Acórdão nº 503/18.0T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução18 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO O autor Miguel intentou, em 23-01-2018, no Tribunal de Família de VN de Famalicão, acção de impugnação e de investigação de paternidade contra os réus José e Outros.

Alegou, em síntese, que nasceu em 01-04-1973 e foi registado como filho do 1º réu, casado com sua mãe. No entanto foi biologicamente procriado em resultado de relacionamento sexual desta com A. F. e não com o marido daquela.

Pediu, pois, que o tribunal declare que não é filho do 1º réu, se ordene a eliminação do registo civil onde isso consta, que se reconheça e declare que é filho do referido A. F. e se ordene o averbamento deste facto no assento de nascimento.

Na contestação, além do mais, foi invocada a excepção de caducidade, quer quanto à impugnação quer quanto à investigação, por se terem há muito esgotado os prazos para uma e outra estabelecidos nos artºs 1842º e 1817º, do Código Civil.

Na réplica, o autor invocou a inconstitucionalidade material de tais normas, na dimensão ao caso aplicável, por similitude de razões: o exercício dos direitos em causa, atenta a sua natureza pessoalíssima e fundamental, jamais pode ser cerceado por qualquer prazo condicionante, sendo imprescritível.

No saneador, foi decidido que, tendo decorrido o prazo de 10 anos referido na alínea c), do nº 1, do artº 1842º, relativo à impugnação de paternidade, sendo esta norma constitucional e, portanto, de aplicar na situação sub judice, procede a excepção de caducidade, absolvendo-se consequentemente os réus do pedido.

O autor não se conformou e apelou a esta Relação, alegando e concluindo: “1 - A questão a dirimir e na qual o presente recurso se centra reporta-se à sujeição (ou não) do direito de reconhecimento da paternidade a prazos de prescrição ou de caducidade.

2 – O recorrente considera que o direito de qualquer cidadão a conhecer a paternidade é um direito imprescritível.

3 – A natureza dos direitos fundamentais à efectiva identidade pessoal exige a sua vigência e a sua eficácia plenas em todo o ciclo de vida do respectivo titular, o que é incompatível com soluções limitativas, inibidoras da sua plena realização por critérios exclusivos de restrição temporal.

4 – O direito de qualquer cidadão a conhecer a paternidade é um direito que não pode, não deve estar, nem está sujeito a qualquer prazo, não podendo estar sujeito a qualquer limite temporal, sob pena de violação do direito à identidade pessoal verdadeira, consagrado no artigo 26 nº 1, CRP.

5 - O reconhecimento do estado de filiação constitui um direito pessoalíssimo, indisponível e insusceptível de extinção pelo decurso do tempo, que pode (e deve) ser exercido sem qualquer restrição ou limitação, nomeadamente de ordem temporal.

6 - A eventual sujeição de acções relativas a questões de paternidade a prazo de caducidade choca com o próprio direito natural, com o espírito dos mais elementares direitos humanos e com o direito de qualquer cidadão a conhecer as suas raízes, a sua filiação biológica, a sua identidade pessoal, em suma tudo o que está intimamente relacionado com a dignidade da pessoa humana – arts. 1, nº 1 e 26, nº 1 CRP.

7 - O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, com dignidade constitucional, está intimamente ligado ao próprio direito à identidade biológica e pessoal, pelo que qualquer limitação ou condicionamento ao exercício do direito de conhecimento da origem genética consagrado no mesmo preceito constitucional constitui uma violação do princípio da dignidade da pessoa humana e uma violação da própria Constituição.

8 - Mesmo depois das alterações introduzidas pela Lei nº 14/2009 de 1/4, o Supremo Tribunal de Justiça continuou a fixar jurisprudência (por exemplo, os Doutos Acórdãos de 25/3/2010 e de 8/6/2010) no sentido da tese da imprescritibilidade, afirmando que, para além de inconstitucionais, os prazos de caducidade, sejam eles quais forem, traduzem uma restrição desproporcionada ao direito fundamental à identidade pessoal, mais precisamente ao direito à historicidade pessoal.

9 - Os motivos e os objectivos (como a segurança jurídica e a falibilidade das provas) que presidiram à criação de prazos de caducidade para acções como a dos autos revestem actualmente muito menores relevância e validade no confronto com a nova dimensão do “direito à identidade pessoal” e o “direito à integridade pessoal”, considerando nomeadamente a evolução no domínio da genética e o movimento social e científico generalizado no sentido do conhecimento e averiguação das origens biológicas de cada um.

10 – Também no direito comparado a regra é a da imprescritibilidade das acções, como no direito italiano (art. 270 CC), brasileiro (art.1606 CC), espanhol (art. 133 CC), alemão (art. 1600 CC) e de Macau (art.1677, nº 1).

