Acórdão nº 59/12.8TBPCR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE SEABRA
Data da Resolução12 de Julho de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: AA. B e mulher C, residentes em Paredes de Coura, intentaram a presente acção sob a forma de processo sumário, ora processo comum, contra D. e esposa E., ambos residentes em Ponte de Lima, peticionando a final a condenação daqueles: i). a pagar aos AA. os custos inerentes à correcção dos defeitos melhor elencados em 10.º, a apurar em liquidação de sentença, mas cujo valor não será inferior a 10.000 euros; Caso assim não se entenda, em alternativa, ii). a reparar os defeitos denunciados, cuja reparação foi iniciada, em prazo nunca superior a 15 dias; iii). a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 829-A do Código Civil, o valor de 75 euros por cada dia de atraso após o prazo fixado e até término dos trabalhos de reparação; Sempre e em todo o caso, iv) a pagar ao A., a título de danos não patrimoniais, quantia não inferior a 5.000 euros (cinco mil euros).

Para fundamentar a sua pretensão alegaram, em síntese, que por meio de orçamento emitido em 11 de Janeiro de 2005, o Réu marido propôs-se edificar uma moradia pretendida pelo preço final de 80.000 euros, e aceite tal proposta, a construção do moradia iniciou-se alguns meses mais tarde e terminou em 17 de Agosto de 2006, data em que lhes foi entregue.

Mais alegaram os Autores que realizaram os pagamentos que eram devidos. Sucede que o imóvel, dentro do prazo legal de garantia, manifestou severos defeitos que foram, oportunamente, denunciados ao Réu marido e que este, inclusive, aceitou dando início aos trabalhos de reparação, descrevendo os defeitos em causa.

Aduziram, também, que apesar de ter dado início a tais reparações, certo é que jamais voltou a comparecer na obra, deixando-a inacabada.

Invocaram, ainda, que o imóvel construído pelos Réus é utilizado por si como sua morada pessoal, nele residindo com as filhas de ambos, recebendo a correspondência, fazendo as suas refeições e recebendo os amigos, e, ainda, que, as infiltrações provenientes dos defeitos em causa tornam o ambiente da casa húmido e […]propenso à proliferação de doenças respiratórias, de tal forma que, uma das suas filhas tem problemas respiratórios e frequentes crises, bem como sofre de alergias que são agravadas pela constante exposição ao ambiente húmido da habitação.

Por último, alegaram que, uma vez que os defeitos exteriores (na pintura do prédio, p. ex.) são agora visíveis (porque se agravaram), são olhados na vizinhança como desleixados – o que muito os fere, assim como o problema da fuga de gás na cozinha implica constante sobressalto pois é necessário certificarem-se sempre, diariamente e após cada utilização, que a válvula exterior está desligada, sob pena da fuga poder causar intoxicação ou, com a acumulação, explosão, sentindo-se impotentes perante toda a situação descrita e experimentado momentos de desespero e preocupação, sobretudo pelas duas filhas ainda pequenas.

  1. Citados os RR., vieram estes contestar por impugnação e excepção, pedindo a final a procedência da excepção de caducidade ou a improcedência da acção (com a consequente absolvição do pedido).

    Mais, ainda, deduziram reconvenção, peticionando o pagamento da quantia de € 29. 727, 00, a título de preço ainda não pago pelos AA./donos da obra no âmbito do ajuizado contrato de empreitada e trabalhos extra acordados , assim como suscitaram a alegada litigância de má-fé dos mesmos AA., concluindo pela sua condenação em multa e indemnização não inferior a € 2. 000, 00.

  2. Os AA. ofereceram resposta à excepção de caducidade, e contestaram por impugnação e excepção (prescrição) a matéria da reconvenção, concluindo pela improcedência desta última e mantendo a sua pretensão inicial.

    Mais, ainda, concluíram também pela litigância de má-fé dos RR./Reconvintes e pela sua condenação em multa e indemnização.

  3. Foi proferido despacho de saneamento, relegando para final o conhecimento das excepções invocadas, despacho de condensação, com selecção de factos assentes e base instrutória, despacho este que, tendo merecido reclamação, foi totalmente atendida.

  4. Foi realizado julgamento, com observância do devido formalismo legal, tendo sido proferida sentença que julgou procedente a excepção de caducidade do direito à eliminação dos defeitos, absolvendo os RR. dos pedidos, assim como julgou improcedente a reconvenção, absolvendo os AA. do pedido reconvencional.

    * F). Inconformados, vieram os AA. interpor recurso de apelação da sobredita sentença, no âmbito do qual apresentaram, em síntese, as seguintes CONCLUSÕES: a. O contrato de empreitada de consumo abrange as empreitadas de coisas móveis ou imóveis.

    1. Deve ser qualificada como empreitada de consumo o contrato celebrado (1) por quem destina a obra encomendada a um uso não profissional e (2) alguém que exerce, com carácter profissional, uma determinada actividade económica, a qual abrange a (3) realização da obra em causa, (4) mediante remuneração.

