Acórdão nº 82/15.0GBPVL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Dezembro de 2016
Magistrado Responsável | TERESA BALTAZAR |
Data da Resolução | 05 de Dezembro de 2016 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
* - Tribunal recorrido: Comarca de Braga – Póvoa de Lanhoso – Inst. Local – Sec. Comp. Gen. – J1.
- Recorrente: O arguido José J..
- Objecto do recurso: No processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 82/15.0GB PVL, Comarca de Braga – Póvoa de Lanhoso – Inst. Local – Sec. Comp. Gen. – J1, foi proferida sentença, nos autos de fls. 56 a 61, na qual, no essencial, se decidiu o seguinte: “III. A DECISÃO Nestes termos, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, julgo a acusação totalmente procedente e, em consequência, decido: · Condenar o arguido José J.
como autor material de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de multa de 75 (setenta e cinco) dias, à taxa de € 6,00 (seis curos) por dia, totalizando o montante de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros).
· Condenar o arguido José J.
na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, previstos no artigo 69.°, n.º 1, alínea a), do Código Penal, durante o período de 4 (quatro) meses.”.
***Inconformado com a supra referida decisão - no respeitante ao exame de detecção do álcool efectuado - o arguido José J., dela interpôs recurso – (cfr. fls. 80 a 94), terminando as suas motivações com as conclusões constantes a fls. fls. 89 a 94, com o teor seguinte (transcrição): I. “O arguido foi condenado no dia 10 de Março do corrente ano, pela alegada prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292 n.º 1 do Código Penal, II. Por, alegadamente, ter estado a conduzir sob o efeito de álcool, no passado dia 20 de Dezembro de 2014, data em que teve um acidente rodoviário pelas 23:00 horas.
-
Ora, no decorrer dos acontecimentos, e como é normal, foi acionado o carro patrulha da GNR, que após chegar ao local se deparou com o aqui recorrente, consciente e colaborante, como o próprio militar da GNR admite, vide fundamentação da própria douta Decisão do ilustre Tribunal.
-
Tendo tentado o mesmo militar efetuado teste de pesquisa de álcool por ar aspirado, no local, o que se frustrou fazer, por impossibilidade do ora recorrente, tendo sido o mesmo transportado, pelos Bombeiros Voluntários da Povoa de Lanhoso para o Hospital Escala Braga, onde lhe foi efetuado o teste de pesquisa de álcool por recolha de sangue, que acusou uma TAS de 1,78 G/L.
-
Ora conforme o militar da GNR Alcino R., única testemunha do Ministério Público neste Julgamento confirma, o mesmo não acompanhou o recorrente ao hospital, não sabendo pois em que condições estava o mesmo, e se a lei foi cumprida aquando da realização dos testes de pesquisa de álcool.
Sendo que, VI. o legislador, em caso de acidente de viação, como é o caso sub judice, impõe que seja verificada a presença nos intervenientes do mesmo de álcool, mediante a realização de exames de mediação de álcool no sangue.
-
O Tribunal ao analisar os documentos constantes nos autos e ao apreciar o depoimento da testemunha, apenas teve em conta o resultado do exame recolha de sangue efetuado ao aqui recorrente.
-
Não se preocupando, nem tendo em conta, as circunstancias em que o mesmo foi realizado, nomeadamente se os pressupostos legais que o Código da Estrada determina, no seu artigo 156º, foram cumpridos.
-
Normalmente, a medição de álcool é feita pela pesquisa de álcool no ar aspirado, vulgo teste do balão, sendo que existem casos em que tal teste não é possível feito, X. ou porque o interveniente não está fisicamente capaz de realizar o exame, ou por qualquer avaria ou mau funcionamento do alcoolímetro.
-
Sendo que, subsidiariamente e caso o interveniente consinta pode ser realizado teste de pesquisa de álcool por análise ao sangue, ou em caso de recusa o teste de pesquisa de álcool será feito por exame médico, isto tudo nos termos do artigo 156º do Código da Estrada.
-
Ora exatamente o Código da Estrada, regulado pelo DL 114/94 de 03 de Maio, dispõe de regras extremamente claras e precisas quanto à ordem de realização dos exames de pesquisa de álcool em acidentados, impondo mesmo uma ordem de precedência entre os exames a realizar.
-
Tal é necessário por, conforme dito, entre outros, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17/12/2013, processo n.º 1135/11.0GBGMR.G1, “estarem em causa uma invasão da integridade física do arguido e uma limitação do seu direito à não incriminação”.
-
- Resulta, do Ac. Relação de Guimarães de 22-11-2010, relator Cruz Bucho, processo 978/08.6GAFLG.G1, "quando o exame não é feito mediante a vulgar pesquisa de álcool no ar expirado, o julgador deve ter especiais cuidados no apuramento da matéria de facto porquanto a colheita de amostra de sangue para posterior diagnóstico do estado influenciado pelo álcool está sujeito a regras específicas cujo incumprimento pode invalidar a prova obtida” XV. Ora no caso em apreço, temos apenas dois factos dados como provados pelo Tribunal, com relevância para o presente recurso, por um lado que o ora recorrente “ foi interveniente num acidente de viação” e, por outro lado, que foi efetuado ao mesmo um “teste de pesquisa de sangue no hospital”.
-
No entanto não resulta nem é dado como provado nenhum facto que ateste, que tal teste de pesquisa de álcool no sangue se verificou pela impossibilidade de se ter efetuado o teste de pesquisa de álcool por ar aspirado.
-
Muito menos se depreende, o porquê do exame de pesquisa de álcool por ar aspirado não ter sido tentado, pelo menos, realizar nas instalações hospitalares.
-
Mas mesmo que fosse impossível realizar o teste de pesquisa de álcool por ar aspirado, a legislação em vigor determina que o recorrente fosse transportado para o Hospital, a fim de um de dois exames de despiste, XIX. Ou por recolha de sangue para análise laboratorial, para determinação da TAS, ou por exame médico, conforme nos dita o artigo 156º n.º 3 do Código da Estrada.
-
Ora sempre se dirá que o exame por recolha de sangue, atendendo ao facto de ser um exame intrusivo, necessita do consentimento do arguido/recorrente, o que no caso sub judice não sucede, ou pelo menos não se encontra junto aos autos.
-
Ou seja, não está junto ao processo qualquer declaração de consentimento do ora recorrente que autorizasse o Hospital a realizar tal teste, em violação clara e flagrante do Direito à não incriminação que assiste ao arguido.
-
Direito esse que é consagrado também no próprio artigo 156º n.º 3 do Código da Estrada que determina que o arguido, aqui recorrente se poderia ter recusado a realizar tal exame de colheita sanguínea, devendo-se proceder de seguida a um exame médico para determinar se o mesmo estava ou não sob o efeito de álcool, entre outras questões, Ora XXIII. Existem muitos factos que necessitam ser devidamente trazidos à colação para que se possa ter toda a informação para uma correta avaliação e juízo da situação in mérito.
-
Estamos pois, no âmbito da legalidade da prova que não se encontra devidamente provada, sendo necessário, para uma correta decisão da causa, aferir se ao recorrente foi tentado realizar o teste de pesquisa de ar aspirado no hospital, senão o porquê? se o teste de pesquisa de álcool no sangue foi consentido pelo recorrente.
-
Conforme dita o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.10.2010, Processo n.º 178/09.8GCAGD.C1, in www.dgsi.pt «Estamos no domínio da legalidade da prova e a falta de cumprimento dos trâmites legais não é suscetível de sanação, o que significa que a falta de documentação da legalidade não pode corresponder à legalidade do meio de prova, sendo sempre necessário que o processo documente essa legalidade» XXVI. Pelo que ao abrigo do disposto no artigo 426º -A do Código de Processo Penal, na nossa modesta e humilde opinião, deve-se determinar o reenvio do processo para a Primeira Instância para novo julgamento.
-
Pois sem os elementos referidos existe uma manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o que fundamenta o presenta recurso nos termos do artigo 410º n.º 2 alínea a) do CPP.
SEM PRESCINDIR E CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA XXVIII. Ou seja, caso se entenda que estão aduzidos aos presentes autos todos os factos provados para que se mantenha a decisão recorrida, sempre se defenderá a nulidade da prova obtida, por força do incumprimento do disposto no artigo 156º do Código da Estrada, atento os factos supra expostos.
-
Atenta a inexistência nos presentes autos de qualquer declaração de consentimento por parte do ora recorrente a assentir a realização de tal exame, XXX. bem como pela inexistência de qualquer documento ou testemunho hospitalar que ateste que ao mesmo foi prestado toda a informação devida quanto à possibilidade de recusa de realização de exame de sangue, devendo-se seguir o exame médico.
-
De realçar que da análise ao exame toxicológico, junto aos autos fls 8 a 10, não se consegue perceber se se tentou realizar de novo teste de pesquisa de álcool por ar aspirado no Hospital, XXXII. mas sobretudo verifica-se a inexistência da assinatura do recorrente do espaço devido, sendo certo que é mais um sinal de que este não foi tido nem achado para o propósito do exame que lhe tinham acabado de realizar.
-
É pois nula a recolha de sangue ao arguido sem estar este devidamente esclarecido para que efeito a mesmo é feito, sendo-lhe sonegado a hipótese de recusar tal exame, por violação dos direitos de defesa do arguido consagrados constitucionalmente, mormente no artigo 32 da CRP.
-
Pelo que a recolha de sangue ao arguido/recorrente, que possibilitou a determinação da taxa de álcool de que era portador, constitui meio de prova nulo não tendo pois a mesma qualquer efeito jurídico.
-
Pelo que se deve julgar como não provado o facto que o arguido/recorrente conduzia na data em apreço sob a influência de álcool.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, Deverá ser revogada a decisão aqui objeto de recurso, com as demais consequências legais.
FAZENDO-SE ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA”.
* O recurso foi admitido a fls. 95.
*Na...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO