Acórdão nº 1240/14.0T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelEVA ALMEIDA
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO Maria intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra F. S., pedindo: - Seja declarada a nulidade do testamento celebrado por Manuel no dia 7 de Outubro de 2011 no Cartório Notarial de A. D., em Viana do Castelo, constante do L.º 3 a fls. 58 desse Cartório.

Subsidiariamente: - Seja declarada a anulabilidade do testamento celebrado por Manuel no dia 7 de Outubro de 2011 no Cartório Notarial de A. D., em Viana do Castelo, constante do L.º 3 a fls. 58 desse Cartório.

Alega para tanto e em síntese, que o seu falecido marido, Manuel, querendo beneficiar com deixa testamentária a senhora com quem vivia maritalmente (D. G.), outorgou testamento a favor do filho desta, aqui réu.

* O réu contestou alegando não ter existido simulação, pois que o falecido Manuel o quis beneficiar a ele e não à mãe. Além disso, Manuel já estava separado da mulher, aqui autora, há mais de 6 anos, pelo que não havia qualquer obstáculo à outorga de testamento a favor da sua mãe. Excepcionou ainda a caducidade da acção.

*Foi realizada uma audiência prévia, na qual a autora respondeu à matéria das excepções. Foram enunciados o objecto do litígio e os temas da prova.

*Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com a observância do ritualismo legal.

Proferiu-se sentença em que se decidiu: Pelos motivos acima expostos, julgo a presente acção improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo o réu F. S. dos pedidos.

*Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: 1.ª – A expressão “separaram-se”, usada no Facto 10 da sentença, deve ser eliminada, desde logo, porque se trata de um conceito de facto genérico, porquanto não concretiza quem foi que se separou de quem.

  1. – Por outro lado, ainda quanto ao facto 10, da prova realizada em julgamento resultou provado que foi o Manuel quem se separou da Autora, nomeadamente das declarações escritas da testemunha D. G. constantes da carta rogatória, onde esta diz expressamente: “Depois soube que o casal não ia bem e que ele (Manuel) acabou por deixar a esposa… As coisas não corriam bem… ele queria afastar-se um pouco da família”.

  2. – Assim, propõe-se que aquele segmento do facto 10, “A Autora e Manuel separaram-se” deve ser eliminado e substituído pela expressão “O Manuel abandonou o lar conjugal da Autora em Janeiro/Fevereiro de 2007.

  3. – Foi considerado provado no “Facto 14” da sentença que “A referida D. G. e o Réu ajudaram o Manuel e apoiaram-no na doença”, tal facto deve ser eliminado porque se trata de um conceito de facto genérico, porquanto não concretiza objectivamente em que se traduziu essa “ajuda” e “apoio”.

  4. – No presente recurso discorda-se do concreto ponto de facto enunciado no número 2) dos temas de prova do Despacho Saneador (Razões que levaram o testador a outorgar o testamento). Tais concretos pontos de facto vêm enunciados nos pontos 8 dos Factos Provados, do capítulo II. Fundamentação da sentença e bem assim dos Factos não provados do mesmo capítulo da sentença.

  5. – Na sentença considerou-se provado: “8 – Em data não concretamente apurada dos anos de 2010/2011 foi diagnosticado ao testador Manuel um cancro maligno nos pulmões” 7.ª – Tal facto foi alegado em 12 da P.I. e está relacionado com o facto alegado em 14 da P.I., visando demonstrar que à data da realização do testamento, em Outubro de 2011, o testador já sabia da sua doença e da iminência da sua morte.

  6. – Dos elementos de prova carreados para os autos resulta claramente que o conhecimento do diagnóstico do cancro ao testador Manuel foi inequivocamente anterior a 31 de Janeiro de 2011, tal como a Autora alegou em 12º da P.I.

  7. – Assim e desde logo, tal data devia ser considerada provada por confissão, porquanto, não obstante o Réu haja impugnado formalmente o alegado em 12º da P.I. (veja-se o artigo 32º da contestação), o Réu admite no artigo 44º da contestação que “mais tarde (depois de Outubro de 2007 – ver artigo 39º da contestação) foi diagnosticado ao Manuel uma doença do foro oncológico”. Ou seja, o Réu na contestação admitiu o facto alegado em 12º da P.I. sem que tenha atribuído ao diagnóstico da doença uma data diferente.

  8. – Mesmo que assim se não entenda, a data do diagnóstico do cancro ao testador resulta inequivocamente provada dos depoimentos gravados. Desde logo, resulta das declarações do Réu, como a seguir se transcreve: Gravação n.º 20170925145810 _1324228_2871836do sistema Habilus, passagem 41:30: - Pergunta Adv.º da Autora: Lembra-se quando é que foi dada a notícia do cancro? (…) - Pergunta Adv.º da Autora: Mais concretamente era a data? - Resposta do Réu: …2010.

    E das declarações da testemunha D. G.: Gravação n.º 20170925161910 _1324228_2871836do sistema Habilus, passagem 26:26 a 26:50: - Pergunta do Adv.º da Autora: - Quando é que lhe foi dito que tinha cancro, em que mês e em que ano? - Resposta: - Foi em fins de 2010 porque ele foi operado em 2011.