    2. No presente caso foi dado como provado que (1) os Recorrentes pretendiam, para uso exclusivamente pessoal, (3) reconstruir de raiz e ampliar o imóvel já melhor identificado nos autos - cfr. factos n.º 3 e 4 dados como provados na douta Sentença e, mais do que isso, o orçamento junto aos autos a fls. 20 que, com a devida vénia, por desconhecimento total das regras elementares da construção civil, o tribunal a quo não valorizou como devia, dado que no mesmo constam trabalhos de desaterro e aterro da obra; montagem de sapatas, vigas, fundações; paredes de rés-do-chão exteriores e interiores; placa de tecto, placa do telhado e telhado, o que configuram todos os elementos fácticos para subsumir esta empreitada a uma empreitada de consumo. Aliás, d. reconhece a douta Sentença de que se recorre, a propósito do regime legal aplicável ao contrato dos autos, que: “(…) não seria de descartar liminarmente a chamada à colação da normatividade do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril – que transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 1999/44/CE, de 25-5-1999, aprovada pelo Parlamento e Conselho Europeu, dispõe quanto aos contratos de empreitada numa relação de consumo, estando tais normas numa relação de especialidade com as regras gerais do Código Civil, previstas para o contrato de empreitada, derrogando aquelas com as quais se revelem incompatíveis, no seu campo de aplicação, a saber, e precisamente, o da relação de consumo (cfr. artigo 1º do referido diploma legal, com a epígrafe objectivo e âmbito de aplicação). Mais se esclareça que a redacção do n.º 2, do novo artigo 1.º do aludido Decreto-Lei (introduzida pelo Decreto-Lei n.º 84/2008), passou a referir expressamente a aplicação deste regime aos contratos de empreitada que tivessem por objecto o fornecimento de bens de consumo.” e. Não obstante tal reconhecimento, a verdade é que a douta Sentença, alicerçando-se no entendimento de JOÃO CURA MARIANO, que defende que o regime legal da empreitada de consumo “(…) parece continuar a excluir os contratos […]de empreitada em que não é fornecido, produzido ou criado um bem, incidindo as obras de reparação, limpeza ou manutenção ou destruição sobre um bem pré-existente (…)”, acaba por decidir no exato sentido oposto, ou seja o caso concreto não se subsume a uma obra de reparação de limpeza ou manutenção (mas esta questão será objeto de melhor e mais desenvolvida apreciação num segundo momento).

    3. Mal andou o Tribunal a quo, por conseguinte, ao afirmar que “ (…) De todo o modo, os autos nunca permitiriam subsumir a tal regime legal, pela ausência de elementos fácticos susceptíveis de o integrar, apontando a factualidade dada como provada exactamente como se disse na subsunção das obrigações caracterizadas no contrato de empreitada previsto no Código Civil.” Pois que, g. de toda a matéria de facto dada como provada decorre, visivelmente, o preenchimento de todos os requisitos legais necessários (a saber: n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho; n.º 1 e 2 do artigo 1.º-A e alíneas a), b) e c) do artigo 1.º B, ambos do Decreto-lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, na redação do Decreto-lei n.º 84/2008, de 21 de Maio).

      (…) i. Registe-se assim que, na mesma linha de raciocínio que desenvolvemos em 6. supra, da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, decorre que (i) os AA., em nome pessoal e para (ii) utilização pessoal, (iii) contrataram com o A. marido, profissional de construção civil que atuava visando o lucro, (iv) a reconstrução de um imóvel e a sua entrega, a final dos trabalhos, totalmente reconstruído/ampliado.

      (…) k. Face a todo o aventado é imperioso concluir que existe, indubitavelmente, uma relação de consumo entre o dono da obra e o empreiteiro e, contrariamente ao […]ao defendido pelo Tribunal a quo, os autos contém em si todos os elementos de facto, aliás, já dados como provados na douta Sentença, que permitam subsumir o contrato dos autos ao regime legal da empreitada de consumo.

    4. Salvo melhor entendimento, a citação pelo tribunal a quo do Dr. João Cura Mariano, com o devido respeito, não alicerça minimamente a posição do tribunal mas sim a dos aqui Recorrentes, pois que, do entendimento do ilustre autor não extraí o Tribunal a quo todas as decorrências lógicas – o que aqui faria toda a diferença.

    5. O que se conclui da leitura do arrazoado da douta sentença é que, o facto de estarmos perante uma reconstrução de um imóvel, por si só, implica o afastamento e exclusão absoluta do regime legal, atendendo a que na relação estava envolvido um bem pré existente.

    6. Salvo melhor entendimento, esta é uma leitura errónea e maniqueísta do preceito legal que não reflete o sentido da legislação de consumo e do próprio ordenamento jurídico globalmente considerado. Pois que, estando reunidos os requisitos legais para a qualificação da relação jurídica como “relação de consumo” – como já vimos que sucede – nada obsta a que se considere a empreitada de remodelação de um imóvel pré existente como “empreitada de consumo”.

      (…) t...

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