Acórdão nº 6491/17.3T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório F. P. intentou, no Juízo Central Cível de Guimarães - Juiz 3 - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ação declarativa de condenação na forma de processo comum, contra a “X – Companhia de Seguros, S.P.A.”, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia líquida de € 155.000,00 a título de indemnização pelos danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos em consequência de acidente de viação (atropelamento ocorrido no dia 5 de Dezembro de 2014), cuja ocorrência imputa, por culpa, ao condutor do veículo com a matrícula VT, seguro na Ré, em consequência do que sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais que descreve.

*Regularmente citada, contestou a Ré, aceitando a responsabilidade pela produção do sinistro e a obrigação de indemnizar daí decorrente, mas impugnando os alegados danos e alegando que, por se tratar de acidente simultaneamente de viação e de trabalho, o Autor já foi indemnizado em sede laboral pelo dano futuro da perda de rendimentos resultante da sua IPP, pelo que requereu a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Y Portugal, S.A. para esta vir exercer o seu direito de regresso contra a Ré pelo que tiver pago ao Autor (cfr. fls. 25 a 28).

*Deferida tal intervenção, veio a Y Portugal, S.A. dizer que já foi reembolsada pela Ré de todas as quantias despendidas por força do acidente dos autos, nada mais tendo a exigir da Ré, motivo pelo qual não detém qualquer interesse em permanecer na ação (cfr. fls. 86 e 87).

*Foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador onde se julgaram válidos todos os pressupostos de regularidade da instância, tendo-se procedido à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova (cfr. fls. 92 a 94).

*Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 123 a 125).

*Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu sentença (cfr. fls. 126 a 143), nos termos da qual, julgando a presente ação parcialmente procedente, decidiu condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 109.067,43.

*Inconformada, a Ré interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 144 a 149) e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I.

Por confessados e úteis para a decisão dos autos deverão, dar-se como provados, no uso dos poderes previstos no art° 662° do CPC, os seguintes factos, como se requer: a) que a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho pelo sinistro em apreço nos autos se encontrava transferida, pela apólice n° (...), para a Y, SA; b) que a ré, X, reembolsou esta última por todas as quantias por ela dispendidas por força daquele dito sinistro.

  1. O autor não o pediu, pelo que o tribunal recorrido ao condenar a ré a pagar àquele o dano de perda futura de rendimentos decorrente do défice funcional permanente de 14 pontos julgou ultra petita, violou o previsto no art" 6090/1 do CPC, devendo essa parte da sua decisão ser revogada e a ré dela absolvida.

    ***III. A vertente patrimonial das sequelas físicas permanentes é avaliada e valorada do ponto de vista médico-legal numa incapacidade para o trabalho, fixada numa determinada percentagem, com base na tabela I do DL. 352/07.

  2. A vertente não patrimonial das sequelas físicas permanentes é avaliada e valorada do ponto de vista médico-legal num défice funcional permanente/incapacidade geral, fixada em pontos, com base na tabela II do DL. 352/07.

  3. Esta tabela apenas faz uma avaliação qualitativa, mas já não quantitativa, da repercussão daquele défice funcional sobre a capacidade profissional do lesado (no caso esforços moderados).

  4. A avaliação quantitativa, necessária à graduação duma decisão, só é feita pela sobredita incapacidade laboral, a da tabela I.

  5. O autor apenas pede para ser ressarcido pelos danos não patrimoniais decorrentes do défice funcional permanente, pelo que tendo sido indemnizado pelos danos patrimoniais futuros e ainda pelo dano biológico em sede de processo de acidente laboral, não pode agora ser indemnizado pelo mesmo dano patrimonial futuro nestes autos.

  6. Ao fazê-lo o tribunal recorrido violou o previsto nos art" 563°, 564° e 566° do cc.

    *** IX. É excessiva a indemnização de € 100.000 pelos danos decorrentes do défice funcional permanente de 14 pontos de que ficou afectado o autor, pelo que, ao fixá-la, o tribunal a quo violou o disposto no are 506°/1 do CC, devendo a sua decisão ser alterada, reduzindo aquele valor para não mais de € 10.637,20 ou, na pior das hipóteses, de € 23.401,84, com as mais consequências legais.

    TERMOS EM QUE a sentença recorrida deverá ser alterada conforme atrás se concluiu, com o que se fará JUSTIÇA!».

    *Contra-alegou o autor, pugnando pela improcedência do recurso (cfr. fls. 152).

    *O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 154).

    *Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    *II. Questões a decidir.

