Acórdão nº 24/12.5TBAVV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução17 de Dezembro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO

  1. P.., veio intentar a presente ação com processo comum, na forma ordinária, contra “P.., Lda.”, onde conclui pedindo que se declare nulo o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre autor e ré, por falta de forma e que se condene a ré a restituir ao autor a quantia de €125.000,00, acrescidos de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

    Subsidiariamente, pede o autor que se declare nulo o mesmo contrato, por não verificação da condição resolutiva de obtenção do financiamento para aquisição das frações, e que se condene a ré na restituição ao autor a quantia de €125.000,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento.

    A ré “P.., Lda.” apresentou contestação e deduziu pedido reconvencional onde conclui entendendo dever julgar-se totalmente improcedentes todos os pedidos formulados na petição inicial e procedente por provado o pedido reconvencional e, em consequência, ser declarada a resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 21 de Maio de 2007, assinado entre autor e ré, por incumprimento culposo e definitivo do autor e, em consequência, seja reconhecido à ré o direito a ser indemnizado por tal incumprimento fazendo sua a importância paga pelo autor, a título de sinal.

    O autor P.. apresentou réplica onde conclui como na petição inicial entendendo dever a reconvenção ser julgada improcedente por não provada absolvendo o autor/reconvindo do pedido.

    * Foi elaborado despacho saneador e organizados os factos assentes e a base instrutória.

    Realizou-se julgamento, foi decidida a matéria de facto e foi proferida sentença onde foi decidido julgar a ação improcedente por não provada, absolvendo-se a ré “P.., Lda.” dos pedidos contra ela formulados pelo autor P.. e procedente, por provada, a reconvenção e, em consequência, declarar que houve incumprimento definitivo e culposo do autor em relação ao contrato-promessa celebrado com a ré a 21 de Maio de 2007, e reconhecer-se à ré o direito de haver para si a quantia de €125.000,00 paga pelo autor a título de sinal.

    * B) Inconformado o autor P.. com tal decisão, veio interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 140).

    Nas alegações de recurso do autor P.. são formuladas as seguintes conclusões: 1. Decidiu o tribunal a quo declarar improcedente o pedido de nulidade do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre autor/recorrente e ré/recorrida, pedido esse que se fundamentou na falta de forma legal exigida, mormente a falta de reconhecimento presencial das assinaturas.

    1. Fundamentou o tribunal a quo tal decisão, no facto de existir abuso de direito por parte do autor, na modalidade individual, tudo tendo em conta a sua conduta ao longo da relação jurídica quem manteve com a ré.

    2. Não pode o recorrente deixar de discordar de tal decisão.

    3. Diz-se na douta sentença ora em crise que, o autor vem invocar a nulidade do contrato de promessa por falta de requisitos de forma, quando sabia, desde a celebração deste, que tais requisitos inexistiam, e isso não o impediu de proceder ao pagamento de metade do preço inicialmente acordado, bem como de incluir verbalmente e com a concordância da ré um armazém no mesmo contrato, e de lhe pedir para alterar o projeto inicial, de forma a criar uma única loja, bem como de desenvolver várias diligências que só um comprador empenhado e interessado teria.

    4. O facto de o autor ter conhecimento que desde a celebração do contrato este não continha os requisitos de forma legalmente exigidos não foi matéria sequer alegada ou sujeita a prova.

    5. Os únicos quesitos da base instrutória que de alguma forma abordam qualquer factualidade próxima desta - mas não concretamente esta – foram dados como não provados.

    6. O primeiro, o quesito nº 17, onde se pergunta se aquando da assinatura do contrato de promessa no escritório da sociedade ré, o sócio desta, J.., questionou o autor sobre a necessidade de proceder ao reconhecimento notarial das assinaturas e a certificação notarial da existência da respetiva licença de construção, 8. E o segundo, o quesito 18º, onde se pergunta se nesse momento (na assinatura do contrato promessa) o autor declarou, expressamente o seu total desinteresse no cumprimento desta formalidade.

    7. Vale isto por dizer que a sentença proferida pelo Tribunal a quo, fundamentou a existência de abuso de direito na conduta do autor, num facto que não foi dado como provado, nem sequer alegado, sendo certo que a factualidade que mais desta se aproximaria, foi dada como não provada.

    8. Acresce que, para que exista abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, é necessário saber se a conduta do pretenso abusante foi no sentido de criar, razoavelmente uma expectativa factual, sólida, que poderia confiar na execução do contrato de promessa.

