Acórdão nº 9/12.1TBFAF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 19 de Abril de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Numa acção intentada em 23-01-2012, no Tribunal de Alfandega da Fé, por José contra “X – Comércio e Indústria de Frutos Secos, SA”, na qual aquele pedira a condenação deste a reembolsá-la da quantia de 105.000€ e juros com fundamento em alegado mútuo formalmente nulo ou enriquecimento sem causa (1), depois da contestação (2) e percorrida a demais tramitação, as partes, em 07-03-2014, acordarem em pôr termo ao litígio mediante transacção (3), logo homologada por sentença transitada em julgado, na qual a ré confessou dever ao autor certa quantia (105.000,00€).
Naqueles mesmos autos, em 17-11-2016, este (José), invocando tal título executivo e alegando que apenas uma primeira prestação clausulada fora paga pelo que, nos termos acordados, se venceram todas as demais, deduziu execução comum contra aquela (“X”) visando obter o pagamento da quantia restante em dívida (98.000,00€).
A dita executada, em 17-01-2017, deduziu embargos, pedindo a sua procedência e consequente extinção da execução.
Como fundamentos, alegou, em síntese, que: -A transacção em que foi reconhecido o crédito exequendo foi feita “considerando o teor” das Actas nº 9 e nº 10 da Assembleia Geral da “SART” (“Sociedade Agrícola RT, Ldª.”) (4) e “sob condição de serem válidas e não impugnadas as deliberações” nela referidas. Pagou em 28-03-2014 a primeira prestação. Foi, contudo, informada, entretanto, de que uma das assembleias (a que se reporta a Acta nº 9) foi impugnada mediante acção judicial proposta por um sócio (da “SART”) (5). Por esse motivo e dada a condição a que fora sujeita a transacção, suspendeu (legitimamente) o pagamento a partir da 2ª prestação (inclusive) e ficou a aguardar o desfecho daquele litígio, o que comunicou ao exequente, por carta de 23-04-2014, acrescentando que retomaria de imediato o pagamento caso tal acção viesse a ser julgada improcedente, nada este lhe tendo respondido (nem informado sobre o curso da acção, apesar de ser sócio da “SART”).
-Foi por essa razão que não efectuou o pagamento das subsequentes prestações.
-Entretanto, o crédito exequendo foi penhorado noutra execução, conforme notificação de 19-09-2014, recebida da respectiva Agente, ficando à ordem da mesma. Também isso a impediu de fazer ao exequente qualquer pagamento.
-Acresce que, conforme comunicação, de 22-07-2015, por si recebida, o crédito foi “consignado” a um Banco e por este solicitado o pagamento das prestações, o que também impede a embargante de o fazer ao exequente.
-Continua, assim, a executada a beneficiar do prazo de pagamento quanto às 14 prestações ainda em falta.
-O exequente agiu de má-fé, uma vez que de tudo tem pleno conhecimento, pelo que deve ser sancionado, nos termos dos artºs 858º e 542º, do CPC, com multa e em indemnização pelos danos causados (designadamente por lhe terem sido penhorados um depósito bancário e um depósito-caução em garantia da quantia exequenda).
Concluiu pedindo que a execução seja julgada extinta.
Foram recebidos os embargos e notificado o exequente/embargado.
Na sua contestação, este pugnou pela improcedência dos embargos e prosseguimento da execução, impugnando parte da factualidade e alegando que: -Para libertar a executada da sua obrigação, não se verificou a “condição resolutiva” acordada, pois para tal não basta a mera possibilidade de vir a proceder a acção de impugnação da deliberação social tal, sendo necessário que as deliberações sejam efectivamente invalidadas.
-Nem a instauração daquela chega para fundamentar a suspensão do seu cumprimento. De resto, tal acção já foi julgada improcedente, por decisão de 28-10-2015, transitada em julgado em 04-12-2015.
-Naquele outro processo executivo em que o crédito objecto deste foi penhorado (19-09-2014), ao Banco exequente respectivo sucedeu (em 01-08-2014) António, que como tal foi julgado habilitado (Acórdão desta Relação de 02-06-2016 (6)) para prosseguir na execução mas não – nessa parte tendo sido julgado improcedente o incidente de habilitação – quanto ao ali co-executado e aqui exequente José. Por isso, em tal execução, o adquirente não é, nem nunca foi, “titular da penhora do direito de crédito” daquele (José) sobre a “X” e, como tal, “não existe, presentemente, qualquer penhora sobre o crédito reconhecido ao exequente Nuno” na transacção. Aliás, a notificação de tal penhora já fora extemporânea. De todo o modo, nunca a embargante pagou ou entregou qualquer valor a título de penhora, do que não era motivo a instauração da acção de impugnação da deliberação social referida na condição resolutiva da transacção.
-A invocada “consignação de rendimentos” é, na realidade, um “penhor”. De todo o modo, tal como este, a “consignação” é apenas uma garantia de cumprimento e a obrigação garantida tem vindo a ser pontualmente cumprida nenhuma garantia dela tendo sido accionada. Por isso, não tendo havido incumprimento, nada impedia que a embargante tivesse continuado a efectuar o pagamento ao exequente das prestações.
