Acórdão nº 174/16.9T8MDL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | FERNANDO FERNANDES FREITAS |
Data da Resolução | 12 de Abril de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
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RELATÓRIO I.- V. T., identificado nos autos, deduziu os presentes embargos por oposição à execução comum, para pagamento de quantia certa, que lhe move a exequente “X – Bacalhau, S. A.”, alegando, em síntese, que no acordo que foi celebrado entre esta Exequente e a devedora “B. T. - Comercio de Produtos Alimentares, Lda” foi dado como garantia do pagamento da dívida o veículo com a matrícula GR, tendo, ele, Embargante, assumido a qualidade de fiador. Acontece que esta Devedora apresentou-se à insolvência pelo que, “inesperadamente”, porque “nunca imaginou” que aquela estava numa situação de insolvência, viu-se “numa situação de ter de responder solidariamente por uma dívida de terceiro que estava insolvente” obrigado a assumir o pagamento das prestações acordadas. Pagou 10 prestações, num total de € 2.500,00. No entanto, por dificuldades financeiras deixou de ter possibilidade de prosseguir com os pagamentos pelo que solicitou à Exequente, atempadamente, que viesse buscar o veículo acima referido, tendo esta aceitado a sua proposta, levando a dita viatura em 24/04/2016, liquidando, com ela, a dívida, conforme ficou o acordado, ficando, assim, pago por si o valor total da dívida, com o que nada deve à Exequente.
Conclui peticionando a procedência dos embargos, ou caso assim não se entenda, a avaliação do referido veículo para que se venha a saber qual a quantia que está efectivamente em dívida.
Notificada, a Exequente/Embargada contestou, impugnando especificadamente os factos invocados pelo Embargante no que toca à dação do veículo pela totalidade da dívida, alegando que, pelas partes, foi atribuído ao veículo o valor de € 4.000,00, valor que foi deduzido da totalidade da dívida que, assim, se mantém nos € 17.750,00.
Mais alega que o Embargante actua com abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium e litigando de má-fé.
Conclui pugnando pela improcedência dos embargos e pela condenação do Embargante em multa por litigância de má-fé.
Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que decidiu:
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Julgar totalmente improcedentes por não provados os presentes embargos de executado deduzidos pelo Embargante/executado contra a Embargada/exequente, e em consequência, determinar-se o prosseguimento da acção executiva.
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Julgar procedente a excepção de abuso de direito condenando o Embargante V. T. na multa equivalente a 5 (cinco) UC`s a título de litigância de má-fé.
Inconformado, traz o Embargante o presente recurso pedindo a reapreciação da decisão da matéria de facto e a revogação da supra transcrita decisão.
Contra-alegou a Embargada/Exequente propugnando para que se mantenha o decidido.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
**II.- O Embargante/Apelante formula as seguintes conclusões: 1ª O Tribunal “a quo” deu como não provados os pontos vertidos nos artigos 4º, 5º e 6º, que deveriam ser dados como provados no nosso modesto entendimento.
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Consideramos que atento a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como da prova documental, aqueles três artigos foram incorrectamente julgados.
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Acresce que o Tribunal “a quo” deu como provados os pontos 11 e 12 dos Factos dados como provados – o teor contante de um documento (doc. nº 5 de fls. 46 dos autos), que nem sequer está assinado pela embargada, nem pela executada e muito menos pelo ora Recorrente, que nem sequer é naquele documento mencionado.
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A prova documental é a que resulta do documento (cfr. art. 362º do C.C.) e a subscrição do documento é requisito essencial do documento particular, sendo a assinatura que lhe empresta a sua força probatória (cfr. artigo 373º, nº 1 do C.C.), pelo que a omissão das respectivas assinaturas não pode ser suprida por qualquer outro meio de prova.
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Ao não decidir assim, violou o douto Tribunal “a quo”, entre outros, o disposto nos artigos 362º, 364º e 373º, nº 1, todos do C.C., o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
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Relativamente ao ponto 4 dos Factos Não Provados resulta da prova, nomeadamente das declarações prestadas pelo Recorrente e pela testemunha H. T., cujos depoimentos se encontram registados no sistema digital do Tribunal desde 00.00.01 a 00.09.41 e de 00.00.01 a 00.18.00, respectivamente, referem o seguinte: 7ª 03:53: pergunta o Advogado da Embargante; No momento em que foram buscar o carro, decidiram valorizar o carro? 04:00: (Resposta): Não, não. Não senhora. Eles levaram o carro, não me disseram que valia, mil, dois mil, três mil ou quatro mil, eles levaram o carro era a penhora senhora doutora. 05:59: Senhor doutor, o carro era dela. O carro ficou para pagar a dívida.
