Acórdão nº 6352/17.6T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelEUG
Data da Resolução18 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I.

RELATÓRIO JOSÉ, NIF (...), residente na rua (...), intentou contra BANCO DE PORTUGAL, pessoa coletiva de direito público, com sede na rua (...) Lisboa, BANCO A, SA, NIPC (...), com sede na rua (…), BANCO B, SA, NIPC (...),com sede na rua (...) Lisboa, ESTADO PORTUGUÊS E MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, com sede na (...) Lisboa, COMISSÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CMVM), NIPC (...), com sede na rua (...) Lisboa, XX, SA, NIPC (...), com sede na rua (...) Lisboa, e FUNDO DE RESOLUÇÃO, NIPC (...), com sede na (...) Lisboa, a presente ação declarativa comum, pedindo a condenação solidária dos Réus a reembolsar o Autor, a título de danos patrimoniais, no valor correspondente ao investido nas ações BANCO A, ou seja, na quantia de € 52.925,83 (cinquenta e dois mil novecentos e vinte e cinco euros e oitenta e três cêntimos); a título de outros danos patrimoniais, como despesas em deslocações, cartas, constituição de mandatário, custas judiciais, no valor ainda não quantificável, mas não inferior a € 6.000.00 (seis mil euros); e c) a título de danos não patrimoniais, na quantia a determinar em sede de liquidação de sentença.

Para tanto, alegou, em síntese, que: - adquiriu, em 16.01.2013, 31.175 (trinta e um mil cento e setenta e cinco) ações do Banco A; - realizou essa aquisição pelo facto de o ESTADO ser o acionista maioritário do BANCO A, pensando que, por força dessa participação, até 2018, tratar-se-ia de um investimento seguro e rentável; - as deliberações tomadas pelo BANCO DE PORTUGAL, a 19.12.2015 e 20.12.2015, reduziram o valor das ações a zero, sendo tais deliberações lesivas do seu direito de propriedade, não sendo justificadas face à situação económica do BANCO A, tendo decidido contra as expetativas e anúncios realizados aquando da recapitalização deste Banco e tendo colocado os acionistas e obrigacionistas em posição pior daquela que teriam num cenário de liquidação; - para além disso, o BANCO DE PORTUGAL é responsável pelas falhas de supervisão comportamental e prudencial.

Regularmente citados, o ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Digno Procurador da República junto deste Tribunal, a CMVM, o BANCO DE PORTUGAL, o FUNDO DE RESOLUÇÃO e o BANCO A, SA, sustentaram verificar-se a exceção de incompetência absoluta, por, no seu entender, a competência jurisdicional para apreciar litígios que tenham por objeto questões relativas a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público e/ou a fiscalização de atos praticados por entidades de direito público no exercício desses poderes públicos pertencer aos tribunais administrativos (cfr. fls. 166/verso a 167, 183/verso a 185/verso, 514/verso a 519, 667/verso a 672, 682 a 684, respetivamente).

Notificado para exercer o contraditório, o Autor respondeu a fls. 724 e ss., argumentando que, embora a causa de pedir seja atinente a atos e deliberações tomadas pelos Réus pessoas coletivas de direito público, a relação jurídica litigada é relativa a violação de normas atinentes ao contrato de depósito irregular.

*Foi, a fls 741 a 744, proferida a seguinte decisão sobre a “exceção de incompetência em razão da matéria”: “Nestes termos, procedendo a exceção suscitada, por a causa dever ser submetida à jurisdição administrativa, julgo verificada a incompetência absoluta em razão matéria desta Instância Central Cível para a preparação e julgamento da ação instaurada, e, em consequência, nos termos dos artigos 99º/1, 576º/2, e 577º/a), do CPCiv, absolvo os Réus BANCO DE PORTUGAL, BANCO A, SA, BANCO B, SA, ESTADO PORTUGUÊS - MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, CMVM, XX, SA, e FUNDO DE RESOLUÇÃO da instância.

As custas são da responsabilidade do Autor (cfr. artigo 527º/1/2, do CPCiv).

Registe e notifique, sendo o Autor, para efeitos do disposto no artigo 99º/2, do CPCiv, para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciar se pretende seja o presente processo remetido ao tribunal administrativo, devendo, após, os Réus exercer o respetivo contraditório em idêntico prazo (cominando-se que o silêncio será entendido como ausência de oposição)”.

*O Autor apresentou, a fls 745 a 759, recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por outra que declare o Tribunal a quo materialmente competente para conhecer do seu pedido, formulando as seguintes CONCLUSÕES: I.

O Recorrente não pode conformar-se com a douta sentença recorrida, devendo mesmo acrescentar que, além da inconformação, a mesma se revela destituída de qualquer fundamentação que, de per se, afasta-se de uma percepção normal dos factos em causa, quer do direito aplicável ao caso concreto. Assim, tendo em conta que o teor da douta decisão poderia e deveria, eventualmente, ser outro, suscita-se e requer-se a reapreciação da mesma através do presente recurso.

