Acórdão nº 1069/16.1JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução09 de Abril de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo comum, com intervenção de tribunal coletivo, com o NUIPC 1069/16.1JABRG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Central Criminal de Guimarães – J2, realizado o julgamento, foi proferido acórdão, datado de 06-12-2017 e depositado no dia seguinte, com o seguinte dispositivo (transcrição [1]): «IV. Decisão.

Pelo exposto, este Tribunal Coletivo:

  1. Condena o arguido B. O. pela de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, n.ºs 1 e 2, 23º, 131º, n.º 1, 132º, n.ºs 1 e 2, al. e), do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão; b) Condena o arguido B. O. pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias, à taxa diária de 5,00 (cinco) euros, no montante global de 500,00 (quinhentos) euros; c) Condena o demandado civil B. O. a pagar à demandante civil, B. P., a quantia de € 21.850,00 (vinte e um mil oitocentos e cinquenta euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por esta sofridos mercê da conduta daquele, quantia, esta, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a data da presente decisão e até efetivo e integral pagamento; d) Condena o demandado civil B. O. a pagar à demandante civil, B. P., a quantia de € 814,90 (oitocentos e catorze euros e noventa cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais por esta sofridos mercê da conduta daquele, quantia, esta, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a data da notificação do pedido de indemnização civil e até efetivo e integral pagamento; e) E absolve o arguido/demandado do demais peticionado no pedido de indemnização civil deduzido pela demandante civil; f) Condena, ainda, o arguido no pagamento das custas criminais, que fixa em 3 U´sC de taxa de justiça, e nos demais acréscimos legais que fixa no mínimo; g) Condena o demandado civil e a demandante civil nas custas cíveis e na proporção do respetivo decaimento.» 2.

    Inconformado, o arguido interpôs recurso, concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos (transcrição): «Conclusões 1 - O tribunal a quo não tinha suporte probatório suficiente para considerar provado que o arguido manifesta um carácter e personalidade egocêntrica, ou seja, que o arguido padece de uma perturbação da personalidade caracterizada por egocentrismo. Semelhante afirmação conclusiva não tem suporte em nenhuma prova produzida em julgamento e o facto da ofendida e as testemunhas B. L. e J. F. referirem que o arguido era ciumento, não permite, de per si, ao tribunal concluir que o mesmo tem uma personalidade egocêntrica, critério indicador de um transtorno da personalidade narcisista. Personalidade esta que, quer no CID-10 – Classificação Internacional de Doenças da O.M.S, quer no DSM-V – Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, é classificada como perturbação da personalidade.

    2 - Existiu, portanto, erro na apreciação da prova que incidiu sobre os factos (art. 410.º, n.º 2, al. c) do C.P.P.), pois, o tribunal a quo não poderia dar por provado que o arguido durante o namoro manifestava um carácter e personalidade egocêntrica, por não dispor de suporte probatório que lhe permitisse considerar provado semelhante facto narrado em 2.

    3 - E, ao considerar como provado tal facto o tribunal a quo excedeu os limites impostos pelo artigo 127.º, do C.P.P.

    4 - Pelo que devem ser alteradas as respostas dadas aos sobreditos factos constantes da matéria de factos provada de molde a que deles conste como não provado possuir o arguido um carácter e personalidade egocêntrica.

    5 - Analisados os factos provados, na imagem global dos mesmos não se deteta a particular forma de culpa que justifica a qualificação do homicídio, pelo que deveria ter sido ditada uma absolvição quanto à verificação da qualificativa prevista no artigo 132.º, n.º 1 al. e), uma vez que, de forma alguma, racional e logicamente, se poderia ter dado como provada a imputação dessa qualificativa ao arguido.

    6 – O arguido agiu no âmbito de uma situação de conflito consubstanciada na discussão travada com a ofendida e motivada pelo facto de esta lhe ter confirmado manter uma relação com o V. C. e motivado pelo ciúme acabou por lhe desferir o golpe com uma faca, um único golpe, para de imediato exclamar “não acredito que fiz isto”. Semelhante afirmação transporta em si o arrependimento do ato perpetrado e note-se que, face o facto tido por não provado sob o item 1, o arguido nunca tinha formulado o propósito em matar a ofendida. Não se podendo afirmar, como consta da fundamentação do acórdão recorrido, que ao proferir “não acredito que fiz isto” se centrou em si mesmo e consequentemente que foi determinado por egoísmo intolerante, prepotente, mesquinho, que vai até à insensibilidade moral, de tal modo a revelar especial censurabilidade e perversidade.

