Acórdão nº 49/18.7T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução31 de Outubro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Por requerimento de 23.02.2018, veio o Dr. P. … Araújo, mandatário dos réus Artur … e mulher Alexandra … suscitar incidente de justo impedimento, alegando que: 1º Os réus foram citados para contestar a presente ação no dia 12 de Janeiro de 2018; 2º Tendo para o efeito procurado o mandatário subscritor para contestar a ação e outorgado a respetiva procuração forense no dia 5 de Fevereiro de 2018; 3º O prazo para contestar, incluindo, com a dilação dos cinco dias e com três dias, nos termos da alínea c), n.º 5, do 139º do CPC, terminava no dia 22 de Fevereiro de 2018; 4º Acontece que o mandatário foi vítima de doença súbita que lhe provocou imobilização total durante quatro dias, nomeadamente, nos dias 19, 20, 21 e 22 que o impediram física, mentalmente e psicologicamente de poder elaborar qualquer peça processual; 5º Incluindo a contestação nos presentes autos conforme atestado médico que protesta juntar aos autos; 6º O mandatário esteve, igualmente, impedido de se deslocar ao seu escritório; 7º O que só aconteceu no dia de hoje (23 de Fevereiro de 2018), após adquirir plenas capacidades físicas e mentais para o fazer; 8º Tendo por tal motivo procedido à elaboração do articulado da contestação apenas nesse dia, e remetido o mesmo aos autos.

Termina, requerendo que se julgue procedente o incidente de justo impedimento suscitado e, em consequência, que se julgue tempestiva a prática do ato processual em causa.

Arrolou uma testemunha.

Tal incidente foi apresentado no mesmo dia (23.02.2018) em que os réus, através do seu ilustre mandatário, deduziram contestação/reconvenção (cfr. fls. 2 a 31).

Em 26.02.2018, o requerente juntou Relatório Clínico, subscrito pelo Dr. … Dias (especialista em Ortopedia), datado de 26.02.2018, no qual se consigna, designadamente, que o referido médico assistiu o mandatário dos réus, “no dia 19/02/2018, no período de início da manhã, com um quadro clínico de lombalgia incapacitante com irradiação ciática, com um dia de evolução e surgido após movimento de flexão da coluna, provocando marcada incapacidade com limitação da marcha e posição.

(…) Face à incapacidade de marcha por dores hiperálgicas e rigidez dolorosa da coluna o meu conselho médico foi no sentido de repouso imediato no leito, por um período previsto de 4 a 5 dias, efectuar medicação analgésica e anti-inflamatória.

Vigilância posterior da evolução clínica.

” (cfr. fls. 36, verso e 37).

A autora Rui …., Lda., apresentou contraditório, tendo concluído pela não verificação do justo impedimento invocado, e, como tal, não deve ser admitido o articulado de contestação junto aos autos a 23.02.2018, por extemporâneo.

Na sequência, foi proferido despacho a 26.04.2018, do qual resulta o seguinte: “Os RR foram citados para os termos da presente acção no dia 12.1.2018 (ver fls. 24 e 25), tendo a contestação da acção dado entrado em juízo no dia 23.2.2018, (ver fls. 55v), invocando o ilustre mandatário, por requerimento entrado nesse mesmo dia, justo impedimento para a prática do acto em seu devido tempo, atentos os problemas de saúde de que foi vitima.

Juntou o relatório clinico médico de fls. 61 no dia 26.3.2018 – ver fls. 61v.

Dado o contraditório pugnou o A. pela não consideração desta situação como justo impedimento.

Decidindo: Nos termos do disposto no art. 140.º, n.º 1 do Código de Processo Civil considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto. Assim, para estarmos perante um justo impedimento obstaculizador da prática do acto, este não pode ser imputável à parte ou seu mandatário, por ter tido culpa na sua produção. Cabe, assim, à parte alegar e provar a sua falta de culpa, através da invocação da ocorrência de um caso fortuito ou de força maior impeditivo.

Ora, nestes autos o prazo de 30 dias, para contestar atenta a data da citação, terminava no dia 16.2.2018 – sexta feira -, podendo o acto, ainda, ser praticado com multa, nos dias, 19, 20 e 21 de Fevereiro de 2018.