II.

Considera o Meritíssimo Juiz que o Juízo Central Cível de Braga é materialmente incompetente para conhecer dos autos alegados em sede de acção Declarativa de Condenação, sob a forma de processo comum, absolvendo todos os réus da instância. Decidiu o Tribunal “a quo” pela procedência da excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria nos termos das disposições conjugadas dos artigos 99º nº 1, 576º nº 2 e 577º al. a), todos do Código de Processo Civil, absolvendo dessa forma os Réus Banco de Portugal, Banco A, S.A, BANCO B, S.A, Estado Português – Ministério das Finanças, CMVM, XX, S.A e Fundo de Resolução, da Instância.

Fundamentou a presente decisão no sentido de que a demanda solidária dos supra referidos réus, na qualidade de pessoas colectivas de Direito Público, se insere, não na competência dos Tribunais Judiciais Comuns, mas antes na competência especial dos Tribunais Administrativos e Fiscais, por força das disposições conjugadas dos artigos 1º nº 1 e 4º n 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, bem como do nº 3 do artigo 212º da Constituição da República Portuguesa.

Conclui pelo cometimento à jurisdição administrativa da apreciação da responsabilidade civil extracontratual assim como da fiscalização de deliberações tomadas por pessoas colectivas públicas no exercício dos poderes públicos, não obstante a formulação de um único pedido de condenação dirigido a todos os réus com incidência no preceituado no nº 2 do artigo 4º do ETAF.

III.

Ora, com o devido respeito e na disponibilidade para entendimento diferente, não pode o recorrente concordar com a decisão proferida, pois que a mesma não se concede como correspondente com os parâmetros de legalidade da lei civil e processual como infra se explicará posteriormente, IV.

O recorrente, por requerimento datado de 16 de Maio de 2018, e com a finalidade de se pronunciar quanto às excepções alegadas pelos réus em sede de contestação, já haveria tomado posição firme relativamente ao cerne da presente questão, tendo inclusive presenteado o mesmo com fundamento factual e de Direito que sempre haveria o tribunal de ter decidido pelo prosseguimento dos autos para fase ulterior, o que destarte não sucedeu Pronunciou-se o tribunal recorrido em sentido desfavorável ao requerido.

A sentença formulada em sede de 1.º instância e que sustentou todo o entendimento do Tribunal “a quo”, encontra-se inquinada de substanciais erros de direito que, de certa forma, fazem crer que poderia ser outra a decisão recorrida.

V.

De conformidade com o preceituado nos arts. 211º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 40, nº 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário e 64º do CPC vigente, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.

VI.

Os tribunais judiciais, constituindo os tribunais regra dentro da organização judiciária, gozam de competência não discriminada, por isso sendo chamados de competência genérica, gozando os demais, tribunais especiais, de competência limitada às matérias que lhes são especialmente cometidas. Que o mesmo é dizer que a competência dos tribunais judiciais se determina por um critério residual, ou de exclusão de partes - tudo o que não estiver atribuído aos tribunais especiais - cfr. Profs. Palma Carlos (in “CPC Anotado”, pags. 230) e A. dos Reis (in “Comentário”, Vol. I, pags. 146 e segs) e Ac. Rel. de Coimbra de 21/10/2008, onde foi relator Gregório da Silva Jesus.

(1) VII. Sendo a estrutura da causa, tal como vem configurada pelo A., aqui recorrente, a determinar a competência material do tribunal, é irrelevante averiguar quais deviam ser os termos da pretensão - no fundo o que sucede com a competência do tribunal, sucede também com outros pressupostos processuais (legitimidade, forma do processo) -, ou seja, é a instância, no seu primeiro segmento consubstanciado no articulado inicial do demandante, que determina a resolução desses pressupostos.

VIII.

O Tribunal a quo assenta, outrossim, a sua decisão de se julgar materialmente incompetente no facto de o pedido dirigido não ter sido autonomizado dos demais.

IX.

Ora, como é consabido, a competência tem de se aferir pelos termos da relação jurídico-processual tal como foi apresentada em juízo, havendo que atender ao pedido e especialmente à causa de pedir, tal como o autor (aqui recorrente) o formula.

X.

O fundamento dessa responsabilidade advém do facto de os demais réus, enquanto entidades de direito público, serem detentores de capital social do primeiro réu BANCO A, pelo que atuam no âmbito das suas atribuições como accionista e não enquanto atribuição de direito público, que lhe estão legalmente cometidas.

XI.

A relação jurídica que subjaz ao momento processual oportuno configurava o autor, por um lado, na qualidade de adquirente e o réu BANCO A, S.A, por outro, na qualidade de alienante daquelas acções.

XII. Há lugar a clara responsabilidade dos réus decorrente da violação das normas contratuais, nomeadamente do contrato de depósito irregular.

XIII.

Pois que, a serem assacadas...

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