Acórdão nº 9/17.5T8MDR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2018
Magistrado Responsável | MARIA JO |
Data da Resolução | 10 de Julho de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
*I - RELATÓRIO 1.1.
Decisão impugnada 1.1.1. Freguesia X (aqui Recorrente), com sede na respectiva Junta, no Lugar de …, Rua …, em Miranda do Douro, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Lurdes e marido, António (aqui Recorridos), residentes na Rua da …, em Miranda do Douro, pedindo que · se condenassem os Réus a reconhecerem que um caminho que identificou é público e que, em consequência, está colocado sob a sua jurisdição, a exercer através da respectiva Junta de Freguesia, e se destina à passagem a pé de animais e viaturas de quem por ele pretenda transitar, sem limitação alguma; · se condenassem os Réus a removerem do local todos os objectos que colocaram no referido caminho público, designadamente a vedação de arame farpado e o poste de cimento, que impendem o público de o utilizar plenamente; · se condenassem os Réus a eliminarem as valetas laterais que construíram nas margens do caminho, repondo-o nas condições em que se encontrava antes da sua intervenção; · e se condenassem os Réus a não mais perturbarem o trânsito e a livre utilização do caminho por quem quer que seja, abstendo-se de realizar nele qualquer obra ou apropriação individual.
Alegou para o efeito, em síntese, que na referida Freguesia X existe um caminho público, bem calcado e trilhado, pelo trânsito de pessoas e veículos mecânicos e de tração animal, ligando o centro da freguesia com o Lugar …; e ser o dito caminho usado desde tempos imemoriais para esse efeito, por todas as pessoas da freguesia e das freguesias limítrofes, sem restrições ou limitações, sem oposição de ninguém, e com consciência de estarem a utilizar um bem do domínio público.
Mais alegou ser ela própria quem, há mais de 50, 60 e 80 anos, cuida da conservação do dito caminho, por forma a facilitar o trânsito de pessoas e veículos, sendo o mesmo, pela sua extensão e frequência de uso, uma via de significativo alcance social e interesse na freguesia.
Alegou ainda a Autora que os Réus, que se afirmam donos e possuidores de prédios rústicos de pastagens e árvores situados na margem do caminho em causa, começaram desde 2015 a propalar que o mesmo não era público; e que o seu leito - no todo, ou em parte - é sua propriedade.
Por fim, a Autora alegou que, nessa mesma altura, os Réus cortaram o caminho em vários lugares, atravessando nele troncos de árvores e lavrando o seu leito, delimitando-o com rede de arame farpado e com um poste de cimento para instalar o dito arame farpado (refazendo ainda aquela vedação, das duas vezes que ela própria a mandou cortar); e em 2017, ou em fins do ano anterior, construíram valetas laterais em vários dos seus pontos, reduzindo a largura transitável da via, e encaminhando as águas pluviais para prédio que dizem ser seu.
1.1.2.
Regularmente citados, os Réus (Lurdes e marido, António) contestaram, pedindo que a acção fosse julgada improcedente.
Alegaram para o efeito, em síntese, que o caminho invocado pela Autora se situa dentro de prédio rústico comprado por eles próprios em 28 de Outubro de 1985; e que apenas servia os anteriores proprietários do dito prédio, para encurtarem a deslocação de vacas para pastagens de sua pertença, só por mera tolerância dos mesmos tendo passado a ser igualmente aproveitado pelos habitantes da aldeia da ....
Mais alegaram que o caminho em causa nunca constituiu elo fundamental, quer para terrenos agrícolas, quer para ligação entre aldeias vizinhas (... e X), que se fazia por outro itinerário, não passando igualmente por ele actos religiosos, vindo inclusivamente a diminuir o seu uso, face à reconhecida diminuição das actividades agrícolas.
Alegaram ainda os Réus que em 2009, quando a Autora, com permissão sua, arranjou com meios autárquicos um outro caminho contíguo à sua propriedade, não entrou com os mesmos na extensão desta passagem sobre o seu próprio prédio, que já nessa altura tinha reduzida ou insignificante utilidade social, e passou desde então a não ter mesmo nenhuma, por isso se considerando fechado.
Por fim, os Réus alegram que só em 2015 praticaram actos de defesa da sua propriedade, por só nessa altura a Autora ter participado à Câmara Municipal a sua pretensão, de que tal caminho fosse reconhecido como do domínio público, alegando o seu conforme uso imemorial.
Defenderam, assim, os Réus que o mesmo não constitui mais que um atalho, que visava o encurtamento de distâncias, devendo classificar-se como atravessadouro; e, por isso, se tendo por abolido, nos termos do art. 1383º do C.C..
1.1.3.
Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho: saneador (certificando a validade e a regularidade da instância); fixando o valor da acção em € 30.00,01; identificando o objecto do litígio («o reconhecimento da existência de um caminho público, com as características elencadas na petição inicial», e «a violação do direito de propriedade desse caminho pelos réus e suas consequências») e enunciando os temas da prova («Características, dimensões e limites do caminho identificado no art. 5º da petição inicial», «Utilização e fruição que é dada pela população ao caminho referido supra», «Data a partir da qual o caminho passou a ser utilizado pela população», «Saber se a população da aldeia de ... e X apenas utilizavam o caminho supra referido por tolerância dos seus donos», «Saber se os réus, no ano de 2015, cortaram o caminho supra referido em vários lugares, atravessando nele no sentido transversal, troncos de árvores e lavrando o seu leito e delimitaram lateralmente o caminho com rede e arame farpado», «Saber se no final de 2016/inícios de 2017, os réus construíram valetas laterais, reduzindo a largura transitável da via, valetas essas através das quais procederam ao encaminhamento de águas pluviais para o seu prédio»); apreciando os requerimentos probatórios das partes, bem como designando dia para realização da audiência final.
1.1.4.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar a acção totalmente improcedente, e, em consequência:
-
Absolver os Réus do peticionado.
*As custas da acção serão suportadas pela Autora, atento o disposto no artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
(…)»*1.2. Recurso (da Autora) 1.2.1. Fundamentos Inconformada com esta decisão, a Autora (Freguesia X) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que a sentença recorrida fosse revogada, e substituída por decisão que eliminasse os factos provados enunciados sob os números 10 e 20, e - com, ou sem, essa eliminação - julgasse a acção inteiramente provada e procedente.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui reproduzidas ipsis verbis): 1 - A autora, Freguesia X, do concelho de Miranda do Douro, demandou os réus pedindo a sua condenação a reconhecerem a natureza pública de um caminho colocado sob a jurisdição da autora, que exerce através da Junta de Freguesia respectiva, e se destina desde tempos imemoriais à passagem de pessoas, animais e veículos de quem por ele pretenda transitar sem limitação alguma, bem como a removerem do caminho tudo o que nele colocaram e limita o acesso do público, incluindo as valetas laterais que aí construíram, repondo o caminho no estado anterior a essa intervenção e a não mais perturbarem o trânsito e livre circulação, por ele, de quem quer que seja.
2 - Os réus contestaram a acção, sem deduzirem reconvenção, impugnando os fundamentos alegados pela autora e alegando que são proprietários de um prédio rústico existente no local, por eles comprado 1985, e prédio esse que fora adquirido pelos antigos possuidores para encurtarem o acesso a pastagens de sua pertença, na vizinha Freguesia de ..., e para deslocarem as vacas, e que, com a tolerância dos anteproprietários, o caminho passou a ser aproveitado pelos habitantes da Freguesia de ..., mas, actualmente, tem pouco uso, porque, como é do conhecimento geral, ocorreu diminuição das actividades agrícolas e abandono da agricultura, com menor deslocação pelos meios rurais, circunstâncias estas que - alegaram - os levou a considerarem a passagem como um atravessadouro.
3 - Discutida a causa, foi produzida a sentença de que se recorre, julgando a acção improcedente e não provada, porque, conforme conclusão da mesma douta peça, «o caminho em questão é um caminho alternativo e destinado a encurtar distância (atalho), ligando os caminhos públicos indicados com os pontos C/D e E/F de fls. 15, através do prédio dos réus, cujo leito faz parte integrante do prédio atravessado (é um atravessadouro)».
4 - A decisão, no entanto, é de todo inaceitável e infundamentada por vários motivos, designadamente e desde logo porque da matéria de facto provada consta que (nrºs 1 e 2) o caminho em causa, calcado e trilhado pelo trânsito de pessoas e veículos mecânicos e de tração animal, tem uma extensão de cerca de 300 metros e largura média de 4 metros, põe em contacto os lugares de ... e X e liga a dois outros caminhos públicos (...-X e X-…/…), sendo usado desde tempos que se iniciaram em data que já não permite haver pessoas vivas que disso se recordem, seguramente há mais de 80 anos, sendo usado e fruído por todas as pessoas da freguesia, das freguesias limítrofes e em geral por todas as pessoas que por aí pretendem passar para qualquer efeito, para acesso às propriedades urbanas e rurais, em todos os dias do ano e quando pretendem fazê-lo, sem qualquer restrição ou limitação, sem oposição de ninguém, com a consciência de que estão a utilizar bens do domínio público de que podem livremente servir-se, diariamente, à vista de toda a gente, para por ele circularem a fim de retirarem lenha de sua...
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