    7 - Os factos provados permitem formar a convicção de que se o arguido pretendesse tirar a vida à ofendida teria desferido não um mas vários golpes com a faca. Pelo que inexiste motivo fútil.

    8 - O recorrente, conforme decorre do relatório social junto aos autos, tem inegável suporte familiar e laboral, estável, revelando consequente maturidade, encontrando-se socialmente integrado, tais elementos são relevante para se ajuizar das sérias razões que haja para crer que, da atenuação especial da pena, nos termos do artigo 4.º, do D. L. 401/82, de 23/09, resultem vantagem para a reinserção social deste.

    9 - No acórdão recorrido não se encontra devidamente fundamentada a ilação de que para o arguido não advirão vantagens da aplicação do regime penal para jovens delinquentes. Pois, independentemente de se averiguar da existência de pressupostos de facto para a atenuação, optou-se pela não aplicação do regime, valorando-se inequivocamente apenas a proteção de bens jurídicos, intervindo a reintegração do agente apenas enquanto individualizadora da pena entre o limite mínimo da prevenção geral e o limite máximo da culpa, e não como se impunha finalidades de integração e ressocialização do arguido recorrente.

    10 - A aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes ao recorrente, atenta a sua integração social derivada dos factos constantes do seu relatório social, funcionará como inegável estímulo para a sua efetiva reinserção social e definitivo afastamento de comportamentos desviantes. Aliás, mesmo em termos de prevenção geral as respetivas finalidades encontram-se asseguradas sendo que no meio comunitário onde reside, a sua situação processual é conhecida não tendo sido identificados sentimentos de rejeição à sua presença. A que acresce terem os factos que originaram os presentes autos um carácter excecional no trajeto de vida do recorrente, não emergindo de um quadro disfuncional - (cfr. conclusões do relatório social).

    11 - Daí que, o facto de se tratar de um delinquente primário concatenado com todos os factos provados, o inequívoco apoio familiar, não evidenciam um prognóstico completamente negativo relativamente à possibilidade da integração do jovem delinquente num mundo afastado do crime e externamente condizente com as regras sociais. Na verdade, a gravidade dos factos praticados não permitem de per si formular dúvidas quanto à possibilidade de integração na sociedade, sendo que o relatório social do arguido apresenta inequívocos indícios positivos no sentido da reintegração do mesmo.

    12 - Sendo que não podemos simplesmente retirar da gravidade do crime praticado a impossibilidade de reintegração do arguido, dado que a atenuação especial trará vantagem para a ressocialização deste, esta atenuação deve ser aplicada, uma vez que as exigências de prevenção geral por si só não são de molde a afastar este regime especial.

    13 - Aplicando-se o regime especial para jovens delinquentes, face aos factos seria suficiente para realizar de forma adequada e suficiente as necessidades da punição, a simples ameaça de prisão, aplicando-se ao recorrente a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão sujeita a regime de prova.

    14 - A punição do arguido na pena de seis anos de prisão pela prática do crime de homicídio na forma tentada é manifestamente exagerada, não se filiando numa visão factual ponderada pela gravidade global dos factos e da culpa neles desenhada, sendo nítida a violação do disposto no artigo 71.º, n.º 1, do C. P. pelo menos, em termos de culpa.

    15 - A pena aplicada, de seis anos de prisão, não realiza nenhum dos seus fins, na medida em que a pena, para além de dever ser a retribuição justa do mal praticado, deve contribuir para a reinserção social do agente, por forma a não prejudicar a sua situação senão naquilo que é necessário e deve dar satisfação ao sentido de justiça e servir de elemento dissuasor relativamente aos elementos da comunidade.

    16 - Destarte, em nome da justiça e da equidade, impõe-se a aplicação de uma pena não superior a quatro anos e seis de prisão, a qual realizaria as exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social do delinquente e exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade. Tal pena de uma pena de quatro anos e seis meses deverá ser suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova.

    17 - Com efeito, a matéria de facto provada permite concluir que as necessidades de prevenção especial consentem que a pena de quatro anos e seis meses de prisão seja suspensa na sua execução e, assim, possibilitar ao arguido manter ligação à comunidade de origem, facilitando o processo de ressocialização e amortizando os efeitos negativos que podem advir do cumprimento efetivo da pena de prisão.

    Foram violados os artigos 32.º da C.R.P., 127.º, 410.º, n.º 2, al. c) do C.P.P., 70.º e 71.º do C. Penal e 4.º, do D.L. n.º 401/82, de 23 de Setembro.

    Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o douto...

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