    - Pergunta: - E quando diz fins, será Dezembro? - Resposta: - Novembro ou Dezembro de 2010.

  9. – Propõe-se, por isso, que ao facto 8 dos factos provados seja dada a seguinte redacção: “8 – Em data não concretamente apurada, mas anterior a Janeiro de 2011, foi diagnosticado ao testador Manuel um cancro maligno nos pulmões”.

  10. – Na sentença, sob a rubrica “Factos não provados”, o Sr Juiz “a quo” considerou não provado: “O referido Manuel com aquela deixa testamentária quis beneficiar D. G.… e que com ele se deslocou de França a Portugal para a feitura de tal testamento” e “Foi por causa da iminência da morte do testador e da impossibilidade legal de beneficiar a D. G. que aquele decidiu vir de França a Portugal, com ela, fazer este testamento a favor do Réu”.

  11. – Sendo certo que quanto à relação de causalidade e à referida intencionalidade, referidas naquele facto, nenhuma prova directa foi realizada, não concordamos com a prova negativa quanto à totalidade do facto.

  12. – Veja-se as declarações da testemunha D. G.: Gravação n.º 20170925161910 _1324228_2871836do sistema Habilus, passagem 28:13: - Pergunta do Adv.º: - A Sra disse que veio com ele quando foi fazer o testamento, como é que vieram? Como é que vieram de França para cá? - Resposta: - Viemos no carro.

    - Pergunta: -29.23 – E como é que foram para o Cartório? – Resposta: – 29.27 Aqui em Viana? - Pergunta: – Sim - Resposta – 29.32 - É um bocadinho só. Não era longe, nós moramos na Meadela.

    A mesma testemunha, nas suas declarações prestadas em carta rogatória, juntas aos autos, refere: - “ … Pessoalmente soube que o testamento foi redigido a 7 de Outubro de 2011, junto de um Notário em Portugal e ele (testador Manuel) tinha-me informado das suas disposições nessa altura. Ele já tinha escrito uma carta dizendo que queria fazer um testamento a favor do meu filho e o advogado tinha-lhe dito que ele devia passar pelo Notário, o que ele fez”.

    Vejamos ainda as declarações do Réu, na Gravação n.º 20170925145810_1324228_2871836 do sistema Habilus- Passagem 31:44: Pergunta do Adv.º da Autora: E ele (Manuel) veio sozinho e como é que veio? Resposta: - Não, deve ter vindo com a minha mãe, não sei.

    Pergunta: Veio com a sua mãe? Resposta: Sim.

  13. – Propõe-se, por isso, que, dos referidos factos considerados não provados, deverá considerar-se provado, pelo menos, que: - O testador, após ter-se esclarecido com um advogado, deslocou-se de França a Portugal, acompanhado por D. G., para fazer a referida disposição testamentária a favor do Réu, filho desta.

  14. – Deve ainda considerar-se como provado que: “O testador Manuel declarou, ao tempo em que vivia maritalmente com a D. G., que nunca perdoaria às filhas a reacção que estas tiveram em relação à separação do pai e da mãe, ora Autora, pois que por isso elas deixaram de lhe falar”.

  15. – Com efeito, compaginando a prova gravada em 20170925145810 _1324228_2871836 do sistema Habilus: - Passagem 14:42 a 15.15, onde o Réu confessa que “De parte eu não sei o que é permitido por lei, a única coisa que eu posso dizer é que ele estava muito afectado pela reacção das filhas em relação ao divórcio, ele chegou-me a falar nisso várias vezes porque no início ainda lhe falavam mas mais tarde deixaram de lhe falar completamente e tiveram reacções que no entender dele eram reacções que elas não deviam ter com o pai e nesse aspecto ele chegou a dizer-me que nunca perdoaria às filhas o que lhe fizeram”.

  16. – Por se tratar de um facto instrumental relevante e ter resultado da discussão da causa, tal facto deve ser oficiosamente considerado provado, nos termos do artigo 5.º do C.P.C.

  17. – Na sentença, sob a rubrica “Factos não provados”, o Sr Juiz a quo considerou não provado: “A declaração testamentária não corresponde à real vontade do testador no que se refere à identidade da pessoa que o mesmo quis beneficiar com o testamento” e “O referido Manuel com aquela deixa testamentária quis beneficiar D. G.… que com ele se deslocou de França a Portugal para a feitura de tal testamento” e “O referido Manuel fez a disposição testamentária em questão a favor de F. S. apenas porque não o pode fazer a favor da sua mãe, com o acordo de ambos” e “Foi por causa da iminência da morte do testador e da impossibilidade legal de beneficiar a D. G. que aquele decidiu fazer este testamento a favor do Réu, com isso querendo enganar e prejudicar a herdeira Autora”.

  18. – Porque se trata de factos negativos (não correspondência entre a vontade real e a vontade declarada do testador, a intenção não declarada de beneficiar a D. G. por interposta pessoa, a convicção do testador sobre a proibição legal de legar à sua concubina e a intenção de, por esse modo, prejudicar os seus herdeiros legitimários) e reportados ao nível da reserva mental, estamos perante o que se designa de “prova diabólica”, por ser praticamente impossível a prova de meras intenções.

  19. – Nessa situação a prova do facto essencial só pode fazer-se através da dedução do...

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