11 - A própria comparação com o exercício de direitos reais evidencia o resultado perverso e atentatório da dignidade que a sujeição a prazos dos direitos que aqui se peticionam implica, face à imprescritibilidade da acção de reivindicação (conforme dispõe o art. 1313 CCivil) em sede de direitos reais, tornando ainda mais chocante e inadmissível que, invocando pseudo-argumentos como a segurança jurídica, se aceite ou se defenda a fixação de limites temporais para a investigação de paternidade.

12 - O recorrente conclui pela inconstitucionalidade material da norma do art. 1817 CCivil (na redacção introduzida pela Lei nº 14/2009) e pugna por não sujeitar direitos e acções como as dos autos a prazos de caducidade.

13 – A Douta e vasta Jurisprudência (recente) supra-citada e transcrita sustenta de forma inequívoca e directa o entendimento e a pretensão do recorrente.

14 - O prazo de dez anos não tem cabimento constitucional, uma vez que cerceia de forma injustificada um direito individual - o direito à história pessoal.

15 - A investigação (e o apuramento da verdade biológica) nunca deve ser considerada tardia, sendo certo que, conforme já se referiu, a falta de razoabilidade e de adequação do prazo de dez anos emerge até da circunstância de ser inferior ao prazo geral da prescrição de vinte anos aplicável a questões patrimoniais, fazendo que, a subscrever a tese integrada na douta sentença recorrida, seja mais fácil defender direitos patrimoniais do que um direito estruturante da personalidade.

16 - A paternidade biológica já não pode, hoje em dia, ser abafada e transformada numa espécie de paternidade clandestina, sem a tutela plena do direito, em violação do disposto no nº 3 do art. 26 CRP.

17 - É, pois, inconstitucional qualquer prazo de eventual caducidade que ainda hoje se pretenda impor ao conhecimento da paternidade efectiva e verdadeira de cada um, pelo que só o reconhecimento do direito e do exercício respectivo sem sujeição a qualquer prazo é compatível com o direito à identidade pessoal, o direito às próprias raízes e o direito à historicidade pessoal.

18 - As tendências (e evoluções) jurisprudencial e doutrinal (nomeadamente recentes e muito posteriores ao Douto Acórdão citado na douta sentença recorrida) apontam no sentido de se verificar uma progressiva e significativa opção a favor do filho e da imprescritibilidade da acção, designadamente, com o impulso científico e social para o conhecimento das origens, os desenvolvimentos da genética e generalização dos testes genéticos de muita elevada fiabilidade, sempre rumo ao conhecimento das origens e ao direito a conhecer a ascendência biológica.

19 – A própria jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aponta no sentido pugnado pelo recorrente.

20 – A douta sentença recorrida viola nomeadamente o disposto nos arts. 1, 26, 220, CRP, 1848 CCivil Nestes termos e no que for doutamente suprido por V.Exas, Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser proferido Douto Acórdão que revogue e substitua o douto despacho recorrido, que declare improcedente a excepção da caducidade e determine o prosseguimento dos autos, com vista ao apuramento da efectiva e verdadeira filiação biológica do recorrente, Assim se fazendo JUSTIÇA”.

O réu respondeu, concluindo: “1. Entendeu o douto Tribunal a quo que, à data da entrada da petição inicial (23.01.2018), já há muito tinha decorrido o prazo de 10 anos a que faz referência o art. 1842º, nº 1, al. c), do CC, e, ainda, não julgar inconstitucional esta norma. Em consequência, foram os RR. absolvidos do pedido.

  1. Esta douta decisão apresenta-se manifestamente acertada, sem merecer qualquer reparo e, portanto, sem enfermar de qualquer erro de julgamento.

  2. Nos termos do artigo 1842.º, nº 1, alínea c) do Cód. Civil, a impugnação de paternidade está sujeita a prazos de caducidade, devendo, no caso dos autos, o filho intentá-la “até 10 anos depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou posteriormente, dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe.” 4. O recorrente alegou nos autos ter, desde sempre, conhecimento de circunstâncias que lhe permitiam concluir com segurança não ser filho do 1.º Réu, ou seja, de que a paternidade, que consta do seu assento de nascimento, não é verdadeira.

  3. E alegou mesmo que, pelo menos desde 27 de Junho de 2011 (cfr. doc. 5 junto com a petição inicial) tem conhecimento de um teste que lhe permite concluir pela exclusão da paternidade do 1.º Réu! 6. Em face das alegações do recorrente, há muito que decorreram os prazos previstos na citada na al. c), do nº 1, do art. 1842º do CC. e há muito que se encontram caducos os direitos que o recorrente pretende exercer com a presente acção de impugnação de paternidade.

  4. Igualmente improcede, salvo o devido respeito, a tese arguida pelo recorrente no sentido da inconstitucionalidade das opções legais que consagram prazo para a impugnação da paternidade presumida.

  5. Tal tese esbarra na jurisprudência dominante - cfr., entre outros, logo após a entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, o...

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