    9. “Uma conduta para ser integradora do “venire” terá de, objetivamente, trair o investimento de confiança” feito pela contraparte, importando que os factos demonstrem que o resultado de tal conduta constituiu, em si, uma clara injustiça.

    10. Atenta a matéria que foi dada como provada, ou seja, de que a ré sabia que o autor necessitava de financiamento bancário para a compra e venda (resposta aos quesitos 3º e 4º), o autor não podia ter criado na ré uma expectativa sólida da realização do negócio.

    11. Tal expectativa apenas poderia ser criada se o autor tivesse transmitido à ré que tinha logrado obter o financiamento, sem o qual não conseguiria realizar o contrato de compra e venda.

    12. Se a ré sabia que o autor necessitava de financiamento para realizar a compra e venda definitiva e aceitou da mesma forma celebrar o contrato de promessa, foi da mesma forma que e com o mesmo espírito que aceitou os pagamentos referentes ao sinal e que perfizeram metade do preço, 15. Sendo também com esse mesmo espírito que aceitou um armazém no contrato-promessa e as alterações ao projeto inicial.

    13. E se a ré sabia que o autor necessitava de financiamento para realizar a compra e venda, não podia desconhecer que, não conseguindo o autor tal financiamento, não iria conseguir cumprir o contrato celebrado, pelo que não foi quebrada qualquer situação de confiança entre recorrente e recorrida.

    14. A conduta do autor apenas poderia integrar o conceito de abuso de direito se antes, durante e após a celebração do contrato-promessa, tivesse transmitido à ré que o empréstimo já lhe tinha sido concedido, ou que, já não necessitava do mesmo para celebrar o contrato – o que não sucedeu.

    15. Por outro lado, só existe abuso de direito quando haja a ocorrência de um particular e fundado investimento de confiança na estabilidade e definitividade do contrato promessa, não resultando minimamente provado a existência de tal ocorrência.

    16. Sempre teremos de ter em conta que a Ré é uma entidade que se dedica com fins lucrativos à construção e venda de imóveis, pelo que não podia nem pode ignorar que a falta do reconhecimento presencial das assinaturas no contrato promessa retiraria inevitavelmente estabilidade ao negócio efetuado, 20. Colocando-se sob o risco fundado de o autor invocar – como invocou – a invalidade que a lei prevê especifica e prioritariamente na tutela dos interesses do promitente-comprador.

    17. E tanto assim foi, que a ré, e pretendendo afastar a sua responsabilidade pela inexistência de tais formalidades, alegou que a falta das mesmas resultou do facto do autor as ter dispensado – facto dado como não provado (quesito 18º).

    18. Na verdade, o instituto do abuso do direito apenas pode travar a declaração de nulidade do contrato, e consequente manutenção da eficácia dos seus efeitos, não tendo sido esse o resultado pretendido pelo legislador, quando os factos e a conduta do abusante apontem para uma manifesta (clamorosa) ofensa da boa-fé e do sentimento geral perfilhado pela comunidade.

    19. Na verdade, a imperatividade do reconhecimento das assinaturas nos contratos-promessa de compra e venda de imóveis, tem como principal objetivo a proteção do promitente-comprador, com vista a dar mais consistência e solenidade ao contrato-promessa de compra e venda.

    20. O que se verifica no caso dos presentes autos, é precisamente o contrário – o contrato que é celebrado entre uma sociedade de construção (!) e um comerciante com a 4ª classe (!) não poderia ser mais simples, e menos solene.

    21. E tanto assim é que, e conforme consta da sentença, o armazém foi incluído no mesmo contrato verbalmente, não constando da mesma que tal facto se deva a culpa do promitente comprador, sendo certo que, a venda feita nesses termos, apenas a este desfavoreceria.

    22. A exigência dos requisitos formais previstos no art. 410º, do C. Civ. surge, unicamente para defesa do interesse do promitente - comprador, que por vezes, menos sabedor de assuntos de natureza jurídica pode vir a sentir-se frustrado quanto a negócios que realizou na melhor das boas-fés.

    23. E tanto assim é que só ao promitente comprador é permitido invocar a omissão de tais requisitos, salvo se para tal houver contribuído.

    24. Não pode, obviamente, generalizar-se e banalizar-se o recurso à figura do abuso de direito como forma de - sindicando os motivos pessoais e subjetivos que estão na base da invocação da nulidade pelo interessado cujo interesse é por ela prosseguido - acabar por precludir a aplicação sistemática do regime legal imperativo que comina determinada invalidade por motivos de deficiências de forma do ato jurídico.

    25. É dito na sentença ora em crise, e passamos a citar que "depois de toda esta atividade, e perante a...

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