    O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

    No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber: i) – Da nulidade da sentença com fundamento nas als. d) e e) do n.º 1 do art. 615º do CPC (por violação do art. 609º, n.º 1 do CPC), na parte respeitante à condenação no dano patrimonial futuro.

    ii) – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

    iii) – Da (indevida) cumulação entre a indemnização paga, em sede de processo de acidente laboral, pelos danos patrimoniais futuros e pelo dano biológico e o montante indemnizatório arbitrado nestes autos a título de dano patrimonial futuro.

    iv) - Se é excessiva a indemnização arbitrada pelos danos decorrentes do défice funcional permanente de que o autor ficou afectado.

    *III. Fundamentos A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: 1. No dia 5 de Dezembro de 2014, pelas 19:10m, o Autor circulava apeado na Avenida sociedade musical, na freguesia de (...) do Concelho de Guimarães, no passeio que delimita a faixa de rodagem do sentido Lordelo/Selho São Jorge.

    1. A dada altura decidiu atravessar a via, para o passeio do lado contrário da faixa de rodagem, para o passeio que delimita a faixa de rodagem do sentido de trânsito Selho São Jorge/Lordelo e, para tanto, aproximou-se da passagem para peões que ali existe.

    2. A Avenida Sociedade musical é constituída por duas faixas de rodagem, divididas por um canteiro, em que uma das faixas se destina à circulação no sentido Selho São Jorge/Lordelo e outro no sentido Lordelo/Selho São Jorge.

    3. A velocidade máxima é de 50 km/h, por se tratar de uma localidade.

    4. Constitui uma rua de acesso a uma zona industrial, em que todos os dias ali circulam dezenas de peões apeados.

    5. O Autor ao aproximar-se da passadeira da faixa de rodagem Lordelo/Selho (...), olhou para a esquerda, a fim de verificar se podia atravessar a via em segurança.

    6. Como não se aproximavam veículos iniciou a travessia, até ao canteiro que divide as duas vias da Avenida Sociedade Musical.

    7. Ao chegar ao canteiro, voltou a olhar para a esquerda a fim de verificar se podia continuar a travessia em segurança.

    8. Ao percepcionar que o podia fazer em segurança, começou atravessar a faixa de rodagem.

    9. Quando o Autor estava a cerca de um metro do passeio do lado oposto da faixa de rodagem, sentido Selho (...)/Lordelo, foi colhido pela viatura de matrícula VT, de marca Seat e modelo Leon, conduzido por P. M..

    10. O referido veículo embateu com a parte frontal esquerda nas pernas do Autor.

    11. Em consequência, o Autor foi projectado a 2 metros e caiu desamparado no chão.

    12. À hora do acidente era já noite.

    13. O Autor deslocava-se no percurso habitual do trabalho para casa, no caminho que todos os dias fazia do seu trabalho até causa.

    14. Correu termos no Juiz 1 do Tribunal de Trabalho de Guimarães processo de acidente de trabalho sob o n.º de processo 7817/15.0T8GMR com referência ao evento em causa nos autos.

    15. Onde foi atribuída ao Autor uma pensão obrigatória remível de € 1.019,58 (mil e dezanove euros e cinquenta e oito cêntimos) em função da Incapacidade Parcial Permanente de 21,750% que lhe foi fixada pelo Gabinete Médico-Legal.

    16. O Autor nasceu no dia 7 de Dezembro de 1958.

    17. À data do sinistro, a responsabilidade pelos riscos emergentes da condução do veículo com a matrícula VT encontrava-se transferida para a Ré, através da apólice n.º (...).

    18. Em consequência do atropelamento, o Autor foi transportado para o Hospital de Guimarães pelos Serviços de Urgência, onde deu entrada no próprio dia com as seguintes lesões: traumatismo do pé esquerdo; fractura – luxação navicular do pé esquerdo; - fractura diafisária de M4; - luxação MCF do 2.º dedo; - luxação da articulação de Chopard; - fractura comutativa do escafóide társico e cubóide 20. Foi operado de urgência no dia seguinte.

    19. Em 23 de Dezembro de 2014 foi submetido a nova intervenção cirúrgica ao pé esquerdo.

    20. Teve alta hospitalar no dia 9 de Janeiro de 2015.

    21. Após a alta hospitalar foi encaminhado pela Companhia de Seguros Y (apólice de Acidentes de Trabalho) para os Serviços Clínicos do Hospital de Santa Maria no Porto, onde manteve consultas de Ortopedia.

    22. E foi submetido a mais três intervenções cirúrgicas, com internamentos de 11 de Fevereiro a 12 de Fevereiro de 2015, de 16 de Setembro a 23 de Setembro de 2015 e de 25 de Fevereiro de 2016 a 27 de Fevereiro de 2016.

    23. Manteve-se em tratamentos até ao dia 15 de Abril de 2016, data em que foi fixada a consolidação médico-legal.

    24. Nos dias...

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