Refere o ilustre mandatário que foi vítima de doença entre os dias 19 e 22 de Fevereiro que o impediram de apresentar a contestação da presente acção, apenas o vindo fazer no dia 23.2.2018, juntou relatório médico onde se refere que foi aconselhado o ilustre mandatário a repousar no leito por 4/5 dias.

Perante estes dados objectivos, é patente que quando se iniciou o alegado justo impedimento a 19.2.2018, já estávamos dentro do período de 3 dias úteis adicionais atrás mencionados.

Como já supra referido estatui o art. 140º, nº 1, do NCPC, que “considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto”.

Realce-se o uso da palavra atempada por parte do legislador. Quer dizer, o justo impedimento só é invocável se o motivo de justo impedimento invocado ocorrer dentro do prazo normal fixado (que no caso era o apontado dia 16.2.2018. O que como sabemos não ocorreu.

Aprofundando, avançamos já que seguimos a posição que afasta a aplicação da figura do justo impedimento ao período suplementar de 3 dias úteis, com pagamento de multa, previsto no indicado art. 139º, nº 5, do NCPC.

Acompanhando de perto os Acds. do STJ de 27.11.2008, e da relação de Coimbra de 1.3.2016 e de 1.7.2014, todos em www.dgsi.pt, diremos o seguinte: A regra é ser peremptório o prazo processual relativo a acto a praticar pela parte – como a apresentação de uma contestação.

A possibilidade, conferida pelo nº 5 do art. 139º, de o acto processual, sujeito a prazo peremptório, ser praticado, mediante pagamento de multa, nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, independentemente da existência de justo impedimento, é uma inovação introduzida na lei processual pelo DL 323/70, de 11.7, embora em termos menos permissivos do que os actualmente previstos (a redacção inicial do mencionado nº 5, introduzido pelo dito DL, apenas permitia a prática do acto no 1º dia útil posterior ao termo do prazo, na condição do pagamento imediato de multa equivalente a ¼ da taxa de justiça e não inferior a 500$00; a admissibilidade da prática do acto no segundo ou terceiro dia útil posterior ao termo do prazo, mediante o pagamento de multas sucessivamente mais gravosas, foi trazida pela reforma intercalar de 1985, DL 242/85, de 9.7, e manteve-se desde então, apenas com alterações quanto ao montante das multas).

Como explica o Prof. Antunes Varela (na Rev. Leg. Jur.

, Ano 116º, págs. 31/32), a inovação aportada pelo DL 323/70 teve por base “o reconhecimento de uma velha pecha da nossa maneira colectiva de agir, a que não se mostram imunes os procuradores mais qualificados de negócios alheios, que são os mandatários judiciais” – o hábito condenável de guardar para a última hora todo o acto que tem um prazo para ser validamente praticado – visando, assim, fundamentalmente, prevenir o possível descuido, esquecimento ou negligência do interessado e evitar que a omissão de uma simples formalidade processual possa conduzir à perda definitiva de um direito material.

Por isso mesmo, para que a faculdade concedida não representasse um prémio ou um “bónus” para a parte processual negligente, fez-se depender a validade do acto do pagamento imediato de uma multa, que assume, assim, o carácter de sanção para um comportamento processual presumivelmente menos diligente ou negligente.

Que assim é, resulta da vincada preocupação do legislador em estabelecer multas gradativamente mais pesadas, conforme o acto for praticado no 1º, no 2º ou no 3º dia posterior ao termo do prazo: para sancionar graus de negligência sucessivamente mais intensos, multas correspondentemente mais pesadas.

Sendo esta a ratio legis, seria inaceitável que o justo impedimento pudesse funcionar e produzir efeitos relativamente a um período temporal adicional, que está fora do prazo peremptório estabelecido na lei e de que a parte só pode valer-se pagando uma multa, como sanção pelo desrespeito pelo prazo que devia ter observado, presumindo-se que o não observou por negligência.

Também decidiu o STJ, em Acórdão de 4.5.2006 o “«justo impedimento» não vale para o prazo de complacência (dele «independente») condescendido residualmente pelo art. 145º/5 do CPC”. “Esse prazo residual, concedendo uma última oportunidade para a prática do acto e constituindo já de si uma «condescendência», não poderá contar – sob pena de descaracterização dos prazos peremptórios...

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