Acórdão nº 1134/14.0EAPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução23 de Abril de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo de contraordenação com o NUICO 1134/14.0EAPRT, foi proferida decisão pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), com data de 21-07-2017, a condenar a arguida "O. L., UNIPESSOAL, LDA." na coima de € 800 (oitocentos euros), pela prática da contraordenação de falta de livro de reclamações, prevista na al. a) do n.º 1 do art. 3º do DL n.º 156/2005, de 15 de setembro, com a nova redação do DL n.º 371/2007, de 06 de novembro, e punível nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 9º do mesmo diploma legal.

  1. Não se conformando, a arguida interpôs recurso de impugnação judicial, o qual, por sentença datada de 21-12-2017, depositada no dia seguinte, foi julgado improcedente, com a consequente manutenção daquela decisão administrativa.

  2. Mais uma vez inconformada, a arguida veio interpor o presente recurso dessa sentença, concluindo a sua motivação nos seguintes termos (transcrição [1]): «CONCLUSÕES 1. O tribunal a quo, não só não se pronunciou acerca de todas a questões invocadas pela Recorrente, assim como, salvo melhor opinião e com todo o respeito pela decisão ora em crise, mal andou na análise, interpretação e decisão acerca de alguns dos pontos sobre os quais se pronunciou.

  3. Dispõe do artigo 27.º do DL n.º 433/82 de outubro, na sua versão atualizada, que tem como epígrafe “Prescrição do procedimento”, que o procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido: “b) Três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79”.

  4. Face à moldura da coima (€ 1.500,00 a € 15.000,00) aplicável ao caso, já ao abrigo da lei mais favorável, em virtude do DL n.º 74/2017 de 21 de junho, o prazo de prescrição da contraordenação imputada à Recorrente seria de três 3 anos, como de resto, nesta parte bem decidiu o tribunal a quo.

  5. Os artigos 27.º-A e 28.º do RGCO preveem as situações em que a prescrição do procedimento se suspende ou interrompe, respetivamente, sendo certo que o n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, dispõe que “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

    ” 5. Caso não se tivesse verificado qualquer motivo de interrupção e/ou suspensão, forçoso seria concluir que o procedimento contraordenacional ter-se-ia prescrito em 10 de Fevereiro de 2017.

  6. Se é verdade que o tribunal a quo não especifica qualquer situação de suspensão, é igualmente verdade que, apenas vislumbra nos presentes autos, a possibilidade de aplicação do caso de suspensão previsto na alínea c) do artigo 27.º - A do RGCO, ou seja, considerar-se-ia suspensa a prescrição do procedimento “(…) a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.

    ”, não podendo essa suspensão nos termos do n.º 2 do mesmo normativo, ultrapassar seis meses.

  7. Já quanto à interrupção do procedimento, considerou o tribunal a quo terem sido verificados nos presentes autos, factos suscetíveis de interromper os prazos prescricionais, sendo que, especifica o tribunal a quo nesta parte, considerando tal facto como interruptivo da prescrição que, “(…) a 1 de outubro do mesmo ano (2014) é realizada diligência de prova (inquirição de testemunha – fls. 35)”.

  8. É pois, quanto a esta parte em concreto, no que à prescrição diz respeito, que a Recorrente está em profundo desacordo com a decisão e motivação do tribunal a quo, porquanto, entende que, jamais poderia a diligência invocada e realizada a 01/10/2014 constante a fls. 35 ter virtualidade de fazer interromper o prazo prescricional.

  9. A Recorrente não subscreve o entendimento espelhado na decisão ora em crise, entendendo que o procedimento contraordenacional se encontra prescrito, conforme procurará demonstrar infra.

  10. Desde logo, a inquirição de testemunhas de fls. 35 e, já agora, também a inquirição de fls. 34 correspondem às inquirições dos senhores inspetores P. R. e F. C., respetivamente que incorporaram a brigada da ASAE que realizou em 10/02/2014 a inspeção ao estabelecimento da Recorrente.

  11. A Recorrente foi notificada para exercer o seu direito de defesa, nos termos do art.º 50 do RGCOC, em 07.04.2014 (fls. 13), tendo apresentado defesa escrita em 23.04.2010 (fls. 14).

  12. Na defesa apresentada pela Recorrente, foi requerida a inquirição de três testemunhas, sendo que, duas dessas testemunhas, foram inquiridas em 23/05/2014, como melhor resulta dos autos de inquirição de testemunhas de fls. 29 e 30 e a inquirição da terceira testemunha que, afinal seria o representante legal da Recorrente, veio a ser prescindida em 30/06/2014, conforme requerimento de fls. 31.

  13. Não foi a Recorrente destinatária de qualquer outra notificação até à data em que foi notificada da decisão final, que lhe aplicou uma coima no montante de € 800,00, ou seja, até 28/07/2017.

  14. Tendo presente que entre a apresentação de defesa escrita (23.04.2010) e mesmo entre a data da inquirição da última testemunha por si apresentada (23/05/2014) ou até a data em que prescindiu da inquirição do legal representante da Recorrente (30/06/2014) e a data da notificação da decisão final da entidade administrativa (21.07.2017), não ocorreu nenhum facto interruptivo, constata-se que o prazo de prescrição de 3 anos já havia sido ultrapassado.

  15. E não se diga aqui, como entendeu o tribunal a quo que não foi possível proceder a prescrição invocada com fundamento na inquirição de 01/10/2014 que determinou a interrupção da prescrição.

  16. Salvo o devido respeito, não entende a aqui Recorrente qual a natureza de tal diligência, sendo certo que da análise do documento a fls. 35, se constata que a “testemunha” é o próprio agente de fiscalização da ASAE que elaborou o auto de notícia e que a “inquirição” se trata apenas de uma confirmação do teor do auto de notícia.

  17. De igual modo, o documento de fls. 34 trata-se igualmente de uma inquirição em que a “testemunha” inquirida mais não é do que o outro agente de fiscalização da ASAE que integrou a brigada, composta por dois elementos, que levou a cabo a ação de fiscalização no estabelecimento da Recorrente.

  18. A Recorrente não entende, por isso, a finalidade/pertinência de tal diligência.

  19. Certo é que, a diligência em causa não tem a virtualidade de interromper o decurso do prazo prescricional.

  20. Tendo em consideração que a inquirição dos inspetores da ASAE se resumiu a uma confirmação do auto de notícia, resulta que a única finalidade se prende com a obtenção da interrupção da prescrição.

  21. Acontece que, a interrupção da prescrição não se basta com a prática de qualquer ato.

  22. Importa ter presente o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18.11.2009, proferido no âmbito do processo n.º 142/09.7TAILH.C1, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário dispõe o seguinte: “Uma corriqueira inquirição dos dois autuantes não tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional”.

  23. Pode ler-se ainda no referido Acórdão que “A referência a “exames e buscas” transmite a ideia de necessidade de realização de diligências de prova (que sejam estritamente necessárias) que revelem alguma complexidade e morosidade ou que, requeridas pela defesa, atrasem relevantemente o decurso do processo”.

  24. Mais resultando exarado no douto Acórdão que “O que se não pode permitir é que a simples inquirição dos autuantes por iniciativa da entidade administrativa seja usada como uma medida de “gestão” das interrupções do prazo prescricional. Esse é um uso abusivo que a al. b) do nº 1 do artigo 28º do RGCO não permite. O direito à decisão em prazo razoável também é operante em processo contraordenacional, não podendo a entidade administrativa “gerir” os momentos adequados à interrupção do prazo prescricional. (...) Assim uma corriqueira inquirição dos dois autuantes não tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional, pois que se impõe uma leitura restritiva da al. b) do nº 1 do artigo 28º do RGCO: a referência a “exames e buscas” transmite a ideia de necessidade de realização de diligências de prova estritamente necessárias e que revelem alguma complexidade e/ou morosidade” (sublinhado nosso).

  25. No sentido que ora se defende, decidiu igualmente o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09.09.2015, proferido no âmbito do processo n.º 67/14.4TBVFR.P1, disponível em www.dgsi.pt onde se refere que: “A inquirição do agente autuante, por iniciativa da autoridade administrativa, para vir aos autos confirmar o conteúdo do auto de notícia, quando esse mesmo conteúdo não foi colocado em causa na defesa da arguida, resulta inequivocamente e sem qualquer dúvidas como um expediente abusivo por parte da ASAE para obstar ao decurso do prazo de prescrição (…)”, 26. Mais pode ler-se no mencionado acórdão que: “A alínea b) do n.º 1 do art. 28º do RGCC deverá ser interpretada no sentido de as diligências de prova suscetíveis de interromperem o prazo de prescrição se apresentarem como...

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