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A testemunha H. T. refere o seguinte: 02:15: “Olhe dona Carla, eu não paguei porque não posso. Olhe é assim, se a dona Carla quiser esperar que isto melhore eu continuo a pagar-lhe, se não dona Carla vocês é que sabem” e ela disse “Não senhor V. T., nós queremos que nos pague ou então vamos buscar a carrinha que ficou acordada”.
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Face ao teor destes depoimentos, com conhecimento directo dos factos, quando o embargante deixou de pagar as prestações acordadas, entrou em contacto directo com a sócia gerente da exequente e solicitou-lhe que viesse buscar o veículo e, desse modo, o ponto 4 deveria ser dado como provado, o que se requer.
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O mesmo se diga quanto ao ponto 5º, porque das declarações da testemunha H. T. e do ora Recorrente, resulta o seguinte: (embargante) 02:10: “Não, senhor V. T., nós queremos que nos pague ou então vamos buscar a carrinha que ficou acordada”, pelo que deverá tal ponto ser dado como provado, o que também se requer.
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Liquidando o Recorrente com a entrega daquele veículo a dívida, conforme ficou acordado (ponto 6º dos Factos dados como não provados).
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Das declarações do Recorrente resulta que: 05:59: “Senhor doutor, o carro era dela. O carro ficou para pagar a dívida”, o que foi reafirmado pela testemunha H. T. (02:30): “que ficou no processo que a carrinha ficava como fiança se eu não conseguisse pagar, a dona Carla é que sabe”. 03:16: “foi acordado com a dona Carla que se levasse a carrinha que a dívida ficava saldada”.
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As partes podem, por negócio jurídico, estipular a impenhorabilidade específica de determinados bens (art. 602º do C.C.), que permite, por convenção entre credor e devedor, se limite a responsabilidade do devedor a alguns dos seus bens.
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E, por maioria de razão, que determinados bens do devedor sejam excluídos da sujeição à execução pela dívida, como aconteceu nos presentes autos.
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Do acordo celebrado e dado como título executivo, resulta que a Exequente levantou as penhoras que incidiam e tinha registadas sobre dois veículos propriedade da sociedade executada.
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Ficando expressamente convencionado como garantia daquela dívida o veículo de marca Peugeot, matrícula GR, ou seja, ficou convencionado e limitada a responsabilidade do embargante àquele bem.
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Portanto, com a entrega daquele bem, a dívida ficou saldada conforme ficou acordado, pelo que deverá ser dado como provado o ponto 6º dos Factos dados como Não Provados, o que se requer.
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Do recibo – matéria constante dos pontos 10, 10.1, 12, 13, 14 e 15 dos Factos dados como Provados – que, no nosso modesto entendimento, deveriam ser dados como não provados.
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O recibo apresentado não se refere à carrinha (Peugeot, matrícula GR) porque aquele não obedece aos requisitos do artigo 36º do CIVA e nunca pelo seu conteúdo se poderia aferir que o mesmo se reportava ao valor daquela viatura penhorada.
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A testemunha H. T. refere o seguinte: 09:10: “Não. Unicamente era um recibo de quatro mil euros. Não vinha dito que esses quatro mil euros são referentes à carrinha Peugeot. Não, não vinha”.
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A mesma testemunha até diz (10:19) “Eu quando recebi esse recibo de quatro mil euros eu até pensei que eram os quatro mil euros que se deram no início”.
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Deste modo, salvo melhor opinião, não poderia o douto Tribunal “a quo” dar como provada a matéria constante dos pontos 10, 10.1, 12, 13 e 14 dos Factos Provados, o que se requer.
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Por último, o recorrente não pode concordar com a condenação como litigante de má-fé.
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O Embargante nem sequer era executado na acção nº 192/14.1TBMDL.
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Quando a sociedade executada deixou de cumprir o acordo, o Recorrente ainda pagou durante dez meses uma prestação mensal de 250,00 €.
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Posteriormente, como se alegou, quando se deparou com dificuldades económicas, teve o cuidado de ligar à sócia gerente da Exequente dando-lhe conta da sua impossibilidade de se continuar a pagar aquela prestação e solicitou-lhe que aguardasse ou viesse buscar a carrinha frigorífica, de marca Peugeot, que ficara como garantia da dívida no acordo celebrado.
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O Recorrente entregou a dita carrinha voluntariamente e com essa entrega ficou convicto que a dívida ficava saldada, como defendeu na presente execução.
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O Embargante e ora Recorrente...
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