-Não tendo injustificadamente cumprido a sua obrigação, a embargante perdeu o benefício do prazo.
-Não há, por parte do embargado, litigância de má-fé mas apenas o propósito de fazer valer os seus direitos.
Na audiência prévia, a embargante contraditou a contestação; foi fixado o valor da causa; proferido saneador tabelar; fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova; e apreciados os requerimentos de prova.
Uma vez realizada a audiência de julgamento, com data de 11-10-2017, foi proferida a sentença que culminou na seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo a presente oposição à execução procedente e, em consequência, determino a extinção da execução e absolvo o exequente/embargante da peticionada condenação como litigante de má-fé.
Condeno o exequente/embargado nas custas (artigo 527.º, números 1 e 2, do C. P. Civil).
Registe e notifique.”.
O embargado José não se conformou e apelou, apresentando-nos, para fundamentar o pedido de revogação da sentença e de improcedência dos embargos, argumentos que – depois de convidado a aperfeiçoá-las – sintetizou nas seguintes conclusões: “I. Por transação judicial lavrada em ata de audiência de discussão e julgamento de 7 de março de 2014, a Recorrida reconheceu-se como devedora do autor no montante de 105.000,00 € (cento e cinco mil euros) e obrigou-se a proceder ao pagamento da referida quantia em 15 (quinze) prestações mensais, iguais e sucessivas no montante de 7.000,00 € (sete mil euros).
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Recorrente e Recorrida celebraram a referida transação mediante aposição de condição resolutiva. Neste sentido, o negócio produziria todos os seus devidos efeitos – pagamento do montante em dívida – a não ser que as deliberações das Atas n.º 9 e n.º 10 da Assembleia Geral da Sociedade de RT, Lda. fossem impugnadas e consideradas inválidas.
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Sendo verdade que a referida Ata n.º 9 foi objeto de uma ação de impugnação judicial de deliberação social, não é menos verdade que a simples impugnação não preenche a condição resolutiva aposta à transação judicial, uma vez que, como é entendimento unânime do Recorrente e da Recorrida, a condição resolutiva é composta por dois requisitos indissociáveis e cumulativos. Isto é, não basta a impugnação judicial, é ainda necessário que as deliberações sejam, ambas, julgadas inválidas.
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Sendo claro que, a mera interposição de uma ação de impugnação de deliberação social não faz com que, sem mais, a deliberação seja considerada inválida.
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Mesmo que assim não se entendesse, decorre à saciedade que na formulação da transação, as Partes se referem às duas atas (n.ºs 9 e 10) e não apenas a uma, como se pode retirar da formulação “sob condição de serem válidas e não impugnadas as deliberações exaradas naquelas duas actas” (negrito nosso).
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Neste sentido, não é possível acompanhar o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, quando conclui no ponto 7.º dos Fundamentos da douta Sentença, aqui impugnada, que face a carta datada de 23 de Abril de 2014 dirigida pela Recorrida ao Recorrente que “a executada naturalmente [ficou] a aguardar que o exequente/embargado, também sócio da Sociedade Agrícola de RT, Lda. [mas não Parte na ação de impugnação de deliberação social] viesse a informar do decorrer ou eventual desfecho do processo para saber se poderia retomar ou não os pagamentos das prestações mensais […]”.
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O que decorre (com clareza) da transação judicial é que a condição resolutiva só se encontraria preenchida uma vez impugnadas e declaradas inválidas as mencionadas Atas. E uma vez preenchida a condição resolutiva, a consequência seria a devolução de tudo o que foi prestado e não a suspensão dos pagamentos, como entendeu a Recorrida.
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Continua o Recorrente a considerar, tal como invocou no artigo 26.º da Contestação apresentada em consequência dos embargos de executado, que “não havia também qualquer motivo para o Exequente responder seja a que comunicação for”, o que dá aqui como reafirmado. Atentando no conteúdo da carta supra mencionada, refere a Recorrida que “retomando-os [os pagamentos] de imediato caso a mesma [ação de impugnação de deliberação social] seja julgada improcedente”. Não fazendo referência a qualquer pedido de resposta ou de informação por parte do Requerente.
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Assim, mesmo tendo a Recorrida suspendido (indevidamente) os pagamentos das prestações, estes deveriam ter sido retomados a 30 de Dezembro de 2015, uma vez que a douta Sentença que julgou improcedente a ação de anulação de deliberação social transitou em julgado a 4 de Dezembro de 2015.
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Pelo que se vem discorrendo, o Recorrente considera que, nos termos do artigo 798.º do CC, o devedor faltou culposamente ao cumprimento da obrigação e, por isso, “torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” e considera que o ónus da prova que ao, abrigo do artigo 799.º, n.º 1 do CC, impende sobre o devedor, não foi preenchido, pelo que o incumprimento do devedor foi um incumprimento culposo.
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Impõe-se, portanto, que o...
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