por se revelar de extrema importância para a apreciação do objecto dos autos, quando se dá simultaneamente por provados factos similares (repetidos duas ou mesmo três vezes ao longo da sentença) com meras nuances de redacção ou dos elementos qualificativos (adjectivos e advérbios) empregues para “dourar” o probatório.

  5. - Assim, ao não discriminar convenientemente, nem apreciar ou julgar, de todo, os factos que considera provados, nos termos do artigo 659º n.º 2 do Código de Processo Civil, devidamente adaptado à sentença proferida num processo de promoção e protecção, e ao omitir o exame crítico das provas que lhe cumpre conhecer (nº 3 do mesmo preceito), incorreu a sentença recorrida na nulidade prevista na aliena b) do nº1 do artigo 668º do mesmo código, que, desde já se argui, para os devidos efeitos legais.

  6. - A opção inicial da entidade administrativa competente de separar a criança de sua mãe, colocando-a num orfanato e não numa instituição que acolhesse ambas determinou o curso do que haveria de se seguir, nomeadamente a sustentação da inexistência de vínculos afectivos entre mãe e filha, defendido acerrimamente pelas responsáveis daquele lar e um progressivo desinteresse pela reinserção da mãe, que os autos demonstram.

  7. – Sem prejuízo da nulidade invocada e apesar dos reparos feitos ao aparente probatório, ainda assim, a Apelante não deixará de considerar incorrectamente julgados, por padecerem de erro de julgamento, os pontos que a seguir se evidenciarão, indicando-se relativamente a cada um deles (ou ao pacote) os concretos meios de prova que impõe outra decisão.

  8. - Logo à partida é possível descortinar o primeiro erro no probatório, quando no ponto 1 (o segundo ponto 1, repetido em 44) se dá por provado que “Foi aplicada à Sara … a medida de promoção e proteção de acolhimento institucional, pela CPCJ de Guimarães, logo após o nascimento(…)”, o que é falso, uma vez que tal solução não foi aplicada ou imposta, resultando antes de um acordo celebrado entre a mãe, a CPCJ local e a Associação de Apoio à Criança – cfr. acordo de fls. e declaração de consentimento de fls...

  9. - Ou seja, no que ao ponto 1 (segundo ponto 1) do probatório diz respeito, deverá ser introduzida a menção de que a aplicação da medida em causa se deu com o acordo da mãe.

  10. - Quanto aos pontos nº 5, 26 e 72 do probatório, impõe-se aditar ao probatório que, para além das experiências profissionais em Lisboa, a mãe também trabalhou no restaurante Ponte Nova, em Arcos de Valedevez, em limpezas na casa de um casal em Guimarães durante a gravidez e, ainda, esporadicamente em bares, sendo que a actividade laboral que desenvolveu em Lisboa ocorreu numa fábrica. - depoimento da mãe que se aconselha ouvir na íntegra uma vez que o Tribunal poderá com facilidade encontrar respostas no que foi dito, no que foi silenciado e não duvidará da espontaneidade e simplicidade com que foi prestado, até pela incapacidade intelectual da depoente de enfabular ou usar de argúcia capaz de enganar os seus interlocutores (do minuto 4m,00s ao minuto 10m,37s; 18m:53s a 19m:30s e de 22m,57s a 23m:30s) 12ª - Quanto aos pontos 6, 8, 12, 18, 23, 65 , o Tribunal ignorou olimpicamente e com uma desconsideração digna de registo o relato emocionado e entre-cortado da mãe, na parte em que se referiu os maus tratos de que foi vítima na casa dos pais, particularmente pelo irmão, esclarecendo “O meu irmão até me batia a mim...Prontos... Eu quero esquecer isso.” (depoimento da mãe de 9m.40s a 9m:53s e 20m:18s a 20m:22s).

  11. - No que diz respeito aos factos constantes dos pontos 9,10, 11, 13 e, ainda 54, 55,56, notar-se-á inicialmente a contradição insanável que existe entre o relatado em 9 e em 55. Isto é, embora ambos os pontos sejam concordantes na utilização das expressões “demitiu-se do papel de cuidadora” e “se tornou uma figura ausente”, no primeiro caso afirma-se que a Sara … “viveu sempre com a avó” e no segundo caso já se aventa que a Apelante alternava “a sua residência entre a casa da mãe (avó da Sara …) e outros locais”.

  12. - Prosseguindo, com recurso ao depoimento da mãe sobre esta matéria, a mesma informou o Tribunal, de forma bastante espontânea e segura – mesmo perante a insistência do interrogatório e apesar de notoriamente emocionada – que ligava para falar com a filha e que não vinha mais vezes porque, com rigor, nem sequer sabia onde estava, mas que as pessoas com quem convivia lhe diziam ser muito longe – depoimento da mãe de 12m:25s a 13m:16s.

  13. - Impõe-se, assim, levar estes esclarecimentos ao probatório, distinguindo a ausência da intermitência dos contactos, esclarecendo igualmente a inexistência de relação causal entre o aparecimento da doença da criança e a alegada negligência da família.

  14. - Aliás, rematar a descrição desse episódio com um juízo de tal gravidade – sendo certo que não se trata de um facto – sempre careceria de algum tipo de prova adicional, que não se pode bastar pela reprodução de conversas telefónica e relatórios trocados entre as entidades administrativas.

  15. - O facto provado, patente no ponto 11 do probatório não encontra fundamentação capaz em nenhum dos elementos que constam dos autos – nem o relatório social o revela – certo é que não encontrou o Tribunal a quo relevância em importantes circunstancias que resultaram do depoimento da mãe, que contrariam frontalmente tal conclusão. – depoimento da mãe de 4m:00s a 10m:30s.

  16. - No que respeita aos pontos 17 e 63 e 64 dos factos assentes, apenas se refere que a apelante foi integrada em família inscrita para acolhimento de idosos na Segurança Social, da qual saiu ao fim de um mês por desadequação, deixando revelar uma fragilidade da mãe quanto às suas capacidades de integração, que na realidade não existe. - teor do email dirigido pela técnica da AAC A… à CPCJ de Guimarães, fls.63 e o depoimento da mesma de 24m:20s a 25m:30.

  17. - Na realidade, deve ser dado por provado que a mãe da Sara … abandonou esse lar, porque era maltratada, passava fome e era explorada.

  18. - Resultando daqui a necessidade de precisar o que vem vertido nos ponto 77, cabendo aqui dizer que também as instituições, nomeadamente a CPCJ local, se demitem das suas responsabilidades, na medida em que foram estas que a colocaram no lar da tal Fernanda, que a fazia passar fome ao ponto de ter que ser alimentada na AAC (facto que não se coíbem, posteriormente, de lhe atirar à cara).

  19. - Da mesma forma ou pelo mesmo motivo, deve ser esclarecido que foi este o motivo da cessação da amamentação (pontos 33 e 76).

  20. - Por sua vez, no que concerne aos, também conclusivos, pontos 24, 74 e 77 do probatório, bastará ouvir (com a detença que a sensibilidade da matéria impõe e o intérprete deverá ser capaz) o depoimento da mãe para aferir da sua falsidade – depoimento da mãe de 38m:50s a 40m:00s.

  21. - Não que tal depoimento valha só por si, mas há revelações que apenas poderiam ter surgido se tivesse procedido da forma que descreve.

  22. - Aliás, na mesma passagem do depoimento, deixa também a informação de que não possui quaisquer vícios, tais como álcool, tabaco ou drogas, devendo tal facto, por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT