Acórdão nº 192/16.7T8VPA.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelFRANCISCA MICAELA VIEIRA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO Os Requerentes ZULMIRA M e ELÓI M, com domicílio na Rua E, n.º 21, em Portela de Santa Eulália, R, e JOSÉ M, com domicílio na Rua Central, n.º 1, em Outeiro, Telões, intentaram o vertente procedimento cautelar de ratificação de embargo extra-judicial de obra nova contra EULÁLIA M, com domicílio no Lugar do Concelho, União da Freguesias de R, MUNICÍPIO R, com sede na Praça do Município, em R e JUNTA DE FREGUESIA DA UNIÃO DE FREGUESIA DE R, com sede na Rua A, em R, requerendo que o Tribunal ratifique o embargo extrajudicial da obra referida, e, quanto à Requerida Eulália M, aquando da notificação do auto de ratificação judicial de embargo, deve sê-lo, com a advertência de que pratica o crime de desobediência qualificada se continuar a obra, sempre com custas a cargo dos Requeridos .

Alegam, sumariamente, que: (i) Os requerentes, naturais e residentes na União de Freguesias de R, munícipes do concelho de R, pelo que têm o direito de uso e fruição dos bens que integram o domínio público, nomeadamente as vias de comunicação vicinais, ou seja, os caminhos públicos existentes, desde tempos imemoriais, no território da localidade de Portela de Santa Eulália, naquela união de freguesias e naquele município de R, como sucede com o Caminho das Pioncas; (ii) Os requerentes são comproprietários dos seguintes prédios, que integram a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Agostinho M, bem como a meação da requerente Zulmira M: a) Casa da habitação, palheiro e tapada, sita em Portela de Santa Eulália, inscrita na matriz da extinta freguesia de Salvador sob o artigo 1101; Prédio rústico, de cultura arvense, pastagem, videiras e árvores de fruto, denominado «Tapada Nova da Portela», sito em Portela de Santa Eulália, inscrito na matriz da extinta Freguesia de Salvador sob o artigo 906 e atualmente sob o artigo 862 da União de Freguesias de Salvador e Santo Aleixo de Além-Tâmega; (iii) A requerida Eulália diz que é dona de uma casa de habitação e quintal que confina com os prédios dos requerentes, mas tal prédio estava inscrito na matriz predial urbana da extinta Freguesia de Salvador sob o artigo 1387 em nome de Maria L; (iv) Sucedeu que, em Janeiro de 2016, o pai da requerida Eulália M, Manuel M, ocupou o trato do caminho público das Pioncas, lateral ao prédio que a filha Eulália agora diz pertencer-lhe, assinalado na planta do IFAP com a legenda «troço com cerca de 100 metros que foi obstruído», tendo então os requerentes Zulmira e filho Elói notificado a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia para remoção dos inertes e material lenhoso lá colocado; (v) Só que agora, no dia 29 de Junho de 2016, a requerida Eulália efectuou obras de construção de um muro, com blocos de granito amarelo, bem como deposição de saibro, ocupando totalmente, a todo o comprimento e largura o leito do Caminho das Pioncas, ao longo de cerca de cem metros, construindo um muro com a altura inicial de cerca de dois metros, junto ao prédio urbano dos requerentes, a poente, estendendo-o ao longo de cerca de cem metros, no limite do caminho público com o prédio vizinho de Carlos A; (vi) A implantação desse muro de granito foi feita além dos limites do prédio que alega ser seu, deste modo ocupando esse troço de caminho público, numa área de cerca de 400 m2, ao longo de cerca de cem metros de comprimento pela largura média de quatro metros, impedindo assim o uso geral e público por qualquer cidadão, incluindo os aqui requerentes, por sobre ele ter construído o muro e depositado grande quantidade de saibro; (vii) Este caminho é utilizado pelos habitantes de Portela de Santa Eulália e por moradores de povoações vizinhas e mais longínquas, desde tempos imemoriais, sendo os requeridos Município de R e Junta de Freguesia da União de Freguesias de S, do concelho de R, que sempre providenciaram pela sua limpeza, conservação, gestão e administração, na área em que atravessa o território do concelho e da freguesia.; (viii) É que a utilização desse caminho, incluindo o troço em frente aos prédios dos requerentes e da requerida Eulália, tem-se desenvolvido de forma directa e imediata, sem a necessidade de obter prévia autorização de qualquer particular ou de qualquer entidade pública, à vista de toda a gente, sem violência, sem oposição, de forma continuada e ininterrupta, desde há mais de 20, 30, 50, 70, 100 e mais anos, desde tempos imemoriais; (ix) Todos os cidadãos que por ali passaram, passam e continuarão a passar fazem-no em condições de plena liberdade e igualdade, na convicção que tal caminho está aberto e franqueado ao uso público; (x) Perante a necessidade de pôr termo aos trabalhos em curso, cerca das 14h30 do dia 14 de Julho de 2016, os requerentes, através do mandatário judicial, notificou a requerida Eulália para não continuar os trabalhos, que estavam embargados; (xi) A requerida agiu livre, voluntária e conscientemente, ofendendo os direitos de livre circulação e utilização daquele caminho público pelos requerentes e demais cidadãos, causando-lhes directa e necessariamente prejuízos.

Exarou-se despacho de admissão liminar.

Os Requeridos, regular e pessoalmente citados, deduziram oposição, impugnando as alegações dos Requerentes, sendo que o Município de R arguiu a excepção de ilegitimidade. Concluíram, propugnando a improcedência do procedimento.

Findos os articulados, o M.mo Juiz do tribunal recorrido proferiu decisão pela qual julgou a excepção de ilegitimidade passiva totalmente procedente e, consequentemente, decidiu absolver os Requeridos Município de R e Junta de Freguesia da União de Freguesia de R da instância, em conformidade com o preceituado nos arts. 576.º/2 e 577.º, al. e), do Código de Processo Civil e, considerando que os autos continham todos os elementos fácticos necessários para o imediato conhecimento do mérito do procedimento cautelar, sem carecer de produção de outras provas, proferiu decisão que julgou o procedimento cautelar totalmente improcedente e, consequentemente, decidiu: ”A) Absolver a Requerida Eulália M do peticionado”.

Inconformados, os Requerentes interpuseram recurso de apelação e formularam as seguintes Conclusões: 1º - Não podem os ora Recorrentes conformar-se de maneira alguma com a decisão do Tribunal “a quo”, pois, salvo o devido respeito, entendem os Apelantes que, com base nos elementos constantes dos autos e nos normativos legais aplicáveis, tal sentença não tem fundamentação.

  1. - O presente recurso diz apenas respeito à matéria de direito.

  2. - A relação controvertida existente na presente providência cautelar, tal como configurada pelos requerentes, ora recorrentes, legitima a intervenção dos requeridos Município e Junta de Freguesia, pois são efetivamente alegados factos para os quais aqueles têm interesse direto em contradizer ou aceitar como verdadeiros, como, aliás, decorre das respetivas contestações.

  3. - A ilegitimidade de qualquer das partes só se verifica quando em juízo se não encontrem os titulares da relação jurídica material controvertida ou quando legalmente não for permitida a titularidade daquela relação, o que não se verifica no caso em apreço.

  4. - A legitimidade não é uma qualidade pessoal das partes, mas uma certa posição delas em face da relação material litigada, correspondendo "grosso modo" ao conceito civilista de poder de disposição: é o poder de dispor do processo, de o conduzir ou gestionar no papel de parte (Manuel de Andrade - Noções Elementares de Processo Civil, 1963, pág. 83).

  5. - Os requeridos Município e Junta de Freguesia, com a sua inércia face à atuação da requerida Eulália, postularam a sua legitimidade na presente providência cautelar, pois, aqueles entes não diligenciaram pelo cumprimento da legalidade, demitiram-se das suas obrigações legais, não providenciaram a demolição do muro, a remoção do muro e do saibro, nem a consequente desocupação da via pública, pois trata-se de caminho público.

  6. - Tal omissão de comportamento, enquanto interessados diretos na defesa do património público local, promoveu a necessária ligação dos requeridos Município e Junta de Freguesia ao presente procedimento cautelar, pois os mesmos são titulares da relação jurídica material controvertida, nos termos já supra mencionados.

  7. - No âmbito da chamada ação popular, por parte dos requerentes, que, em primeira linha, se verifica com a instauração do presente procedimento cautelar, no qual se pretende defender direitos públicos e privados, por violação desses direitos por parte da requerida Eulália, que é um ente privado, a presente providência deve ser intentada nos tribunais civis.

  8. - No caso concreto, está-se perante uma providência cautelar de natureza civil, uma vez que se trata de uma ação que visa a defesa dos bens públicos, ilegitimamente apropriados por particulares, não cabendo no domínio dos Tribunais Administrativos a resolução do presente litígio.

  9. - Portanto, sendo este o objeto do procedimento, como se pode ver pela leitura da petição inicial, o tribunal materialmente competente é o cível, conforme bem diz Paulo Otero in “Acção Popular: configuração e valor no actual Direito Português”, página 880 e 881.

  10. - Além do mais, sabe-se que a competência do tribunal em razão da matéria é determinada pelo pedido formulado pelos requerentes, que, além do mais, identifica, igualmente, interesse em agir ou interesse processual das partes, como, aliás, já se deixou exposto anteriormente.

  11. - Neste sentido, ver Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/04/2013, processo nº 110/12.1TBVVD.G1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02/05/2016, processo nº 135/14.2T8MDL.G1.

  12. - Como já foi anteriormente referido, a atuação dos requeridos Município e Junta de Freguesia foi pautada pela omissão, no sentido de permitir o benefício a uma cidadã particular em prejuízo de todos os cidadãos, numa atitude de claro desrespeito pela prossecução do interesse público a que os...

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